Aos dirigentes de Doutrina
Organizar um departamento ou diretoria, para bem
delinear as orientações espíritas que devem reger todo o
conjunto de atividades de uma Casa espírita é costume
disseminado em muitas agremiações sérias. Uma prática
muitíssimo recomendada e salutar.
Esta seria uma tarefa de fácil condução, não fosse a
diversidade de entendimento e maturidade espiritual a
nos caracterizar. Somos distintos, com experiências
milenares construídas em inúmeras vidas anteriores, e
também com uma bagagem particular de conhecimentos
hauridos nesta própria encarnação. Muitos não foram
“formados” na própria Casa onde militam. Além do mais,
nem sempre aqueles frequentando e trabalhando na Casa,
desde o início de suas jornadas dentro do movimento
espírita, têm bem consolidados os princípios
doutrinários, afinal, estamos todos em aprendizado.
Talvez seja o setor mais espinhoso em um Centro, onde
frequentemente ocorrem debates e discussões acaloradas
sobre: como fazer, por qual razão, quando fazer, quem
faz, qual literatura seguir como norte doutrinário?
Parece bastante óbvio ser Allan Kardec o Norte,
porquanto não existe outro, inexiste outra bússola,
entretanto, nota-se uma resistência acentuada em alguns,
quando se procura uniformizar o conhecimento e a prática
no dia a dia, baseados apenas nas obras básicas e
subsidiárias.
É comum, de imediato, levantar-se a possibilidade de
“engessar” a Casa, afinal, a Doutrina é de absoluta
liberdade, portanto, não pode haver regras e padrões,
regimentos e estatutos, sob pena de se criar um ambiente
sem espontaneidade, esta última um dos requisitos
fundamentais para reger a prática espírita.
Louco seria aquele duvidando ser o Espiritismo uma
proposta libertadora das almas, todavia, daí a se
admitir cada qual agindo e pensando do seu jeito,
demonstra um profundo e acentuado desconhecimento
doutrinário, possivelmente, com nuances de influenciação
obsessiva.
As reações são as mais diversas possíveis, pois,
sabemos, mudar normalmente é um processo de relativa dor
interna, pessoal, naqueles cristalizados em fazer e
pensar por si mesmos, atitudes estas muitas vezes
inadequadas à boa prática espírita.
Nesta hora, os dirigentes de doutrina são questionados,
nem sempre com a fraternidade tão característica
recomendada pela Doutrina. Alguns, mais afoitos, e pouco
acostumados ao diálogo, logo se arvoram em classificar
os dirigentes doutrinários de: Doutores, Sabichões,
Autoritários, Inquisidores, Prepotentes, Sistemáticos...
E a luta é intensa, exigindo muita paciência e
prudência. Cursos, aulas, artigos, livros, tudo deve ser
lembrado e divulgado, material voltado a orientar e
conscientizar àqueles desejosos em seguir rumos não se
coadunando com a Doutrina, porquanto, estavam
acostumados a caminhar em vias tortuosas, vindo daí a
reação esperada.
Estes modernos defensores dos princípios doutrinários
precisam de muita força de vontade, muita oração,
sintonia com seus protetores, para não sucumbir diante
daqueles trazendo tantas propostas inadequadas e ideias
dissociadas da Doutrina, buscando se infiltrar muitas
vezes nas bases do trabalho, tentando minar as
atividades para adequá-las aos seus próprios padrões,
resultando em distorções no movimento e desvios de toda
ordem em seu rumo.
Deixar a Casa “andar” ao sabor das preferências seria
temerário, pois as influenciações são sutis,
imperceptíveis, se apresentando por mil faces, ora
sugerindo não haver nada de mal em mudar esta ou aquela
orientação de Allan Kardec, ora defendendo a chegada de
novos tempos, onde seria imperiosa a mudança do
pensamento e conduta dentro das lides espíritas. Afinal,
cogitam, Allan Kardec escreveu seus livros há bem mais
de um século, quanto mudou a humanidade, como a ciência
se desenvolveu, argumentam todos os desejosos em manter
o “aqui quem manda sou eu e faço como eu quero”.
