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por Rogério Coelho

 
A ideia cristã


O Espiritismo resgata a verdadeira essência dos ensinamentos de Jesus


“As grandes ideias jamais irrompem de súbito.” 
- Allan Kardec[1]


Quando a humanidade se encontra suficientemente amadurecida para assenhorear-se das verdades eternas, Deus envia Seus emissários para lançar luz nas trevas da ignorância. Assim, quando chega o momento de efetuar-se uma nova revelação, ela não surge de súbito, da noite para o dia, pois uma luz muito intensa ofusca ao invés de iluminar. Primeiramente surgem suaves lampejos aqui e acolá que vão se encorpando ao longo do tempo e, finalmente, chega uma criatura enviada por Deus para reunir os elementos esparsos e costurá-los num todo lógico e homogêneo.

Allan Kardec1 revela que tal se deu com a Doutrina Espírita.  Segundo ele, “a ideia cristã foi pressentida muitos séculos antes de Jesus, tendo por principais precursores Sócrates e Platão.

Sócrates, como o Cristo, nada escreveu, ou, pelo menos, nenhum escrito deixou. Como o Cristo, teve a morte dos criminosos, vítima do fanatismo, por haver atacado as crenças que encontrara e colocado a virtude real acima da hipocrisia e do simulacro das formas; por haver, numa palavra, combatido os preconceitos religiosos.           

Do mesmo modo que Jesus, a quem os fariseus acusavam de estar corrompendo o povo com os ensinamentos que lhe ministrava, também ele foi acusado pelos fariseus do seu tempo, visto que sempre os houve em todas as épocas, por proclamar o dogma da unidade de Deus, da imortalidade da alma e da vida futura. Assim como a doutrina de Jesus só a conhecemos pelo que escreveram seus discípulos, da de Sócrates só temos conhecimento pelos escritos de seu discípulo Platão.

Kardec faz um resumo1 da doutrina de Sócrates e Platão em paralelo com a Doutrina de Jesus, alertando: “aos que considerarem esse paralelo uma profanação e pretendam que não pode haver paridade entre a doutrina de um pagão e a do Cristo, diremos que não era pagã a de Sócrates, pois que objetivava combater o paganismo; que a de Jesus, mais completa e mais depurada do que aquela, nada tem que perder com a comparação; que a grandeza da missão divina do Cristo não pode ser diminuída; que, ao demais, trata-se de um fato da História, que a ninguém será possível apagar”.

O pensamento de Sócrates continha não só fundamentação cristã como também alinhavava vários conceitos do Espiritismo, o que é uma coisa lógica já que o Espiritismo vem, nos dias de hoje, resgatar a verdadeira essência dos ensinamentos de Jesus. Não é, pois, de causar admiração o seu fim trágico, vez que hodiernamente, em pleno século das luzes, os ensinamentos espíritas cristãos não são aceitos por inúmeras criaturas que permanecem enviscadas nos dogmas e preconceitos hibernando em anestesiante sono. Entanto, cedo ou tarde a verdade aparece e aparece de muitos modos e em muitos lugares diferentes.

Continua Kardec1“o homem há chegado a um ponto em que a luz emerge por si mesma de sob o alqueire. Ele se acha maduro bastante para encará-la; tanto pior para os que não ousem abrir os olhos. Chegou o tempo de se considerarem as coisas de modo amplo e elevado, não mais do ponto de vista mesquinho e acanhado dos interesses de seitas e de castas”.

O autor norueguês Jostein Gaarder, escreveu um livro intitulado: “Sofies Verden”. Em português: “O Mundo de Sofia”, que é uma espécie de história romanceada da filosofia e, repete Kardec, sem conhecer-lhe a obra, quando também traça um pormenorizado paralelo entre Sócrates e Jesus. Diz o filósofo norueguês: “(...) Sócrates sempre dizia que ouvia uma voz divina dentro de si. No ano de 399 a.C. ele foi acusado de ‘corromper a juventude’ e de ‘não reconhecer a existência dos deuses’. Por uma maioria apertada, Sócrates foi considerado culpado por um júri de cinquenta pessoas.

Ele poderia muito bem ter pedido clemência. E poderia ter salvado sua vida se concordasse em deixar Atenas. Mas se tivesse feito isto, não teria sido Sócrates. Tal o ponto que ele considerava sua própria consciência e a verdade mais importante do que sua vida. Ele afirmou o tempo todo que tudo o que fizera fora para o bem do Estado. Não adiantou. Pouco depois, na presença de seus amigos mais íntimos, bebeu um cálice de cicuta.

Por que Sócrates teve de morrer? Até hoje as pessoas fazem esta pergunta. Mas ele não foi o único na História a ir às últimas consequências e pagar suas ideias com a própria vida. Já citei aqui Jesus Cristo, e entre Jesus e Sócrates podemos estabelecer diversos paralelos. Vou mencionar apenas alguns: Jesus e Sócrates já eram considerados pessoas enigmáticas no tempo em que viveram. Nenhum dos dois deixou qualquer registro escrito de suas ideias. Assim, não nos resta outra saída senão confiar na imagem deles que nos foi legada por Seus discípulos. Uma coisa, porém, é certa: ambos eram mestres da retórica. Além disso, ambos tinham tanta autoconfiança no que diziam que podiam tanto arrebatar quanto irritar seus ouvintes. Para completar, ambos acreditavam falar em nome de uma coisa que era maior do que eles mesmos. Eles desafiavam os que detinham o poder na sociedade, porque criticavam todas as formas de injustiça e de abuso de poder.  No fim, esta forma de agir lhes custou a vida.

Também há paralelos entre os processos de acusação de Jesus e de Sócrates. Ambos podiam ter pedido clemência e, com isso, ter salvado suas vidas. Mas eles acreditavam que estariam traindo suas respectivas missões se não fossem até às últimas consequências. E o fato de terem enfrentado a morte de cabeça erguida lhes garantiu a fidelidade das pessoas mesmo depois de mortos. Mas, atenção! Ao traçar esses paralelos entre Jesus Cristo e Sócrates, não estou querendo colocar um sinal de igual entre os dois. Quero dizer apenas que ambos tinham uma mensagem a transmitir e que esta mensagem estava indissoluvelmente associada à coragem pessoal de cada um”.

Podemos acrescentar que tanto Sócrates quanto Jesus possuíam métodos de ensinos semelhantes, utilizando-se ambos da maiêutica, que é um processo dialético e pedagógico em que se multiplicam as perguntas, a fim de obter por indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral do objeto em questão. Esse método é de molde a alavancar do íntimo de cada criatura a solução para as questões propostas, vez que, segundo o filósofo, aprender é recordar.

Tanto Sócrates e mais particularmente Jesus visavam ao combate íntimo e individual do mal que existe nas criaturas e, segundo explicação de Kardec[2], “(...) a forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que qualquer máxima, que muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos. Aquela exige respostas categóricas, por um sim ou um não, que não abrem lugar para qualquer alternativa e que são outros tantos argumentos pessoais. E pela soma que derem as respostas, poderemos computar a soma de bem ou de mal que existe em nós”.


 


[1] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 129. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2009 – Introdução.

[2] - KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 88. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, nota explicativa da questão 919a.



 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita