Artigos

por Claudia Gelernter

 

Uma árvore chamada família


Já virou motivo de piada a pesquisa que muitos psicólogos realizam sobre a história familiar do analisando. 

A famosa frase “fale-me mais sobre sua infância” está presente até mesmo em programas de humor, porém, ela encerra muito mais que uma simples curiosidade: trata-se da certeza que o profissional tem de que a fase infantil guarda os alicerces psíquicos de muitos dos sinais e sintomas emocionais e comportamentais das fases posteriores.

Compreender as bases psíquicas do paciente (nesta encarnação), a forma como ele absorveu as heranças emocionais dos antepassados, os movimentos existenciais de seus familiares pode nos ajudar na escolha dos caminhos terapêuticos. 

Quando nos damos conta sobre os scripts que se repetem na vida da pessoa, podemos ter uma ideia de seus pactos na fase infantil, o lugar que precisou escolher na configuração familiar e os papéis que “preferiu” (inconscientemente) desempenhar ao longo dos anos.

Portanto, quando estudamos as relações familiares, estamos buscando nos debruçar sobre questões fundamentais do existir humano, já que é nela - na família - que encontraremos muitas das ferramentas tanto para uma vida pacificada e produtiva, como para um existir cheio de angústias, sabotagens e fracassos.

Nesta trilha de raciocínio, chamaremos de “pais nutritivos” aqueles que conseguem grafar nos corações de seus filhos lições e mensagens que os tornam fortes quando diante dos revezes, mansos diante das ofensas, corajosos diante dos desafios, sábios diante das possibilidades, previdentes diante dos enganos, ativos diante das injustiças e amorosos diante dos sofrimentos. 

São os que auxiliam os filhos a encontrarem dentro de seus corações o que de mais sagrado carregam - o aspecto divino que está em todas as almas -,  seja ele nas questões materiais (no reconhecimento de seus talentos, que podem e devem ser usados pelo bem próprio e do mundo); sociais (na compreensão das questões interpessoais, sobre a maneira de se relacionarem com os outros etc.); psíquicos (sobre a percepção do próprio mundo emocional, a forma como enxergam a si e as demandas da vida) e espirituais (ajudando-os a perceber a existência de algo além do mundo material, para que consigam uma conexão com o sagrado). 

Um filho com pais nutritivos possui maiores chances de se tornar uma pessoa inteira, empoderada, forte, com boa autoestima e empatia nas diversas questões da vida e do mundo.

Se adicionarmos, a este saber, o paradigma da reencarnação, compreenderemos que, para alguns, a presença destes pais nem sempre será o suficiente para o seu desenvolvimento pleno, já que muitas travas podem ter sido construídas em vidas anteriores, porém é fato que as sementes de amor lançadas jamais serão desperdiçadas, podendo e devendo eclodir, posteriormente. 

Nossa dificuldade maior tem sido encontrar famílias com este perfil… 

Muitos ainda mantêm a ideia de que a questão mais importante para os filhos é de ordem material, deixando outros aspectos para segundo, terceiro ou mesmo último plano, quando não renegam totalmente algum aspecto da existência, deixando de focar em qualquer questão relacionada ao tema. 

São os que dedicam quase que a totalidade do tempo para os ganhos materiais, gastando boa parte do que recebem com escolas, roupas de marca, babás, cursos etc., dividem o tempo dos filhos na agenda com foco na aprendizagem dos conteúdos formais, com algumas brechas para o brincar, mas sem se darem conta da importância das questões de espiritualidade, dos diálogos produtivos, da autopercepção emocional etc. 

Pior, ainda, quando usam de agressividade e desleixo durante o processo educacional dos filhos, privando-os de afeto, acolhimento, amor…

Daí a pergunta que sempre surge: Mas, o que posso fazer com o que fizeram comigo?

Dizem que um filósofo francês (Sartre) teria dito que isso não importa, mas sim o que nós faremos com o que fizeram conosco. 

Já eu digo que importa fazermos algo com o que nos foi feito, mas sempre dentro do campo psíquico. Ou seja, teremos de ressignificar aquilo que nos caiu mal, o que nos deixou abalados, que nos fez perceber o mundo e a nós mesmos de maneira distorcida. 

Devemos fazer um escaneamento na alma, ir em busca das feridas que ali existem e que nos engessam a evolução. 

Você pode estar se perguntando: “Como saber quais são minhas feridas?” 

É simples. Toda lembrança que te causa dor, que produz algum sentimento difícil, como tristeza, raiva, mágoa etc. é sintoma de ferida não curada. Sinal de que a alma ainda não elaborou algumas experiências do passado.

Sempre que alguma memória evocar algum destes sentimentos, merecerá uma atenção especial, portanto. 

E o caminho de cura para tais feridas passa pela esquina da compreensão, rumo ao perdão

Precisamos compreender que nossos pais são culpados que não têm culpa. Também eles herdaram conteúdos emocionais que trazem referências transgeracionais… Nossos avós herdaram de seus pais, nossos bisavós, e assim por diante. 