Alguns chegam a afirmar, e por incrível, “ensinar”
quando estão à frente de cursos preparatórios de
Doutrina: Espiritismo e Umbanda são a mesma coisa, não
muda nada, afinal, tudo se resume ao fenômeno, não é
mesmo!?
A conduta dos dirigentes deve ser: ponderada, mas firme;
gentil, mas segura; fraterna, mas decidida, contudo, em
se notando a resistência do neófito, ou daqueles
contando com os seus muitos anos de experiência,
orgulhosamente alegando tudo saber, deve-se então, após
as tentativas fraternas, porém, infrutíferas, de
reconduzir a Casa ao bom norte doutrinário, agir com
convicção, determinação, pois há muitos nem dispostos,
tampouco preparados para seguir a simplicidade e a
transparência da Doutrina como ela se apresenta.
Isto sem falar naqueles já dominados pela fascinação,
característica situação em todos aqueles afirmando
categoricamente já conhecerem Kardec através de alguns
poucos anos de estudos e cursos realizados, portanto,
nada mais havendo a se estudar e aprender com a
Doutrina, agora seria apenas fazer e nada mais.
A literatura espírita é rica de exemplos neste tipo de
situação. Quem não se lembra do episódio contado por
André Luiz sobre as dificuldades do Governador de Nosso
Lar em controlar a alimentação de alguns Espíritos
rebeldes quando por lá estagiaram?1
Relatou-se sobre a existência de muitos Espíritos
recém-chegados na Colônia, ainda desejosos em manter
velhos vícios trazidos da Terra, tais como, os da
glutonaria e da dependência aos alcoólicos. O Governador
agiu basicamente como se delineou acima. Primeiro
convocou instrutores para conscientizar os mais
rebeldes, realizou assembleias e reuniões, por mais de
trinta anos consecutivos. Os opositores fizeram toda
sorte de manifestações, criaram empecilhos de toda
ordem, inventaram problemas devido à possível
alimentação deficiente, acusavam, reclamavam,
blasfemavam.... Em função daquele ambiente conturbado, a
própria Colônia quase foi invadida pelos Espíritos do
Umbral, pois estes mantinham vínculos com alguns
moradores da Colônia. Após ouvir o mais alto Conselho de
Nosso Lar, deliberou então o Governador a tomada de uma
medida firme com nova conduta de alimentação, impedindo
definitivamente os revoltosos e insatisfeitos a
continuarem se portando de modo impróprio em Nosso Lar.
Desnecessário dizer ser Nosso Lar a representação de uma
Casa espírita em nossa análise.
Este é o caminho a seguir por qualquer setor sério de
orientação doutrinária. Não há nada a temer, não é
faltar com a caridade, como alegam alguns, tampouco é
ato autoritário, como asseveram outros, estes, falsos
argumentos, procurando deixar em dúvida e em situação
melindrosa os responsáveis pela manutenção da Casa
dentro da normalidade doutrinária.
Há que se acompanhar o dia a dia da instituição, com
zelo, cuidado e dedicação, em uma palavra: compromisso,
pois as intromissões, seja na prática, seja na teoria,
são muitas, algumas oriundas de Espíritos pseudossábios,
às vezes mesmo maldosos, tentando de todo modo convencer
os neófitos ou os orgulhosos, ou ambos, de que podem
fazer melhor afastando-se de Kardec.
Não se deve esmorecer, tampouco contemporizar com os que
deliberadamente desejam se eximir de suas
responsabilidades e fidelidade ao Codificador. Permitir
a continuação deste modo de atuação contrário aos
fundamentos da Doutrina, por conta do aplauso de alguns,
seria equivalente à aceitação de um suborno, ou o
recebimento de uma recompensa material, conduta
indecorosa e repudiada, tão em voga na atualidade.
Lembremo-nos da advertência de Jesus: aqueles se
satisfazendo com os aplausos dos homens, ao chegar ao
plano espiritual já receberam a sua recompensa.
Modernos “Quixotes do Espiritismo”, não se deixem cansar,
e não se deixem enganar por todos aqueles desejosos em
conspurcar a Doutrina, tentando, por conta de
argumentação falaciosa, incorporar ao movimento suas
teorias e práticas estranhas.
1 XAVIER,
Francisco C. Nosso Lar. Pelo Espírito André Luiz.
33. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1987. cap. 9.
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