Crianças: a
sustentabilidade do Cosmos
O futuro do mundo só será assegurado pelas crianças, (adolescentes
e jovens), porque é incompreensível aceitar a extinção
da humanidade, aliás, uma das poucas espécies, se não
mesmo a única que, globalmente considerada, ainda não
estará em extinção, pese, embora: a redução demográfica
em muitos países; a desertificação de diversas regiões;
e uma crescente aglomeração junto dos litorais, grandes
centros urbanos e respetivas periferias.
No sentido de um certo equilíbrio, outros países
continuam a assistir (até com o patrocínio dos governos)
ao aumento das suas populações, não só através da
melhoria da taxa de natalidade, redução na percentagem
da mortalidade e uma crescente chegada de imigrantes a
esses países. Portugal é um bom exemplo nestas
estatísticas.
E a redução da população de outros países só não é maior
graças ao contributo da ciência, especialmente da
medicina, da biologia, da genética e outras disciplinas
que se preocupam com o bem-estar das populações e
longevidade dos indivíduos. Recursos financeiros são
canalizados para a investigação, em quantidades
crescentes nalguns países, porém, ainda
insuficientemente na maioria de outros. É necessário
fazer opções firmes: entre a vida e as armas, prefira-se
a vida, através do bem-estar, da paz e da felicidade.
O que parece não deixar nenhuma dúvida é que o futuro da
humanidade está nas crianças de hoje, e que sem elas
será difícil (ou mesmo impossível) manter-se esta
caminhada triunfante da humanidade, apesar dos muitos
obstáculos.
As crianças são como o diamante puro, que precisam ser
lapidadas (educadas, formadas, sensibilizadas para a paz
e a felicidade), mas, antes disso, é necessário
descobri-las, pelo único processo viável ao homem –
fecundidade, reprodução, nascimento, cuidados, formação,
trabalho e velhice condigna.
Os incentivos ao aumento das taxas de natalidade são,
indiscutivelmente, as primeiras medidas que qualquer
governante responsável, e com uma visão para um futuro
melhor, para uma humanidade envelhecida, deve tomar. Não
se pode aplicar receitas de austeridade, justamente e
desde logo, aos “elos” mais fracos da cadeia
humana: as crianças e os idosos, mas para isso é
necessário que aqueles de quem dependem estas duas
pontas, também tenham condições para as “segurar”.
Pode-se e deve-se cortar em tudo quanto é supérfluo,
suntuoso e ofensivo à dignidade dos mais pobres, onde
existem as camadas de crianças e idosos em maior número.
Não se deve retirar recursos que, na maioria, são
canalizados pelas famílias, para a saúde, alimentação e
educação dos seus “elos” mais fracos. Não se
podem retirar direitos adquiridos que ajudavam a
colmatar as já imensas dificuldades que se somam ao
longo do ano.
É inaceitável “jogar-se” para o “espaço da
indiferença” e do “ostracismo”: quer o
passado coletivo, representado nos idosos, quer o futuro
promissor configurado nas crianças, adolescentes, jovens
e adultos em idade ativa. Os recursos humanos são o “capital”
mais valioso de qualquer instituição: família, empresa
ou país.
O sintoma mais evidente e preocupante da degradação da
sociedade está presente em muitos países e, dentro
destes, em regiões geográficas bem determinadas. Na
primeira “ponta da vida”, onde estão as crianças,
o fecho de escolas tem sido a “solução” adotada;
na outra extremidade da linha, também, a comprovar o
envelhecimento da humanidade e as dificuldades das
famílias, outro indicador incontornável: o aumento do
número de lares de terceira idade.
Refletir sobre o patrimônio insubstituível que as
crianças significam, e como aumentá-lo e melhorá-lo,
será o objeto desta abordagem que, ainda assim, não
pretende fornecer a fórmula mágica para resolver o
problema. Pretende-se, tão só, expor as preocupações de
um cidadão que vive inquieto com toda esta situação.
É conhecido que as famílias contemporâneas atravessam
graves crises, de vária ordem, com diversas causas,
consequências mais ou menos previsíveis e realidades que
passam a fazer parte do quotidiano: famílias
monoparentais, desestruturadas, sem valores, perdidas;
crianças sem regras, maltratadas, abandonadas, vendidas
e prostituídas.
Não é uma descrição utópica, nem pretende ser alarmista,
nem significa uma análise pessimista e derrotista, é a
realidade que a humanidade vem construindo, com egoísmo,
sem ideais supremos e atingíveis, tudo relativizando
(claro que não haverá valores absolutos em todas as
culturas), ao ponto dos valores absolutos, como a:
justiça, paz, amor, educação, tolerância, solidariedade,
lealdade, verdade, felicidade e Deus, enfim, tantos
outros se poderiam acrescentar, poderem integrar um novo
livro da “Relatividade Absoluta”. É
incompreensível para a racionalidade contemporânea que,
sendo o ser humano superiormente inteligente, não seja
capaz de construir outra sociedade melhor.
Neste mundo instável, onde muito pouco se considera
verdadeiro ou falso, onde os interesses mais
inconfessáveis e mesquinhos vêm triunfando, as crianças
(e também os idosos) que são, de fato, o elo mais fraco
desta corrente humana, continuam a sofrer, a ser
utilizadas como objetos de prazer, de negócio, de
aproveitamento em atividades condenáveis, enfim,
multiplamente exploradas, vilipendiadas e mortas,
quantas vezes, em circunstâncias horrendas, por
processos repugnantes.
Por cada criança assim destruída, o mundo deveria ficar
de luto para toda a vida. Mas por cada criança nascida e
tratada com dignidade, o mundo deve rejubilar, tudo
fazer para que este novo ser humano comporte em si mesmo
uma nova esperança, um novo relacionamento, um novo
mundo, onde todos possam viver com felicidade, com
dignidade e com um futuro positivamente previsível.
Com efeito: «A verdadeira e plena proteção das
crianças significa que elas podem desfrutar amplamente
de todos os seus direitos, entre eles os econômicos,
sociais e culturais, que lhes são garantidos por
diversos instrumentos internacionais. Os Estados partes
nos tratados internacionais de direitos humanos têm a
obrigação de adotar medidas positivas para assegurarem a
proteção de todos os direitos da criança». (Tribunal
Internacional dos Direitos Humanos, através do Parecer
Consultivo OC-17/2002 “Condição Jurídica e Direitos
Humanos da Criança”, 28 de agosto de 2002, ponto 8 da
parte dispositiva, in: BERGOGLIO, 2013: 156.)
Bibliografia:
BERGOGLIO, Jorge, Papa Francisco (2013).
O Verdadeiro Poder é Servir. Por uma Igreja mais humilde.
Um novo compromisso de fé e de renovação social.
Tradução de Maria João Vieira /Coord.), Ângelo Santana,
Margarida Mata Pereira. Braga: Publito.
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