Uma árvore chamada família
Já virou motivo de piada a pesquisa que muitos
psicólogos realizam sobre a história familiar do
analisando.
A famosa frase “fale-me mais sobre sua infância” está
presente até mesmo em programas de humor, porém, ela
encerra muito mais que uma simples curiosidade: trata-se
da certeza que o profissional tem de que a fase infantil
guarda os alicerces psíquicos de muitos dos sinais e
sintomas emocionais e comportamentais das fases
posteriores.
Compreender as bases psíquicas do paciente (nesta
encarnação), a forma como ele absorveu as heranças
emocionais dos antepassados, os movimentos existenciais
de seus familiares pode nos ajudar na escolha dos
caminhos terapêuticos.
Quando nos damos conta sobre os scripts que se repetem
na vida da pessoa, podemos ter uma ideia de seus pactos
na fase infantil, o lugar que precisou escolher na
configuração familiar e os papéis que “preferiu”
(inconscientemente) desempenhar ao longo dos anos.
Portanto, quando estudamos as relações familiares,
estamos buscando nos debruçar sobre questões
fundamentais do existir humano, já que é nela - na
família - que encontraremos muitas das ferramentas tanto
para uma vida pacificada e produtiva, como para um
existir cheio de angústias, sabotagens e fracassos.
Nesta trilha de raciocínio, chamaremos de “pais
nutritivos” aqueles que conseguem grafar nos corações de
seus filhos lições e mensagens que os tornam fortes
quando diante dos revezes, mansos diante das ofensas,
corajosos diante dos desafios, sábios diante das
possibilidades, previdentes diante dos enganos, ativos
diante das injustiças e amorosos diante dos
sofrimentos.
São os que auxiliam os filhos a encontrarem dentro de
seus corações o que de mais sagrado carregam - o aspecto
divino que está em todas as almas -, seja ele nas
questões materiais (no reconhecimento de seus talentos,
que podem e devem ser usados pelo bem próprio e do
mundo); sociais (na compreensão das questões
interpessoais, sobre a maneira de se relacionarem com os
outros etc.); psíquicos (sobre a percepção do próprio
mundo emocional, a forma como enxergam a si e as
demandas da vida) e espirituais (ajudando-os a perceber
a existência de algo além do mundo material, para que
consigam uma conexão com o sagrado).
Um filho com pais nutritivos possui maiores chances de
se tornar uma pessoa inteira, empoderada, forte, com boa
autoestima e empatia nas diversas questões da vida e do
mundo.
Se adicionarmos, a este saber, o paradigma da
reencarnação, compreenderemos que, para alguns, a
presença destes pais nem sempre será o suficiente para o
seu desenvolvimento pleno, já que muitas travas podem
ter sido construídas em vidas anteriores, porém é fato
que as sementes de amor lançadas jamais serão
desperdiçadas, podendo e devendo eclodir,
posteriormente.
Nossa dificuldade maior tem sido encontrar famílias com
este perfil…
Muitos ainda mantêm a ideia de que a questão mais
importante para os filhos é de ordem material, deixando
outros aspectos para segundo, terceiro ou mesmo último
plano, quando não renegam totalmente algum aspecto da
existência, deixando de focar em qualquer questão
relacionada ao tema.
São os que dedicam quase que a totalidade do tempo para
os ganhos materiais, gastando boa parte do que recebem
com escolas, roupas de marca, babás, cursos etc.,
dividem o tempo dos filhos na agenda com foco na
aprendizagem dos conteúdos formais, com algumas brechas
para o brincar, mas sem se darem conta da importância
das questões de espiritualidade, dos diálogos
produtivos, da autopercepção emocional etc.
Pior, ainda, quando usam de agressividade e desleixo
durante o processo educacional dos filhos, privando-os
de afeto, acolhimento, amor…
Daí a pergunta que sempre
surge: Mas, o
que posso fazer com o que fizeram comigo?
Dizem que um filósofo francês (Sartre) teria dito que
isso não importa, mas sim o que nós faremos com o que
fizeram conosco.
Já eu digo que importa fazermos algo com o que nos foi
feito, mas sempre dentro do campo psíquico. Ou seja,
teremos de ressignificar aquilo que nos caiu mal, o que
nos deixou abalados, que nos fez perceber o mundo e a
nós mesmos de maneira distorcida.
Devemos fazer um escaneamento na alma, ir em busca das
feridas que ali existem e que nos engessam a evolução.
Você pode estar se
perguntando: “Como
saber quais são minhas feridas?”
É simples. Toda lembrança que te causa dor, que produz
algum sentimento difícil, como tristeza, raiva, mágoa
etc. é sintoma de ferida não curada. Sinal de que a alma
ainda não elaborou algumas experiências do passado.
Sempre que alguma memória evocar algum destes
sentimentos, merecerá uma atenção especial, portanto.
E o caminho de cura para tais feridas passa pela esquina
da compreensão, rumo ao perdão.
Precisamos compreender que nossos pais são culpados que
não têm culpa. Também eles herdaram conteúdos emocionais
que trazem referências transgeracionais… Nossos avós
herdaram de seus pais, nossos bisavós, e assim por
diante.
