Fraude espírita
Allan Kardec, no capítulo 28 de O Livro dos Médiuns,
trata do charlatanismo e do embuste, o que pode parecer
a princípio um tema antigo, perdido no auge das
manifestações físicas na época da codificação, mas um
breve passeio pela internet nos mostra que os assuntos
afetos ao intercâmbio mediúnico são sempre envoltos em
grande popularidade, mesclando medo e curiosidade, o que
motiva situações nitidamente fraudulentas, e que ganham
curtidas, compartilhamentos e destaques, inclusive entre
os espíritas.
Diversas fotos e vídeos trazem aparições de Espíritos,
além de povoarem as redes sociais previsões e
comunicações bombásticas sobre temas afetos a política e
celebridades, e dado que a mediunidade não é um
patrimônio dos espíritas, diversos desses fenômenos
podem sim ser fenômenos efetivos, mas também estão
passíveis de serem fraudulentos, em um contexto que
envolve a natureza destes, mas também as intenções
ocultas e, ainda, a consistência do seu teor.
A fraude é uma atuação intencional no sentido de se
omitir a realidade com uma versão que atenda aos
interesses do fraudador. Qualquer transação humana é
passível de fraude, e a relação com os desencarnados não
se faz imune desse mal. Inclusive, desde os tempos de
Kardec até hoje, ainda somos acusados de fraudadores
pelos nossos detratores, como se pode verificar em uma
rápida pesquisa na mesma internet. Aliás, contrapor
argumentos e provas é muito mais difícil do que
desmerecer pela acusação da fraude, mas isso não quer
dizer que não exista muita fraude por aí.
Vamos dividir, para fins da presente análise, a fraude
em dois aspectos..., um relacionado à veracidade do
fenômeno, e outro, complementar, ligado ao teor da
comunicação. Todos podem ser objeto de uma ação
fraudulenta, e, nesse sentido, pontuamos, nas linhas do
codificador, que quanto mais maravilhoso, quanto mais
espetacular, maior o risco de fraude, pois existe aí o
interesse político, financeiro ou de evidência embutido.
Mas o fato é que esse interesse se apresenta por vezes
de forma sutil, exigindo sempre cautela.
No que tange à fraude da veracidade, mais ligada a
fenômenos físicos, temos que um indivíduo busca por
truques, por mecanismos naturais ou outros dispositivos,
simular fenômenos e atribuí-los à ação de Espíritos,
podendo se tratar aí de materializações, aparições, mas
também de comunicações inteligentes, como as vidências,
previsões futurísticas e cartas do Além, e que, ao vivo
ou por meio de filmagens/fotos, iludem as pessoas da
presença de Espíritos, motivando o atendimento de
interesses, que não demoram a transparecer. O interesse
do indivíduo é mostrar que ele tem poderes sobrenaturais
e com isso angariar credibilidade.
O que nos importa na fraude de veracidade é identificar
se ali existe um fenômeno mediúnico verdadeiro, e, nesse
sentido, a idoneidade do médium é um fator determinante,
como assevera Allan Kardec. Necessário, mas
insuficiente, posto que é preciso também analisar o que
ocorre ali, com um certo olhar científico e
investigativo, verificando se não se trata de uma ação
deliberada oriunda de uma fraqueza da pessoa, dado que
aspectos morais estão sujeitos a chamamentos e
tentações. O mundo sempre nos surpreende...
No que tange ao teor, é uma decorrência da fraude de
veracidade, presa a aspectos das manifestações
inteligentes, e diferente de uma mistificação, na qual o
Espírito se utiliza do médium para trazer informações
equivocadas, nesse caso, o próprio suposto médium se
utiliza de sua simulação para introduzir “verdades” que
atendem ao seu interesse. Alimenta seus objetivos por
revelações e afirmações, que cedo ou tarde lhe trarão
algum ganho, e que proliferam, em especial, próximo a
eventos de grande relevância, ou de pleitos eleitorais.
No que tange ao teor, além da análise da idoneidade do
médium, a boa fórmula kardequiana do crivo da razão, do
uso da lógica e da comparação entre diversas fontes, bem
como com os conhecimentos sedimentados pela Doutrina
espírita, apresentam-se como boas medidas, associando
possíveis interesses aos absurdos divulgados nessas
mensagens. Discutir, analisar, ponderar é uma boa
prática e que, longe de ser ofensiva, é nosso legado
espírita para navegar de forma segura em mares de tantas
informações incertas.
Antes de clicar o botão “compartilhar”, antes de
propagar aquela foto do sobrenatural, aquela mensagem
psicografada, respiremos fundo, lembremos do nosso
estudo, e nos atenhamos a olhar com mais carinho o que
se apresenta ali. Lembremos que Espírito superior não se
detém a questões comezinhas e que a responsabilidade da
encarnação é nossa. A teoria da comunicação assevera que
o foco é o receptor, e este tem grande responsabilidade
na assimilação e na reprodução do que chega a ele, em
tempos de vida em rede.
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