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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Observações sobre a eutanásia


A perspectiva de enfrentar uma morte dolorosa representa algo extremamente assustador para a maior parte das pessoas. Na verdade, simplesmente lidar com a ideia da morte já constitui um desafio considerável para muitos, o que dirá, então, sob tais circunstâncias? Todavia, todos nós haveremos de passar por esse momento cedo ou tarde. Faz parte da nossa condição evolutiva e não há outro jeito a não ser nos prepararmos. Afinal, a máquina orgânica tem os seus limites e, como tal, abrigará os nossos Espíritos pelo tempo necessário à conclusão dos nossos compromissos com a espiritualidade, desde que não antecipemos o processo por meios ilegítimos.

Infelizmente, longe ainda estamos de tratar desse tema no mundo com a devida clareza e seriedade. Padecemos da falta de entendimento – não por falta de material a respeito, cabe ressaltar - acerca da eternidade, do imperativo da evolução espiritual, das leis universais, enfim. Por isso, enfrentar a dor reparadora é algo absolutamente inaceitável em certos contextos, assim como para um número expressivo de pensadores da condição humana. Mas precisamos refletir seriamente sobre as implicações daí advindas, de modo a adquirir uma compreensão precisa em relação ao assunto.

Na estreita lógica atual, na qual a eutanásia tem tido papel preponderante, o que importa é simplesmente “diminuir o sofrimento” e “abreviar a dor” por meio da “morte com dignidade”, sem falar no “testamento vital”. Como essa concepção simplesmente despreza a realidade do Espírito, as soluções por ela preconizadas são imediatistas e superficiais. Afinal de contas, os propositores dessa corrente não conseguem divisar a variável concernente à imortalidade da alma e, por isso, a sua terapêutica é perniciosa para as reais necessidades do Espírito encarnado.

Ao incentivar os desenganados pela medicina tradicional para que optem por esse caminho tempestuoso, estão desconsiderando potenciais avanços nessa área que podem ocorrer a qualquer momento, a própria capacidade de resistência (desconhecida) do corpo do paciente, os recursos da fé, da misericórdia divina (quase sempre esquecidos) e a necessidade espiritual do paciente. Em outras palavras, a medicina tradicional “vende” tal terapia como a alternativa menos dolorosa, quando poderia alterar radicalmente o seu enfoque e esclarecer o paciente que, ao aceitar a doença e os tratamentos pertinentes, obterá uma grande conquista espiritual – libertadora de males mais profundos que os que se observam no seu fragilizado veículo físico.

Infelizmente, a medicina humana – por não ser holística, e limitada em seu escopo – está muito longe de integrar essa abrangente proposição. Por outro lado, cumpre recordar que a espiritualidade maior tem sido altamente generosa na elucidação do assunto. Mensagens pródigas em conhecimento e esclarecimento têm sido dadas à humanidade desde a fundação do Espiritismo – abençoado recurso divino concedido à humanidade. Por exemplo, a questão nº 106 da obra O Consolador, do Espírito Emmanuel (psicografia de Francisco Cândido Xavier) é, nesse particular, muito contundente:

A eutanásia é um bem, nos casos de moléstia incurável? O homem não tem o direito de praticar a eutanásia, em caso algum, ainda que a mesma seja a demonstração aparente de medida benfazeja.

A agonia prolongada pode ter finalidade preciosa para a alma e a moléstia incurável pode ser um bem como a única válvula de escoamento das imperfeições do Espírito da vida imortal. Além do mais, os desígnios divinos são insondáveis e a ciência precária dos homens não pode decidir nos problemas transcendentes das necessidades do Espírito”.

Reforçando esse entendimento, a questão nº 953 formulada por Allan Kardec em O Livro dos Espíritos também esclarece:

953. Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando voluntariamente sua morte? “É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá estar certo de que, mau grado às aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?”

a) — Concebe-se que, nas circunstâncias ordinárias, o suicídio seja condenável; mas, estamos figurando o caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é encurtada de alguns instantes.

“É sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador.” b) — Quais, nesse caso, as conseqüências de tal ato? “Uma expiação proporcionada, como sempre, à gravidade da falta, de acordo com as circunstâncias.”

Note que os maiorais da espiritualidade não deixam qualquer réstia de dúvida a respeito de como devemos proceder em tal situação. É evidente que para uma pessoa desenganada a opção de abrir mão dos recursos menos dolorosos e teoricamente convenientes pode sinalizar – pelo menos para os que não enxergam as questões transcendentais aí implícitas – um comportamento tipicamente masoquista. Em contraste, Emmanuel pondera, na obra Escrínio de Luz (psicografia de Francisco Cândido Xavier), que “Dores, aflições, provas e desencantos representam o material educativo do templo em que nos asilamos, à procura de fortaleza moral e de créditos imprescindíveis à continuidade de nossa viagem para Deus”.

O prezado benfeitor espiritual recomenda ainda que caminhemos adiante e regozijemo-nos com o sofrimento que nos proporciona o ensejo para o devido ajustamento de contas perante Deus. De nossa parte, se o companheiro(a) que lê o modesto artigo enfrenta ou tem alguém do seu círculo que esteja enfrentando tais agruras, bem como se vê diante do dilema aqui discutido, receba a nossa sincera solidariedade e vibração de força e esperança para a hora que passa sob as bênçãos do Senhor.

Nesse sentido, recorro uma vez mais ao Espírito Emmanuel, que observa com extrema acuidade, no livro Religião dos Espíritos (psicografia de Francisco Cândido Xavier), que “Ante o catre da enfermidade mais insidiosa e mais dura, brilha o socorro da Infinita Bondade facilitando, a quem deve, a conquista da quitação. Por isso mesmo, nas próprias moléstias reconhecidamente obscuras para a diagnose terrestre, fulgem lições cujo termo é preciso esperar, a fim de que o homem lhes não perca a essência divina”.

Capitular na hora do testemunho adiará o referido ajuste que poderá, assim, acontecer no futuro sob condições ainda mais penosas. Desse modo, a visão espírita, aqui rapidamente comentada, demanda - reconheço cabalmente - uma enorme coragem moral raramente observável nos dias atuais. Em contrapartida, a recompensa também é significativa.

 



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita