A. Que invenção a humanidade terrena deve à
genialidade e à persistência de Palissy?
A ele se deve a invenção da louça esmaltada e
das figulinas (vasos de barro), que ele só
conseguiu concretizar depois de dezesseis anos
de labor assíduo e penosas experiências, sem
ajuda de ninguém. Só então Palissy pôde colher o
fruto do seu esforço, fato que teve, porém,
curta duração, porque, dada a sua independência
de ideias em matéria religiosa, foi denunciado e
levado à prisão em Bordéus, onde por pouco
escapou da morte na fogueira.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Vontade do Homem.)
B. Como nasce um gênio? Que disse Buffon sobre
isso?
Ele escreveu que gênio é paciência. A frase nos
traz à lembrança vultos como Képler, que
procurou durante dezessete anos as três leis
imortais que o recomendam à posteridade, leis
que regem o sistema universal nos latifúndios
celestes, onde se embalam as estrelas duplas,
tanto quanto regulam o movimento da Lua em torno
da Terra. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. A Vontade do Homem.)
C. Que nos ensinam as peripécias e desafios
enfrentados por vultos como Palissy e tantos
outros que se destacaram por seu esforço,
dedicação e genialidade?
Esses vultos e sua história de vida nos mostram
que o homem não é somente um composto de matéria
orgânica e que a energia, a perseverança, a
coragem, a virtude e a fé não são atributos da
composição químico-cerebral. Do fundo de seus
sepulcros eles proclamam que os pretensos
sábios, que ousam identificar o homem com a
matéria inerte, não se precatam do valor humano
e jazem na mais trevosa ignorância das verdades
que fazem a glória e a felicidade do ser.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Vontade do Homem.)
Texto para leitura
751. Palissy, depois de muito conjeturar sobre
as matérias que entravam na composição do
esmalte, fez demoradas experiências e acabou
reunindo as substâncias que lhe pareceram
adequadas. Comprou potes de barro comum,
quebrou-os e recobriu os fragmentos com as
massas que preparava, submetendo-as ao forno
para tal fim construído. As tentativas falhavam
e o que só conseguia eram potes quebrados, com
grande prejuízo de carvão, de substâncias
químicas, além de tempo e trabalho. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
752. Afrontando as lamentações da esposa, o
choro dos filhos e a ironia dos vizinhos, nem
assim desanimava. Sua companheira não se
conformava com o ver assim dissipar-se em fumo
os já minguados recursos domésticos. Contudo,
haveria de submeter-se, de vez que o marido
estava empolgado por uma ideia que ninguém e
nada no mundo lhe desvaneceria. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
753. As experiências prosseguiam por meses e
anos. Descontente com o primeiro forno,
construiu outro fora de casa. Neste, queimou
outra lenha, esperdiçou outras drogas e potes,
perdeu tanto tempo e dinheiro que acabou caindo
em extrema miséria. Sem embargo, persistiu.
Obstinação cruel! Não mais podendo acender o seu
forno, levava o material a uma fábrica distante
légua e meia e o fracasso continuava. (Deus
na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade
do Homem.)
754. Desapontado, mas não desenganado, resolve,
então, construir um forno para vidro, perto de
casa. E o fez ele mesmo, com as próprias mãos.
Conduzia da olaria, às costas, o tijolo;
ajustava-o, emboçava-o; era pedreiro,
carregador, oleiro, tudo! Ao fim de um ano,
ei-lo com o seu novo forno e os vasos preparados
para uma nova experiência. Apesar do esgotamento
quase absoluto dos seus recursos, conseguira
acumular grandes reservas de lenha. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
755. Acendeu o forno, recomeçou o trabalho, não
perdia de vista a tarefa, um minuto que fosse.
Dia e noite a postos, vígil, ei-lo a meter
lenha, a graduar o fogo e, contudo, o esmalte
não derretia. Pela segunda vez vinha o Sol
surpreendê-lo na faina e a esposa trazia-lhe o
parco almoço. Nada no mundo o tiraria da boca do
seu forno, no qual, desesperado, lançava a lenha
acumulada. O Sol recolhia-se e o nosso homem
não. Pálido, desfigurado, barba crescida,
sobreexcitado sim, mas heroico, indefesso junto
ao forno, para ver quando o esmalte se fundiria.
Um, dois, seis dias, enfim, transcorreram sem
alteração. O invicto Palissy continuava a
trabalhar, a vigiar, mau grado ao desmoronamento
de suas esperanças. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
756. O esmalte não se fundiu... Pôs-se, então, a
contrair dívidas, a comprar novos vasos, mais
lenha... Os potes devidamente revestidos e
cuidadosamente colocados no forno, ainda uma vez
acendeu-se o fogo. Era a última tentativa do
desespero. Ele fez um braseiro enorme e, não
obstante a alta temperatura, nada conseguiu. A
lenha já escasseava. Como alimentar, até o fim,
aquele fogaréu infernal? Olhou em torno, seus
olhos incidiram na cerca do jardim, madeira
enxuta, facilmente combustível. Que poderia
valer aquela cerca comparada com a experiência
cujo êxito dependeria, talvez, de algumas toras
mais? As cercas foram arrancadas, lançadas na
fornalha. Sacrifício inútil! (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
757. Ainda não seria dessa vez... Mais dez
minutos de calor – quem sabe – e tudo estaria
conseguido... Lenha, portanto, mais lenha e só
lenha, a qualquer preço, eis o que precisava!
Que ardessem os móveis, contanto que não
perdesse aquela experiência. Estrondo horrível
se ouviu em toda a casa, logo seguido dos gritos
da mulher e filhos, já agora temerosos de que o
homem houvesse enlouquecido. Ei-lo que chega,
sobraçando destroços de mesas e cadeiras! A
fornalha tudo recebe, tudo devora. Não se funde
o esmalte, ainda assim? Chega a vez dos
assoalhos... A família, diante disso, foge
espavorida e vai pelas ruas a gritar que o seu
chefe enlouquecera. A essa altura, o inventor
encontrava-se absolutamente exausto, mercê de
tantas lutas, jejuns, vigílias, sobressaltos.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Vontade do Homem.)
758. Endividado e coberto de ridículo, dir-se-ia
presa de um desastre irreparável. E, contudo,
acabara por descobrir o segredo, a última
provisão de calor derretera o esmalte. Os vasos
de barro escuro lá estavam transformados em
louça branca, que ele deveria realmente achar
belíssima. Doravante, podia afrontar com
paciência todos os remoques, ultrajes e
recriminações. O homem de gênio, graças à
tenacidade na sua inspiração, acabava colhendo a
palma da vitória. Arrancara um segredo à
Natureza e podia com mais calma aguardar os
proventos da sua descoberta. (Deus na
Natureza – Terceira Parte. A Alma. A Vontade do
Homem.)
759. E não foi
senão ao fim de dezesseis anos de labor assíduo
e penosas experiências, que, isolado, aprendendo
consigo, desajudado de todos, pôde colher o
fruto do seu esforço. Não tardou, porém, dada a
sua independência de ideias em matéria
religiosa, fosse denunciado e visse invadida e
depredada a sua oficina por uma turba ignara e
fanática, de conivência com as autoridades. E
enquanto assim lhe destroçavam toda uma cerâmica
preciosa, era ele preso e conduzido a Bordéus,
onde aguardaria o cadafalso ou a fogueira.
Salvou-lhe a vida o Condestável de Montmorency,
não – diga-se – em atenção às suas crenças
religiosas, mas às suas faianças.
[N.R.: Faiança é o mesmo que louça fina de
barro, vidrada ou esmaltada. Condestável
significava, antigamente, primeiro dignitário do
Reino, chefe do exército.]
(Deus na Natureza
– Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
760. Dali, foi a Paris, onde o chamaram os
trabalhos encomendados pelo Condestável e pela
Rainha-mãe, hospedando-se nas Tulherias,
enquanto duraram esses trabalhos. Mas, a guerra
incessante que movia aos adeptos da Astrologia,
da Alquimia e da bruxaria, acarretou-lhe uma
nova denúncia como herético. Novamente preso,
ficou cinco anos na Bastilha e ali morreu, em
1589, na idade de oitenta anos. Assim acabou e
assim foi recompensado o inventor da louça
esmaltada e das figulinas. (Deus na Natureza
– Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
761. Diante desse magnífico exemplo de coragem e
perseverança – não da coragem proveniente de uma
exaltação nervosa, qual a produzem a cólera, o
medo, o cheiro da pólvora, a música marcial,
visto que nestes casos espontâneos os
adversários poderiam alegar a sensação – mas de
uma energia que se desdobra por dezesseis anos
afrontando todos os reveses; de uma vontade que
sobrepuja todos os obstáculos como que
avassalando o corpo e as afeições do sangue;
diante desses exemplos, dizemos, diante de todas
as glórias da nossa espécie pensante; diante de
todas essas chamas que se consumiram para
brilharem na posteridade das gerações; diante
dos anseios cordiais da Humanidade e diante dos
testemunhos da sua própria consciência, com que
direito se vem averbar de ilusão a vontade e de
subsequente a força moral? (Deus na Natureza
– Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
762. Com que direito ousam negar a energia
independente e o caráter predominante dessas
almas de rija têmpera? A que pretexto reduzem a
potência desses corações a estados fisiológicos,
quando não a circunstâncias fortuitas? E como se
leva a fantasia a estabelecer como princípio que
“as nossas resoluções variam com o barômetro”?
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Vontade do Homem.)
