Idolatrias e quejandos
Com o alento de agrado deslumbrado que espontaneamente
exalamos a algum médium ou palestrante espírita, não
evitamos empreender amplo engano de sentimentalismo. Mas
urge que “fujamos ao condenável sistema de adoração
recíproca, em que a falsa ternura opera a cegueira do
sentimento”. (1) No atual movimento espírita vem
surgindo, em vários lugares, confissões de afago
exagerado, endeusamento, indigesta adulação, “confetes”
intermináveis, recorrentes e baldios, disputas por
fotografias (selfies) ao lado de palestrantes ilustres
etc.
Adota-se o hábito dos dirigentes incautos de elogiar e
exaltar palestrantes ilustres em público. Essas pompas e
grandiloquências, observadas à volta de alguns espíritas
ilustres, é bem a repetição dos faustos do Cristianismo
sem o Cristo. Ressalta-se a devassidão emocional de
decompor oradores do arraial espírita, em pessoa notável
de semideus.
Conheço confrades que habituam alardear que são amigos
“íntimos” desses espíritas semideuses, como se esse fato
abonasse credencial especial para eles. Será que ser
“amigo” de médium divinizado os tornam superiores? A
rigor, “criar ídolos humanos é pior que levantar
estátuas destinadas à adoração”. (2) Quem se encontra
nesse abarcamento afetuoso passa a se esquecer das
adequadas obrigações básicas de crescimento para o
Criador e para o Mestre Jesus.
Percebemos o fanatismo, o fascínio, a pieguice, a
exaltação, o arrebatamento exagerado, a sujeição
ideológica maníaca, mormente na área da psicologia. Os
anseios embaraçados suscitados na fantasia delirante
tonificam, fortalecem e levedam o culto crônico do
“EGO”. Com suas mentes frenéticas, entronam tais médiuns
imprevidentes, deificam alguns oradores e forjam
pedestais aos dirigentes personalistas.
É imprescindível não elogiar (adular) dirigentes,
médiuns e oradores que estejam agindo de conformidade
com as nossas conveniências, para não lhes criar
empecilhos à caminhada enobrecedora, embora nos
constitua dever prestar-lhes assistência e carinho para
que mais se agigantem nas boas obras. Até porque a
adulação é tóxico em formato verbal. Por essa razão, não
esqueçamos “ainda quando provenha de círculos
bem-intencionados, urge recusar o tóxico da lisonja,
pois no rastro do orgulho, segue a ruína”. (3)
Kardec advertia: “As faculdades de que gozam os médiuns
lhes atraem os elogios dos homens, os cumprimentos e as
adulações: eis o seu tropeço”. (4) É inquietante a
lisonja de médiuns nas hostes espíritas. “Combatamos os
ídolos falsos que ameaçam o Espiritismo cristão.” (5)
A Bíblia, a Torah e o Alcorão são particularmente
taxativos quanto à idolatria, comparando-a com alguns
dos piores crimes e iniquidades concebíveis. Destarte,
“é indispensável evitar a idolatria em todas as
circunstâncias. Suas manifestações sempre representaram
sérios perigos para a vida espiritual”. (6)
Desde que adentramos nos portais dos ensinos
kardecianos, aprendemos que o elogio (ainda que
bem-intencionado) nos enternece e ilude. “As crenças
antigas permanecem repletas de cultos exteriores e de
ídolos mortos. O Consolador, enviado ao mundo na
venerável missão espiritista, vigiará contra esse
venenoso processo de paralisia da alma.” (7) Escorregar
para o despenhadeiro ameaçador da prática obsessiva do
endeusamento a médiuns e oradores espíritas é prática
inteiramente avessa aos princípios libertadores do
Espiritismo.
“Aqui e acolá, surgem pruridos de adoração que se faz
imprescindível combater. Não mais imagens dos círculos
humanos, nem instrumentos físicos supostamente
santificados para cerimônias convencionais, mas
entidades amigas e médiuns terrenos que a inconsciência
alheia vai entronizando, inadvertidamente, no altar
frágil de honrarias fantasiosas. É necessário reconhecer
que aí temos um perigo sutil, através do qual, inúmeros
trabalhadores têm resvalado para o despenhadeiro da
inutilidade.” (8)
Sussurra a prudência cristã que nunca cederíamos campo à
vaidade se não vivêssemos reclamando o deletério
coquetel da adulação ao nosso egocentrismo doentio.
Invariavelmente ficamos submissos às injunções sociais
quando buscamos aprovação (bajulação) dos outros,
“quando permanecemos na posição de permanentes escravos
e pedintes do aplauso hipócrita e do verniz da lisonja,
condicionando-nos a viver sem usufruir de liberdade de
consciência, submetendo-nos a ser manipulados pelos
juízos e opiniões alheias”. (9)
O espírita que esquadrinhe provar a humildade é alguém
transparente que modera em ser continuamente autêntico.
Não vive atrás de “confetes” e “purpurinas”, não
perturba e nem é difícil no relacionamento com o
próximo. Não cultiva em seu coração qualquer empenho
infeliz de superioridade e cobrança, embuste e
concorrência, prevenção e arrogância.
O espírita leal com o Cristo percebe-se pessoa comum
como qualquer outra. Exibe suas emoções e conceitos com
sensatez e prudência, e a sua fidelidade de sentimento é
imagem fulgente da boa-fé, que reproduz seu caráter
incorruptível.
Referências bibliográficas:
(1) XAVIER, Francisco Cândido. Missionário da Luz,
ditado pelo Espírito André Luiz, capítulo 20, “Adeus”,
Rio de Janeiro: Editora FEB, 2000.
(2) XAVIER, Francisco Cândido. Pão Nosso, ditado pelo
Espírito Emmanuel, capítulo 150, “É o mesmo”, Rio de
Janeiro: Editora FEB.
(3) XAVIER, Francisco Cândido. Missionário da Luz,
ditado pelo Espírito André Luiz, capítulo 20, “Adeus”,
Rio de Janeiro: Editora FEB, 2000.
(4) KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, cap. XXXI, item
XII, “Sobre os Médiuns”, pág. 410, São Paulo: Editora
LAKE, 1997.
(5) XAVIER, Francisco Cândido. Pão Nosso, ditado pelo
Espírito Emmanuel, capítulo 52, “Perigos sutis”, Rio de
Janeiro: Editora FEB, 1997.
(6) Idem
(7) Idem
(8) Idem
(9) XAVIER, Francisco Cândido. Saudação do Natal –
Mensagem “Trilogia da vida”, ditado pelo Espírito
Cornélio Pires, SP. Editora CEU, 1996.
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