O bem que falta e o mal que sobra
É no estado espiritual que o Espírito colhe os frutos do
progresso realizado pelo trabalho na reencarnação
"Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não
quero, esse faço." - Paulo. (Ro., 7:19)
Quando o "homem-velho" começa a vislumbrar o
horizonte espiritual que lhe cumpre palmilhar, e,
olhando para dentro de si mesmo verifica quão vazios
estão os alforjes para a viagem, queda-se em mil
perplexidades embrenhando-se nas intricadas e
traiçoeiras regiões do desânimo...
A Doutrina Espírita, revelando a reencarnação de forma
cristalina e insofismável, vem em socorro dessas
limitações, explicando, consoante ensino do Mestre
Lionês:
"(...) uma só
existência corporal é manifestamente insuficiente para o
Espírito adquirir todo o bem que lhe falta e eliminar o
mal que lhe sobra.
Como poderia o selvagem, por exemplo, em uma só
encarnação, nivelar-se moral e intelectualmente ao mais
adiantado europeu? É humana e materialmente impossível
possibilidade! Deve ele, pois, ficar eternamente na
ignorância e barbárie, privado dos gozos suavíssimos da
Alma que só o desenvolvimento das faculdades pode
proporcionar-lhe? O simples bom senso repele tal
suposição, que seria não somente a negação da Justiça e
Bondade Divinas, mas das próprias Leis evolutivas e
progressivas da Natureza. Mas Deus, que é soberanamente
justo e bom, concede ao Espírito tantas encarnações
quantas forem as necessárias para atingir o seu
objetivo: a perfeição relativa.
Para cada nova existência de permeio à matéria, entra o
Espírito com o cabedal adquirido nas anteriores, em
aptidões, conhecimentos intuitivos, inteligência e
moralidade. Cada existência é assim um passo avante no
caminho do progresso.
A encarnação é inerente à inferioridade dos Espíritos,
deixando de ser necessária desde que estes,
transpondo-lhe os limites, ficam aptos a progredir no
estado espiritual, ou nas existências corporais de
Mundos Superiores, que nada têm da materialidade
terrestre. Da parte desses, a encarnação é voluntária,
tendo por fim exercer sobre os encarnados uma ação mais
direta e tendente ao cumprimento da missão que lhes
compete junto aos mesmos. Desse modo aceitam
abnegadamente as vicissitudes e sofrimentos da
encarnação.
No intervalo das existências corporais o Espírito torna
a entrar no Mundo Espiritual, onde é feliz ou desgraçado
segundo o bem ou o mal que fez.
Uma vez que o estado espiritual é o estado definitivo do
Espírito e o corpo espiritual não morre, deve ser esse
também o seu estado normal. O estado corporal é
transitório e passageiro. É no estado espiritual,
sobretudo, que o Espírito colhe os frutos do progresso
realizado pelo trabalho na reencarnação; é também nesse
estado que se prepara para novas lutas e toma as
resoluções que há de pôr em prática no seu retorno à
humanidade.
O Espírito progride igualmente na Erraticidade,
adquirindo conhecimentos especiais que não poderia obter
na Terra, e modificando as suas ideias. O estado
corporal e o espiritual constituem a fonte de dois
gêneros de progresso, pelos quais o Espírito tem de
passar alternadamente, nas existências peculiares a cada
um dos dois mundos”.
Concluímos assim, com Kardec, que continuaremos
submetidos aos dolorosos processos palingenésicos em
consonância com o acervo de mal não erradicado que onera
nossa economia espiritual; emancipando-nos, porém, dessa
situação, tão logo o Bem e o ajuste às Leis de Deus
consigam instalar-se no terreno ainda sáfaro de nossa
alma.
Desde já podemos aferir nossa posição evolutiva,
auscultando com isenção e humildade os mais esconsos
refolhos do coração, procedendo ao levantamento do bem e
do mal que existe em nós. Se já conseguimos fazer o bem
que queremos e evitar o mal que não queremos, podemos
nos considerar no limiar da tão almejada fronteira da
promoção espiritual que nos fará gravitar para os Mundos
de Regeneração.
Se, pelo contrário, ainda não fazemos o bem que queremos
e só logramos realizar o mal que desejamos evitar, muito
ainda teremos que nos ver com as acerbas dores e
causticantes pesares em dolorosos processos de
reajustamento.
A escolha é individual: somos livres para escolher; só
não temos essa liberdade com relação à colheita, que é
compulsória, e dentro da recíproca revelada pelo Cristo,
conforme registro de Mateus em seu Evangelho, no
capítulo dezesseis, versículo vinte e sete: "a cada
um será dado de acordo com as suas obras".
- KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 51.
ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, 1ª parte, cap.
III, itens 9 e 10.