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por Marcelo Henrique Pereira e Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

Lembrai-vos do “Tio Pedro”


A escolinha do Professor Raimundo é um programa televisivo que atravessa gerações. Estreou em 1957 na televisão, somando mais de 60 anos, entre interrupções, na batuta do saudoso Chico Anysio, e mais recentemente sendo conduzido por seu filho.

Dos emblemáticos personagens, destaca-se o engravatado Pedro Pedreira, vivido por Francisco Milani anteriormente, e agora pelo ator Marcos Ricca, ambos em notáveis interpretações. Trata-se, Pedro Pedreira, de um chato de galocha, que pergunta sobre tudo, duvida, pede evidências. Sempre levanta as controvérsias, lembrando aquelas pessoas de nossa convivência que terminam por não serem queridas no meio social.

Pedra noventa, só enfrenta quem aguenta”; “Não me venha com chorumelas”; “Me convença”; “Há controvérsias!”; “Quero provas!”, “A informação está incorreta, imprecisa e improvável, vamos simplificar, pois não quero que digam que sou intransigente. Sempre há uma possibilidade de diálogo. Tênue, mas há!”. Conhecidos bordões desse cético personagem, que tinha o questionamento como sua marca, em relação a afirmativas da história consideradas de conhecimento e aceitação geral.  Um crítico mordaz do senso comum!

Ressalvados os extremos, em tempos de profusão de informações desenfreada pelo fenômeno da internet, cá entre nós, precisamos ter um pouco do "Tio Pedro" em nós, em especial diante de tudo o que ouvimos e lemos por aí no que se refere ao assunto “Espiritismo”. Vemo-nos, comumente, em circunstâncias nas quais ficamos envergonhados de perguntar, de questionar, de sermos tachados de chatos e acabamos aceitando tudo, sem cerimônia ou chorumelas.

Será que devemos ser mesmo assim? Será que esse é o “comportamento” que o Espiritismo, herdado do “Tio Rivail”, enquanto doutrina racional e livre, nos provoca? A famosa fé raciocinada tem sido vivenciada, ou virou mais um bordão vazio e que não reflete as nossas práticas? Estamos sendo coniventes com uma visão que criminaliza a opinião e o debate em função de verdades postas? Perguntas relevantes... O fato é que quando agimos alimentando a fé cega, na verdade só não deixamos os questionamentos aflorarem, mas eles estão lá, em nossas operosas mentes de Espíritos imortais.

Isso mesmo, no silêncio de nossas mentes ou na quietude – nem sempre silenciosa, face a murmúrios ou resmungos, ou expressões pálidas de descontentamento, quase faciais, exclusivamente – continuamos a fazer as nossas perquirições, questionamentos e, até, contestações em relação ao que ouvimos (ou vemos), não é mesmo?

Sim, porque a nossa mente “borbulha” e não para de “funcionar”. Estamos sempre, como diz um velho amigo, “matutando as ideias”. E nestas ruminações mentais, vamos construindo a fundamentação de nossas ideologias e filosofias – as quais, nem sempre ou em todas as situações, talvez, até, nunca, ficam “transparentes” aos transeuntes de nossas estradas, quando preferimos o silêncio de não questionar.

Nesse sentido, uma crença arraigada no argumento de autoridade, no porta-voz como transmissor de credibilidade da mensagem, tratando os questionamentos como pecaminosos, às vezes por mera deferência ao emissor, encarnado ou desencarnado, é  uma postura que difere em muito da abordagem apontada por Allan Kardec, em especial em “O Livro dos Médiuns”, e que somente oculta e torna clandestinas as verdades, em um modelo que já conhecemos de outras religiões, de forma sobre essência, de medo e de dogmas, e que a história demonstrou que não teve êxito.

Voltando ao nosso Pedro Pedreira, deixando de lado o estereótipo que ele – provocativamente pelo enredo dos programas – assume, todos nós deveríamos, na ambiência espírita e fora dela, sermos um pouco “pedra no sapato” em relação ao que se nos é apresentado como “teoria”, “regra” ou “verdade”. Analisar argumentos e trazer para o debate salutar e respeitoso, como forma de aprendizado e crescimento, na herança da maiêutica socrática e falando de nossa seara, na raiz das conferências espíritas de Allan Kardec na obra “O que é o Espiritismo”.

Uma dose razoável de espírito contestador e criterioso no ambiente espírita, amparado na lógica e na fundamentação, não deve ser combatido e rechaçado. Pelo contrário! Essa postura de diálogo, participação e discussão é que nos dá força como movimento, diante das realidades que se apresentam, estimulando o surgimento de evidências que sejam consideradas as controvérsias e que a máxima kardequiana “É melhor rejeitar dez verdades do que aceitar uma mentira” seja aplicada efetivamente em nossa realidade.

Mas, para isso, é preciso dessacralizar médiuns, autores, livros.... Faz-se necessário não se ofender diante de ponderações e questionamentos. De Kardec não lembramos o nome de cabeça de algum dos medianeiros que colaborou com a obra da codificação. O “Tio Rivail” valorizava o conceito e o confrontava com a lógica, bem como com outros tempos e lugares. O modelo de fonte mediúnica confiável irrestritamente fere essa visão e pode nos conduzir a caminhos tortuosos.

De toda sorte, os Pedreiras estão por aí... Sempre estiveram. Alguns ainda em “gérmen”, outros um pouco acanhados e muitos, creia-me, começam a aparecer, a despontar. Um senso comum de que as “ambiências” espíritas estão ficando complicadas, pois o pessoal “anda” muito contestador, deve servir de alerta para nossa postura diante desse mundo do conhecimento, no qual existe uma geração que ascende e que não se contenta mais com as verdades pasteurizadas, o que não difere muito do tempo no qual surgiu o Espiritismo.

Ser Pedro Pedreira no ambiente espírita não pode também ser um valor absoluto, dado que, para estabelecer diálogos produtivos, de mútuo aprendizado e trabalho, devemos compactuar a desconfiança com o bom senso, para fugir de um “engessamento” desnecessário, castrador e minimizador dos potenciais humanos e espirituais, na visão da virtude no caminho do meio.

Lembrai-vos do “Tio Pedro” diante das coisas que surgem na tela do computador, ou na roda de conversas, na palestra ou nas páginas do livro. Mas, é importante mitigar o aspecto “chato”, intransigente desse personagem, buscando, na contrariedade verbal que se opõe a certas “verdades”, obrar a “desconstrução”, para, por fim, executar a “reconstrução”, chegando a sínteses razoáveis. A chamada dialética, que na sua raiz tem a ideia de diálogo, de respeito aos saberes e de crescimento mútuo.


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita