Tema: Solidariedade/ Prece
O calhambeque de estimação
O velho Eurico tinha um calhambeque. Há vinte e seis
anos, vinha usando-o para trabalhar e ganhar o seu
sustento.
Na verdade, os dois haviam envelhecido juntos e se
tornado companheiros inseparáveis. Seu Eurico morava
numa pensão, no interior, e mal ganhava o suficiente
para viver. Gostava de trabalhar, tinha prazer em ser
útil, mas muitas vezes deixava de receber ou cobrava bem
pouquinho, só pra não deixar de atender quem precisava
de seus serviços.
Apesar das dificuldades financeiras, sempre conseguia
pagar as despesas do carro: gasolina, lubrificantes,
impostos etc.
Neste ano, porém, a situação havia piorado. O último dia
para pagar o imposto do carro estava chegando e ele não
conseguia juntar o dinheiro necessário. Seu Eurico
rezava pedindo a Deus uma solução.
Seu Eurico esperou o máximo possível, sempre na
esperança de conseguir o dinheiro. Isso, porém, não
aconteceu. Assim sendo, um dia antes de vencer o prazo
para o pagamento, ele limpou e encerou o velho
calhambeque pela última vez e foi até o escritório de um
leiloeiro. Contou ao homem sua história e o motivo que o
forçava a vender o velho carro de estimação.
Combinados todos os detalhes, Seu Eurico entregou o
carro e voltou pra casa. Nem o alívio por não precisar
mais se preocupar com dinheiro conseguia diminuir-lhe a
tristeza por ter-se desfeito de seu calhambeque. Pelo
contrário, pensava em como seria difícil não ter o
veículo para trabalhar.
No dia do leilão, a sala encheu-se de compradores. Eram
pessoas endinheiradas, querendo fazer bons negócios. Os
objetos foram vendidos um após o outro, até que chegou a
vez de ser leiloado o carro de Seu Eurico.
Para surpresa de todos, o leiloeiro, ao invés de
apresentar as características e pedir ofertas pelo
veículo, como de costume, passou a contar quanto tinha
sido sensibilizado pela história de um homem
trabalhador, já idoso, que o havia procurado. Disse que,
mais do que vender o carro, o que ele precisava mesmo
era de ajuda. Para concluir, embora temeroso quanto à
reação da plateia, propôs:
- Ao invés de um dos senhores comprar o automóvel,
estariam dispostos a se reunirem para pagar o imposto e
assim ajudar o proprietário?
Fez-se silêncio na plateia. Os presentes
entreolharam-se. Uma ou duas senhoras enxugaram as
lágrimas. Então um homem levantou a mão:
- Eu pago a metade do imposto - disse ele.
- Eu pago a outra metade - declarou outro imediatamente.
- Muito obrigado! - disse o leiloeiro, contente. - Sei
que o dono ficará...
E, antes que ele terminasse a frase, alguém falou:
- Como os colegas já se dispuseram a pagar o imposto, eu
colaborarei, comprando pneus novos para substituírem os
já desgastados.
Contagiados pelo maravilhoso espírito de cooperação que
os envolvia naquele momento, outros também fizeram suas
ofertas, doando dinheiro para que fosse enchido o tanque
de gasolina, revisados os freios, trocada a bateria e
repostas algumas peças quebradas.
O leiloeiro agradecia comovido. O auxílio conseguido foi
muito maior que o esperado. Ao final, a emoção e a
alegria tomavam conta de todos.
Em poucos dias, o carro estava totalmente melhorado.
Quando o leiloeiro levou o veículo para a residência do
Seu Eurico e lhe contou o que fizera, o velho homem mal
pôde conter as lágrimas, emocionado com tanta bondade.
Ergueu os olhos para cima com gratidão a Deus, pois nem
em suas preces havia pedido tanto. Sentia-se o homem
mais feliz da cidade. O leiloeiro e todos que ajudaram
também estavam muito felizes.
A história só poderia terminar assim. A felicidade que
proporcionamos a alguém volta pra nós na mesma medida.
Adaptação de um texto de
autoria de Cândida Chirello.