Observações sobre a eutanásia
A perspectiva de enfrentar uma morte dolorosa representa
algo extremamente assustador para a maior parte das
pessoas. Na verdade, simplesmente lidar com a ideia da
morte já constitui um desafio considerável para muitos,
o que dirá, então, sob tais circunstâncias? Todavia,
todos nós haveremos de passar por esse momento cedo ou
tarde. Faz parte da nossa condição evolutiva e não há
outro jeito a não ser nos prepararmos. Afinal, a máquina
orgânica tem os seus limites e, como tal, abrigará os
nossos Espíritos pelo tempo necessário à conclusão dos
nossos compromissos com a espiritualidade, desde que não
antecipemos o processo por meios ilegítimos.
Infelizmente, longe ainda estamos de tratar desse tema
no mundo com a devida clareza e seriedade. Padecemos da
falta de entendimento – não por falta de material a
respeito, cabe ressaltar - acerca da eternidade, do
imperativo da evolução espiritual, das leis universais,
enfim. Por isso, enfrentar a dor reparadora é algo
absolutamente inaceitável em certos contextos, assim
como para um número expressivo de pensadores da condição
humana. Mas precisamos refletir seriamente sobre as
implicações daí advindas, de modo a adquirir uma
compreensão precisa em relação ao assunto.
Na estreita lógica atual, na qual a eutanásia tem
tido papel preponderante, o que importa é simplesmente
“diminuir o sofrimento” e “abreviar a dor” por meio da
“morte com dignidade”, sem falar no “testamento vital”.
Como essa concepção simplesmente despreza a realidade do
Espírito, as soluções por ela preconizadas são
imediatistas e superficiais. Afinal de contas, os
propositores dessa corrente não conseguem divisar a
variável concernente à imortalidade da alma e, por isso,
a sua terapêutica é perniciosa para as reais
necessidades do Espírito encarnado.
Ao incentivar os desenganados pela medicina tradicional
para que optem por esse caminho tempestuoso, estão
desconsiderando potenciais avanços nessa área que podem
ocorrer a qualquer momento, a própria capacidade de
resistência (desconhecida) do corpo do paciente, os
recursos da fé, da misericórdia divina (quase sempre
esquecidos) e a necessidade espiritual do paciente. Em
outras palavras, a medicina tradicional “vende” tal
terapia como a alternativa menos dolorosa, quando
poderia alterar radicalmente o seu enfoque e esclarecer
o paciente que, ao aceitar a doença e os tratamentos
pertinentes, obterá uma grande conquista espiritual –
libertadora de males mais profundos que os que se
observam no seu fragilizado veículo físico.
Infelizmente, a medicina humana – por não ser holística,
e limitada em seu escopo – está muito longe de integrar
essa abrangente proposição. Por outro lado, cumpre
recordar que a espiritualidade maior tem sido altamente
generosa na elucidação do assunto. Mensagens pródigas em
conhecimento e esclarecimento têm sido dadas à
humanidade desde a fundação do Espiritismo – abençoado
recurso divino concedido à humanidade. Por exemplo, a
questão nº 106 da obra O Consolador, do Espírito
Emmanuel (psicografia de Francisco Cândido Xavier) é,
nesse particular, muito contundente:
“A eutanásia é um bem, nos casos de moléstia
incurável? O homem não tem o direito de praticar a
eutanásia, em caso algum, ainda que a mesma seja a
demonstração aparente de medida benfazeja.
A agonia prolongada pode ter finalidade preciosa para a
alma e a moléstia incurável pode ser um bem como a única
válvula de escoamento das imperfeições do Espírito da
vida imortal. Além do mais, os desígnios divinos são
insondáveis e a ciência precária dos homens não pode
decidir nos problemas transcendentes das necessidades do
Espírito”.
Reforçando esse entendimento, a questão nº 953 formulada
por Allan Kardec em O Livro dos Espíritos também
esclarece:
953.
Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e
horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes
os seus sofrimentos, apressando voluntariamente sua
morte? “É sempre culpado aquele que não aguarda o termo
que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá
estar certo de que, mau grado às aparências, esse termo
tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no
último momento?”
a) —
Concebe-se que, nas circunstâncias ordinárias, o
suicídio seja condenável; mas, estamos figurando o caso
em que a morte é inevitável e em que a vida só é
encurtada de alguns instantes.
“É
sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade
do Criador.” b) — Quais, nesse caso, as conseqüências de
tal ato? “Uma expiação proporcionada, como sempre, à
gravidade da falta, de acordo com as circunstâncias.”
Note que os maiorais da espiritualidade não deixam
qualquer réstia de dúvida a respeito de como devemos
proceder em tal situação. É evidente que para uma pessoa
desenganada a opção de abrir mão dos recursos menos
dolorosos e teoricamente convenientes pode sinalizar –
pelo menos para os que não enxergam as questões
transcendentais aí implícitas – um comportamento
tipicamente masoquista. Em contraste, Emmanuel pondera,
na obra Escrínio de Luz (psicografia de Francisco
Cândido Xavier), que “Dores, aflições, provas e
desencantos representam o material educativo do templo
em que nos asilamos, à procura de fortaleza moral e de
créditos imprescindíveis à continuidade de nossa viagem
para Deus”.
O prezado benfeitor espiritual recomenda ainda que
caminhemos adiante e regozijemo-nos com o sofrimento que
nos proporciona o ensejo para o devido ajustamento de
contas perante Deus. De nossa parte, se o companheiro(a)
que lê o modesto artigo enfrenta ou tem alguém do seu
círculo que esteja enfrentando tais agruras, bem como se
vê diante do dilema aqui discutido, receba a nossa
sincera solidariedade e vibração de força e esperança
para a hora que passa sob as bênçãos do Senhor.
Nesse sentido, recorro uma vez mais ao Espírito
Emmanuel, que observa com extrema acuidade, no livro
Religião dos Espíritos (psicografia de Francisco
Cândido Xavier), que “Ante o catre da enfermidade mais
insidiosa e mais dura, brilha o socorro da Infinita
Bondade facilitando, a quem deve, a conquista da
quitação. Por isso mesmo, nas próprias moléstias
reconhecidamente obscuras para a diagnose terrestre,
fulgem lições cujo termo é preciso esperar, a fim de que
o homem lhes não perca a essência divina”.
Capitular na hora do testemunho adiará o referido ajuste
que poderá, assim, acontecer no futuro sob condições
ainda mais penosas. Desse modo, a visão espírita, aqui
rapidamente comentada, demanda - reconheço cabalmente -
uma enorme coragem moral raramente observável nos dias
atuais. Em contrapartida, a recompensa também é
significativa.