Inquisição no século XXI?
Advogada e médium!
A notícia está lá bem escarrapachada, no jornal “Diário
de Notícias” (Portugal), do dia 28 de Fevereiro de 2018,
em artigo assinado por Paula Freitas Ferreira, na versão
online: “Advogada que diz falar com os mortos, quis
saber se atividades eram incompatíveis”.
Depois de ter esfregado bem os olhos, várias vezes,
depois de ter relido várias vezes, consciencializei-me
de que estava a ler mesmo isso. O referido artigo
continuava: “Uma advogada que afirma ‘falar com o
Além’ desde os 9 anos, e que é ‘detentora de vários
cursos esotéricos e holísticos’, pediu um Parecer à
Ordem dos Advogados (OA), para saber se pode continuar a
exercer a advocacia em simultâneo com a prática
holística. O pedido, enviado para o Conselho Regional de
Coimbra, recebeu resposta positiva a 11 de janeiro”.
Esta advogada, como milhares de outras pessoas
(agricultores, professores, militares, magistrados etc….),
é possuidora de um sexto sentido, de uma percepção
extrassensorial. Até aqui tudo bem, pois esta
característica, este sexto sentido, é orgânico, neutro,
independe das convicções de cada um, das ideologias
políticas de cada um, entre outras opções.
Apesar da coragem revelada pela dita advogada, ao
afirmar-se publicamente como médium, sinto um mal-estar
que me faz recuar aos tempos da Santa Inquisição, onde a
Igreja decidia quem ia para a fogueira ou não, quem era
herege ou não.
Em pleno século XXI, uma advogada tem de pedir um
parecer à sua Ordem profissional para se defender
profissionalmente?
Com que direito uma Ordem profissional dá um parecer
sobre as convicções espirituais, políticas, clubísticas
ou outras de índole íntima de um ser humano?
É tão inverossímil esta atitude, como por exemplo a
Ordem dar um parecer sobre a compatibilidade ou não do
exercício da advocacia com o falar, cheirar, tatear,
ver, ouvir.
Parece estúpido, não parece?
Pois é, não só parece estúpido, como é estúpido…
Vivemos numa democracia, onde a Constituição da
República Portuguesa consagra os direitos, deveres e
garantias dos cidadãos, no entanto, no dia a dia os
cidadãos têm de ter atitudes típicas dum Estado
Islâmico?
O que se passa em Portugal?
Tive conhecimento de constrangimentos de pessoa amiga,
da área da medicina, que é “perseguida, pressionada” no
seu trabalho, por, além da sua profissão, na sua
consciência, ser espírita.
Os espíritas continuam a ser perseguidos e discriminados
em Portugal, em pleno século XXI, a começar pelo Estado…
Tive conhecimento de um amigo que usa um pseudônimo nas
suas atividades espíritas, com receio de ser despedido
de uma instituição estatal.
Tive conhecimento de um frequentador do Centro de
Cultura Espírita de Caldas da Rainha, que eu frequento,
que deixou de o frequentar pois o seu patrão (de uma
corrente religiosa que não suporta o Espiritismo)
ameaçou-o de que, se continuasse a ir ao centro
espírita, seria despedido.
Vivemos num país supostamente do 1º mundo, com uma
mentalidade do tempo da Santa Inquisição, onde os
Espíritas (para quem ainda não houve 25 de Abril de
1974, pois o Estado ainda não devolveu todos os bens
confiscados no tempo da ditadura e entregues à Casa
Pia), em pleno século XXI, têm de se expor, têm de ter
mil e um cuidados no seu quotidiano, por uma questão de
liberdade de consciência, de expressão, de escolha da
sua espiritualidade, consignada na Constituição da
República Portuguesa?
Felizmente a situação é diferente de há 2 mil anos,
quando os cristãos eram atirados aos leões, nas arenas
dos circos romanos.
Se não faz sentido nenhum uma advogada (ou outro
profissional qualquer) pedir um parecer de
compatibilidade com a sua opção de ateu, católico,
budista, espírita, agnóstico etc., menos sentido faz uma
Ordem profissional dar um parecer positivo ou negativo,
pois que o único parecer deveria ter sido “Não temos
o poder de dar um parecer sobre questões de consciência
individual”.
Já agora, se alguém souber onde se vende “bom senso”,
seja em pó ou noutro estado qualquer, diga-me por favor,
para enviar à Ordem dos Advogados, em Portugal…
Por falar em incompatibilidades, cada vez penso mais que
as alterações climáticas no planeta Terra estão a dar
cabo da nossa moleirinha e são incompatíveis com a
normalidade!!!
Valha-nos Deus…
P.S. – No artigo diz-se
que “o culto desses conhecimentos configura uma
religião - o Espiritismo".
Aqui fica uma correção:
O Espiritismo não é mais uma religião, mais uma seita,
mas uma doutrina filosófica de consequências morais (in
“O que é o Espiritismo”, Allan Kardec).