763. Objetar-se-á que o benemérito oleiro, cujo
perfil acabamos de traçar, representa uma
exceção no seio da Humanidade? Mas, uma tal
evasiva só poderá provir da ignorância e
carência de observação. Nomes mais ilustres que
o de Palissy fulguram por aí a títulos outros e
nos quais admira-nos a mesma obstinação e
firmeza. (Deus na Natureza – Terceira Parte.
A Alma. A Vontade do Homem.)
764. Buffon escreveu que gênio é paciência.
Lembramo-nos, então, de Képler procurando
durante dezessete anos as três leis imortais que
o recomendam à posteridade, leis que regem o
sistema universal nos latifúndios celestes, onde
se embalam as estrelas duplas, tanto quanto
regulam o movimento da Lua em torno da Terra.
Falaremos de Newton, modesto, respondendo a quem
lhe perguntava como descobrira a gravitação: –
foi pensando sempre nela. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
765. Citaremos todos esses ilustres sábios que
em suas lutas só tiveram por arma a
inteligência. Invocaremos os trabalhos
solitários de Harvey, Carlos Bonnet, Jenner[i].
Recontaremos as tremendas dificuldades que
houveram de vencer, animados do fogo sagrado,
esses inventores que se chamaram Watt, Jacquard,
Girard, Fulton, Stephenson? Diremos dos labores
intelectuais que exigiram as nossas vias
férreas, a navegação a vapor, a telegrafia,
magníficos inventos nos quais celebramos o
espírito que não a matéria?
(Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
766. Invocaremos os arroubos artísticos de um
Miguel Ângelo, de um Ticiano, de um Celini, de
um Poussain? Recordemos esta frase de Bayle,
escrita de Milão, em 1820, a propósito de um
artista chamado Meyerbeer: – “é homem de algum
talento mas não genial, vivendo solitariamente e
trabalhando quinze horas por dia”. Contudo, se
quiséssemos historiar as provas rudes
que flagelaram os gênios mais possantes,
haveríamos de baixar aos nomes ignorados, de
quantos mergulharam nesse pego revolto, vítimas
da sorte, não da descrença, como Chenier
decapitado, ou como Gilbert lutando contra o
egoísmo universal. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
767. Haveríamos, também, de convocar os que
sucumbiram gloriosamente. Giordano Bruno
preferindo a morte a uma retratação fictícia;
Campanela sete vezes torturado e sucumbindo sem
deixar de satirizar seus algozes; Joana D'Arc
que salvou a França, Sócrates que salvou a
Filosofia e preferiu a cicuta à mentira,
Cristóvão Colombo expirando no cárcere, o velho
Pedro Ramus estrangulado na noite de São
Bartolomeu, em que também teria perecido
Ambrósio Paré, se Carlos 9º não levasse em conta
os seus préstimos pessoais e, enfim, todos os
mártires da Ciência, da Religião, do progresso,
inclusive os que tombaram nos circos romanos,
devorados pelas feras e exorando a Deus por seus
irmãos. (Deus na Natureza – Terceira Parte. A
Alma. A Vontade do Homem.)
768. Fossem quais fossem as crenças, as ideias
que essas criaturas defendiam até à morte, sem
lhes apreciarmos o valor real das causas que
abraçavam, sua memória imperecível só nos merece
respeitosa veneração. São vultos que nos mostram
que o homem não é somente um composto de matéria
orgânica e que a energia, a perseverança, a
coragem, a virtude, a fé não são atributos da
composição químico-cerebral. Do fundo de seus
sepulcros eles proclamam que os pretensos
sábios, que ousam identificar o homem com a
matéria inerte, não se precatam do valor humano
e jazem na mais trevosa ignorância das verdades
que fazem a glória e a felicidade do ser.
(Deus na Natureza – Terceira Parte. A Alma. A
Vontade do Homem.)
769. Ademais, não é somente nas altas esferas
que o observador admira esses edificantes
exemplos. Em todas as camadas sociais, do prócer
da Ciência ao rústico analfabeto, do trono ao
grabato, a vida cotidiana oferece, no santuário
da família, esses mesmos padrões de coragem e
abnegação, de paciência e grandeza d'alma, de
energia e virtude, que, por desconhecidos, não
são menos meritórios no seu valor intrínseco, do
que os precedentes. (Deus na Natureza –
Terceira Parte. A Alma. A Vontade do Homem.)
[i]
A acolhida que teve a descoberta da
vacina é um atestado típico dos
obstáculos geralmente antepostos a
qualquer ideia nova, de feição a
desanimar inventores e sábios. Não
faltou, diz Smiles, quem lhe
caricaturasse a descoberta
apresentando-a como suscetível de
bestializar o próximo, com o introduzir
no organismo matéria putrecida, retirada
das tetas de vacas doentes. Do alto das
cátedras, foi a vacina denunciada como
coisa “diabólica”. Chegaram a afirmar
que as crianças vacinadas cresciam com
“cara de boi” e que na testa lhes
sobrevinham tumores, que “indicavam o
lugar dos chifres e que a voz se
alterava com mugidos de touro”.