Tranquilidade ou intranquilidade?
No tempo em que vivemos, a velocidade a que se dá o
nosso movimento é estonteante. Levantamo-nos de manhã a
correr para poder arranjar-nos, e quem tem filhos fica
com as tarefas redobradas para que possam orientar estes
pequenos para a sua labuta diária. Nossa vida é feita a
correr atrás dos ponteiros do relógio de tal forma que
apelidamos de qualidade de vida o termos um pouco mais
deste precioso bem.
Mal temos tempo seja para o que for, e com a
interiorização deste movimento, que faz a nossa cabeça
andar a 150 por cento, tentamos organizar o dia que
teremos e perturbamo-nos com os problemas de ontem, sem
conseguirmos nos preocupar uns com os outros.
Tranquilidade é um estado de espírito que por vezes
alcançamos, na nossa maioria, muito poucas vezes. O
correto seria o contrário, já que deveríamos mantê-la
constante e, de vez em quando, perdê-la.
Será possível viver tranquilamente da forma que vivemos
hoje em dia?
Jesus Cristo desencarnou de forma tranquila no meio de
um “inferno” causado pelo povo. Estêvão impressionou
Paulo ao se manter tão sereno e tranquilo na hora de seu
violento desencarne. Mandela geriu o problema do
apartheid de forma tranquila após um encarceramento
violento de 28 anos em meio de uma guerra.
Estes irmãos de sabedoria impressionante conseguiram
conviver de forma tranquila em situações extremamente
adversas. Claro que não nos podemos comparar a eles,
somos seus irmãos mais novos a aprender a viver de forma
serena, mas podemos tentar perceber como é possível algo
que nos parece impossível, e se conseguiram viver
tranquilos em um mar tão revoltoso, por que não
conseguimos nós alguma tranquilidade em uma vida
acelerada?
A tranquilidade é um estado de espírito natural quando
não se dão alterações emocionais em nós. O que é que
isto nos quer dizer?
Quando me deparo com um problema que me deixa
preocupado, minha tranquilidade vai embora. Na verdade
ela não foi embora, o problema é que a fez desaparecer
como as nuvens escondem o sol quando tapam completamente
o céu.
Outro exemplo, vou no trânsito e alguém, para entrar à
frente de mim, quase que bate no meu carro... Fico
enervado com aquela situação e a minha tranquilidade vai
embora.
Parece-nos que foram as situações externas que nos
tiraram a tranquilidade, eu digo para comigo: aquele
condutor roubou a minha tranquilidade com o seu ato, mas
não foi ele que me roubou a tranquilidade; eu que a
joguei fora com a permissão dada ao crescimento das
emoções negativas e alimentação destas dentro de mim.
Nossos irmãos acima citados mostraram-nos na prática que
a tranquilidade pode ser mantida em situações de muita
adversidade.
Então, devemos buscar a tranquilidade ou lidar com a
intranquilidade?
O que nos é possível é lidar com a intranquilidade,
porque esta é que é latente e existente em nós. A
tranquilidade é um estado de espírito natural, emergente
da ausência da intranquilidade. Quando esta última
aparece, a serenidade desaparece.
Posto desta forma e pensando que as pessoas buscam a
tranquilidade, mostra-se que lidamos com uma pescada de
rabo na boca.
A busca pela tranquilidade é a intranquilidade em si, ou
seja, ninguém busca aquilo que já tem, mas, quando
buscamos a tranquilidade, esse desejo deixa-nos
extremamente intranquilos, dizemos para nós próprios:
“gostaria tanto de ter alguma tranquilidade” e causamos
a ansiedade em nós.
Então qual será a solução?
Como o Mestre nos indicou: Vigiai e Orai. O vigiai
ultrapassa o estado de alerta quando vamos cometer um
erro, mas este próprio ato nos ajuda a nos conhecermos e
compreendermos o que se passa conosco.
Ao estarmos atentos ao que nos tira a paz, nós vamos
conhecer estes mecanismos mentais de reação negativa que
nos encaminham a uma vida intranquila. Quando mais
atenção e dedicação tivermos com estas más emoções, em
vez de fugirmos delas, melhor é irmos penetrar e
conhecê-las intimamente, que é o mesmo que dizer:
conhecer nossa parte obscura de forma profunda.
Este conhecimento só por si fará estas emoções se
tornarem mais fracas ao percebermos o mal que nos fazem,
chegando ao ponto de um dia não nos incomodarem,
ajudando-nos a manter nosso estado natural ou a nossa
pureza de coração.
Chegará o dia em que verei nascer em mim a irritação
pelo outro condutor fazer tal asneira ou meu filho ter
um problema, dizendo para comigo próprio “conheço
profundamente este caminho, e não o quero tomar” e a
irritação não terá abrigo em meu ser e minha
intranquilidade não irá florescer, mantendo assim meu
estado natural de serenidade e paz.
Muita tranquilidade para vocês.