E o que temos visto com frequência é que os pais já são
modelos melhorados, quando comparados com as gerações
anteriores.
Para facilitar ainda mais este processo de autocura,
imagine-os ainda crianças, com seus medos, desamparos,
dores… e terá melhores condições para perdoá-los.
Outro ponto que não posso deixar de dizer é que, por
mais existam dificuldades nas pessoas que compõem uma
família, praticamente em 100% delas encontramos vários
pontos positivos, que devem ser acessados por nossas
mentes e corações. Nem só de problemas vive uma alma,
embora exista uma tendência real de ancoragem no
negativo da experiência.
Só o dom da vida já é uma enorme bênção, que deve ser
valorizada dentro de seu peso e medida reais. Se estamos
aqui neste planeta, logicamente é porque nossos
ancestrais conseguiram vencer inúmeros desafios.
Vários fatores me trouxeram até aqui, no dia de hoje,
para que eu conseguisse escrever este texto que você
está lendo. Um dos primeiros diz respeito à força dos
meus antepassados. Não deram cabo da própria vida - ao
menos os que possuem ligação direta com minha
existência, na árvore da família. Aliás, deram conta de
situações muito mais escabrosas que as que eu enfrento!
Minha mãe, que já tinha quatro outros filhos, não
desistiu de me receber, tampouco meu pai. Enfim, força
familiar não me falta.
Temos muito que reconhecer, já que andamos, comemos,
corremos, aprendemos, nos encantamos… tudo isso graças
ao empenho dos que vieram antes.
Usando de uma analogia que me parece bastante eficaz,
comparo a família com uma grande árvore. Ora estamos na
posição dos frutos (quando somos os filhos, ainda
dependentes dos pais), dos galhos (quando somos pais e
já montamos um lar), do tronco (quando nos tornamos
avós, mas nossos antepassados já partiram) ou das raízes
(quando já não estamos mais vivos, tampouco aqueles que
nos antecederam).
Por este motivo, não raro, peço aos que me procuram que
primeiramente investiguem em seus porões da alma se
ainda existem ali feridas não curadas com relação aos
familiares. Se algo for encontrado, deverá ser sanado.
Porque só quando encontramos um lugar bom para tudo o
que vivemos, para a grande árvore da nossa família,
dentro dos nossos corações, podemos seguir adiante, mais
fortes e confiantes. Se o fruto crê na força da árvore
de onde foi gerado, certamente carregará em si a certeza
de possuir forças diante da vida.
Dentro de cada revés, existe um bem. Dentro de cada
dificuldade, uma lição. Precisamos encontrá-los.
Precisamos reconhecer de onde vem a força que habita em
nossas almas, no que se refere à vida na Terra. Sim,
levo em conta uma força maior, espiritual, macro, que
nos abastece as almas, provinda das emanações do Criador
e de seus trabalhadores celestiais, porém me refiro aqui
a este grupo seleto de Espíritos que se reuniu na Terra,
formando aquilo a que chamamos família.
Quando na posição "frutos", compreendemos que muito da
seiva da vida física e emocional nos chega através dos
galhos, que se abastecem nos troncos, que sugam das
raízes suas forças. É ali, nas nossas raízes mais
profundas, que encontraremos histórias fantásticas de
superação.
Assim sendo, vale dizer que é verdade que uma árvore,
para cumprir com seu papel na vida, precisará produzir
bons frutos, mesmo que alguns não sejam os melhores
possíveis, porém ela não se abastecerá nos frutos, mas
em suas raízes.
O que isso quer dizer?
Pais que colocam no ombro dos filhos a responsabilidade
de fazê-los alegres, completos e pacificados cometem
erro. Aos pais cabe dar a vida, a manutenção dela,
orientações e amor. Filhos precisam fazer o melhor com o
que recebem, mas para a formação de suas próprias
árvores familiares, não para sustentar o campo emocional
dos pais.
Quando imputamos aos filhos o dever de nos completarem
as almas, de cumprirem com nossas expectativas, jogamos
neles um peso que dificilmente darão conta de carregar.
Frutos são produzidos para o mundo, não para fortalecer
a árvore.
Daí a importância de tomarmos o lugar que nos compete na
família.
Também filhos não são orientadores dos pais. Tampouco
podem definir regras da casa deles, ou de suas vidas.
Quando cada qual ocupa o lugar que lhe corresponde na
árvore da família, a vida flui, forte e bela.
Aos que vêm antes, respeitamos e amamos. Somos gratos.
Na força deles, nos abastecemos. Aos que nascem, depois,
damos a vida, cuidamos e orientamos.
Quando as árvores dos filhos se formam, celebramos.
E nenhum fruto, galho, tronco ou raiz deverá ser
retirado de seu lugar. Todos têm o direito de
pertencimento!
***
Da árvore onde nasci, trago força. Encontrei-me com o
fruto de outra árvore forte. Formamos uma nova, que já
frutificou.
De suas raízes, escutamos nossos antepassados, entoando
o sagrado canto da vida.
E Deus conosco está.