E o que temos visto com frequência é que os pais já são modelos melhorados, quando comparados com as gerações anteriores.

Para facilitar ainda mais este processo de autocura, imagine-os ainda crianças, com seus medos, desamparos, dores… e terá melhores condições para perdoá-los. 

Outro ponto que não posso deixar de dizer é que, por mais existam dificuldades nas pessoas que compõem uma família, praticamente em 100% delas encontramos vários pontos positivos, que devem ser acessados por nossas mentes e corações. Nem só de problemas vive uma alma, embora exista uma tendência real de ancoragem no negativo da experiência.

Só o dom da vida já é uma enorme bênção, que deve ser valorizada dentro de seu peso e medida reais. Se estamos aqui neste planeta, logicamente é porque nossos ancestrais conseguiram vencer inúmeros desafios.

Vários fatores me trouxeram até aqui, no dia de hoje, para que eu conseguisse escrever este texto que você está lendo. Um dos primeiros diz respeito à força dos meus antepassados. Não deram cabo da própria vida - ao menos os que possuem ligação direta com minha existência, na árvore da família. Aliás, deram conta de situações muito mais escabrosas que as que eu enfrento! Minha mãe, que já tinha quatro outros filhos, não desistiu de me receber, tampouco meu pai. Enfim, força familiar não me falta.

Temos muito que reconhecer, já que andamos, comemos, corremos, aprendemos, nos encantamos… tudo isso graças ao empenho dos que vieram antes. 

Usando de uma analogia que me parece bastante eficaz, comparo a família com uma grande árvore. Ora estamos na posição dos frutos (quando somos os filhos, ainda dependentes dos pais), dos galhos (quando somos pais e já montamos um lar), do tronco (quando nos tornamos avós, mas nossos antepassados já partiram) ou das raízes (quando já não estamos mais vivos, tampouco aqueles que nos antecederam).

Por este motivo, não raro, peço aos que me procuram que primeiramente investiguem em seus porões da alma se ainda existem ali feridas não curadas com relação aos familiares. Se algo for encontrado, deverá ser sanado. Porque só quando encontramos um lugar bom para tudo o que vivemos, para a grande árvore da nossa família, dentro dos nossos corações, podemos seguir adiante, mais fortes e confiantes. Se o fruto crê na força da árvore de onde foi gerado, certamente carregará em si a certeza de possuir forças diante da vida.

Dentro de cada revés, existe um bem. Dentro de cada dificuldade, uma lição. Precisamos encontrá-los. 

Precisamos reconhecer de onde vem a força que habita em nossas almas, no que se refere à vida na Terra. Sim, levo em conta uma força maior, espiritual, macro, que nos abastece as almas, provinda das emanações do Criador e de seus trabalhadores celestiais, porém me refiro aqui a este grupo seleto de Espíritos que se reuniu na Terra, formando aquilo a que chamamos família.

Quando na posição "frutos", compreendemos que muito da seiva da vida física e emocional nos chega através dos galhos, que se abastecem nos troncos, que sugam das raízes suas forças. É ali, nas nossas raízes mais profundas, que encontraremos histórias fantásticas de superação.

Assim sendo, vale dizer que é verdade que uma árvore, para cumprir com seu papel na vida, precisará produzir bons frutos, mesmo que alguns não sejam os melhores possíveis, porém ela não se abastecerá nos frutos, mas em suas raízes. 

O que isso quer dizer? 

Pais que colocam no ombro dos filhos a responsabilidade de fazê-los alegres, completos e pacificados cometem erro. Aos pais cabe dar a vida, a manutenção dela, orientações e amor. Filhos precisam fazer o melhor com o que recebem, mas para a formação de suas próprias árvores familiares, não para sustentar o campo emocional dos pais. 

Quando imputamos aos filhos o dever de nos completarem as almas, de cumprirem com nossas expectativas, jogamos neles um peso que dificilmente darão conta de carregar. Frutos são produzidos para o mundo, não para fortalecer a árvore.

Daí a importância de tomarmos o lugar que nos compete na família. 

Também filhos não são orientadores dos pais. Tampouco podem definir regras da casa deles, ou de suas vidas.

Quando cada qual ocupa o lugar que lhe corresponde na árvore da família, a vida flui, forte e bela.

Aos que vêm antes, respeitamos e amamos. Somos gratos. Na força deles, nos abastecemos. Aos que nascem, depois, damos a vida, cuidamos e orientamos. 

Quando as árvores dos filhos se formam, celebramos. 

E nenhum fruto, galho, tronco ou raiz deverá ser retirado de seu lugar. Todos têm o direito de pertencimento!

***

Da árvore onde nasci, trago força. Encontrei-me com o fruto de outra árvore forte. Formamos uma nova, que já frutificou. 

De suas raízes, escutamos nossos antepassados, entoando o sagrado canto da vida.

E Deus conosco está.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita