Chico Xavier e crimes ocultos
Durante toda a década de 90, vivi experiência
gratificante em contato com detentos da Cadeia Pública
de Capivari. Ciente dos benefícios que a Lei concede ao
prisioneiro trabalhador — ganho por produção, desempenho
da função em ambiente fora do cárcere e redução da pena
de um dia para cada três trabalhados —, repassei aos
reeducandos o serviço de encadernação de dezenas de
livros editados pela EME.
Além da terceirização de parte da produção aos reclusos,
promovemos, dentro da cadeia pública, palestras com
alguns dos nossos autores, diálogos com os reclusos no
“galpão do sol” ou nas suas próprias celas. Muitos
deles, após cumprimento da pena, contaram com carta de
referência da Editora EME, que lhes garantiu retorno à
vida profissional e familiar, evitando assim que, ao
enfrentarem a sociedade, não caíssem outra vez nas
malhas do crime.
Ao vê-los hoje integrados à vida social no pleno
exercício da sua cidadania, sinto-me recompensado por
haver tomado aquela decisão. Como dizia o médium Chico
Xavier, a única diferença entre nós e os condenados é
que eles foram descobertos em seus crimes, e os nossos
ainda estão ocultos, porque ainda não foram desvendados.
Numa entrevista a um jornal, o médium contou que, antes
de ficar doente, estivera por duas vezes em visita à
Penitenciária de São Paulo, onde os livros espíritas
entravam em grande quantidade. “A Diretoria da Casa
pediu àqueles que quisessem ouvir a prece e a palestra
que se inscrevessem. Surpresa: 542 se inscreveram”,
contou o médium.
Um desses 542 detentos procurou o médium e lamentou que
na Cadeia todos fossem identificados por números. O
preso número 3, o preso 414 etc. “Isso dá muito
desgosto”, falou o preso. Ao que Chico respondeu:
— Meu filho, quem de nós hoje que não é tratado por
número? É número de RG, do CIC, do telefone, não sei de
mais o quê... Nós ainda estamos com mais números que
você. Só que agora estamos na cela ambulante, e vocês
estão na fixa. Os presos riram muito. E o velho mineiro,
com aquele coração amoroso, arrematou: “Há muita gente
boa presa. Nós temos de compreender a situação deles...”
Em tom bem-humorado, completou em seguida: “Foi um
encontro tão agradável que tive vontade de passar férias
na cadeia. Não para ficar descansando, mas para
conversar toda noite com os que pudessem conversar,
mesmo na cela, porque lá há Espíritos brilhantes,
maravilhosos”.
Um jornalista jovem que acompanhava o evento indagou do
médium:
- Você que tem sensibilidade de conversar e ver os
Espíritos, porventura, pode dizer se está vendo os
Espíritos obsessores ao lado deles?
Chico com o carinho de sempre respondeu:
– Não, meu amigo. Eles já conseguiram o que desejavam, o
encarceramento de suas vítimas. Entretanto, noto aqui,
ao lado dos reeducandos, pais amorosos e amigos
espirituais trazendo alento e luz confortadora,
estimulando-os à renovação e à liberação do mal em seus
corações.
E nestes tempos de informação rápida, notamos que grande
parcela da população tem sua mentalidade envenenada pelo
crime e outra parcela vivendo com medo. E, por isso, 46%
já pedem a pena de morte no Brasil, segundo pesquisas da
CNI/Ibope, publicada na revista IstoÉ, edição
2.503. Na internet, a campanha “Dez motivos para ser a
favor, ou dez para ser contra a pena de morte” vem
recebendo adesões dos dois lados. E você, de que lado
está?
Para mim, a condenação extrema não resolve e não é a
solução. Porque simplesmente transferimos, para o mundo
espiritual, alguém que já era doente ou revoltado com um
motivo a mais para se desequilibrar, o homicídio
legalizado pelo Estado. O problema é complexo, de
difícil solução. Mas um caminho sempre esteve aberto, o
da sabedoria e do amor. Escola, educação, distribuição
de renda e profissionalização dos reeducandos, esse deve
ser o futuro.
Como bem assinalou o médium Chico Xavier, nas prisões
estão os que foram descobertos em seus crimes. Do lado
de fora estão, “ainda libertos”, muitos indivíduos
(empresários, políticos, latifundiários e mesmo homens e
mulheres comuns) que abdicaram da prática do bem, da
honestidade, da ética e da fraternidade.
Arnaldo Divo Rodrigues de Camargo é editor da Editora
EME
|