Dizer a verdade
O essencial é não mentir, e antes de mais nada, não se
mentir. Não se mentir sobre a vida, sobre nós mesmos,
sobre a felicidade.
André Comte-Sponville
A mentira acompanhou toda a História do homem. E
aprendemos desde criança que essa prática só cria
confusão e infelicidade.
Em alguns casos, sabemos que mentir é uma tentativa de
viver uma realidade distinta e não o que se vive de
fato. E, no geral, a possibilidade de a criança dizer a
verdade é menor se ela sentir medo de ser
severamente punida.
Por sabermos que a honestidade e a sinceridade são a
base para qualquer relacionamento humano, a melhor
maneira de lidar com a mentira na infância, época em que
o ser humano começa a mentir, é fazer com que as
crianças adquiram o hábito de dizer a verdade. O
pai não pode pedir ao seu filho que não diga para a mãe
que o viu bebendo, por exemplo. Uma avó não deve
solicitar ao neto que não conte aos pais que comeu o
doce antes do almoço, segundo uma “inocente mentirinha”.
Cuidar também em orientar a criança sem lançar mão de
ameaças vazias como “papai do céu castiga quem mente...”
Ensina-se com o exemplo, em primeiro lugar. Pois como
exigir de uma criança dizer a verdade se ela vê seus
pais mentirem com frequência?
Há crianças que mentem por imitação. O hábito de dizer a
verdade, nesses casos, não tem ressonância no lar,
porque não há, no ambiente doméstico, um clima de
lealdade e os adultos, por isso, facilmente falseiam os
fatos, as circunstâncias. A criança cresce em
consequência (mais) inclinada à mentira.
Você cultiva o hábito de dizer a verdade, mas descobriu
uma mentira de seu filho? Depois de explicar-lhe com
calma os riscos e vexames causados por uma mentira, use
uma reprimenda leve ou uma breve perda de privilégios –
a depender da situação. Os castigos mais severos –
gritar, tirar um brinquedo por semanas etc. – humilham,
geram ressentimento e, dificilmente, modificam o uso da
estratégia da mentira. Recordar sim, sem preguiça, que a
tarefa essencial é dizer a verdade.
Contos de fadas enriquecem a infância. As aventuras
de Pinóquio*, por exemplo, proporciona um conteúdo
ético importante, revelando ludicamente à criança o
desvalor da mentira...
Notinha
Segundo estudos diversos, aos dois anos as crianças já
imitam os outros. A partir dos 4 anos começam a
identificar mentirosos pelo olhar. Aos sete anos, as
crianças já são capazes de sustentar uma mentira. Aos
treze anos, o adolescente é capaz de mentir como um
adulto dissimulado.
Sugestões para ajudar a criança a desenvolver o hábito
de dizer a verdade: a) evite rótulos. Dizer mentiras é
diferente de ser mentiroso. Ao atribuirmos uma
característica à criança que na realidade é só um
comportamento, poderemos promover a identificação da
criança com o rótulo e, em consequência, acabar por
estimular o vício da mentira; b) dê o exemplo. Um
simples “Diz que eu não estou em casa!” para evitar um
telefonema incômodo valida o hábito da mentira; c)
esclarecer à criança que sempre há opções que não
implicam mentir – por exemplo, ao receber um presente de
que não gostou, ela precisa somente agradecer; d) quando
a criança mente, o assunto deve ser abordado com calma,
sem ameaças de castigos ou punições severas. Quando o
adulto age com violência e/ou ressentimento, sua conduta
apenas reforçará, na criança, a tendência para mentir e,
nesse caso, como uma medida defensiva; e) evite dar
oportunidade à mentira. Se já sabe que a criança não fez
a tarefa da escola, por que perguntar isso a ela?
Prefira apoiá-la: “há algo em que eu possa ajudar em
relação à sua tarefa?; f) elogie o comportamento
positivo e, ainda, procure promover a reparação do dano
causado em vez do castigo.
*A história original, traduzida para o português como
As aventuras de Pinóquio,
foi escrita pelo italiano Carlo Collodi. No formato de
folhetim, os capítulos
foram publicados por um semanal infantil de Roma – o
Giornale per i Bambini entre os anos de 1881 e 1883.
A história ganhou várias versões, sendo a mais conhecida
o desenho animado de Walt Disney, no século XX.
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