Necessidades de amar e de sermos amados
Por que homens e mulheres são capazes de transformar o
Amor, o mais sublime dos sentimentos, em combustível de
um crime? Será crível que uma pessoa possa matar por
Amor? Será o crime passional um tipo de reação violenta
ao fim do “Amor”? Qualquer pessoa que se apaixone pode
ter uma reação passional, pois a paixão é um sentimento
intrínseco do ser humano. Contudo, isso pode ser
perfeitamente controlado. Numa violência passional,
perde-se a razão e, por via de consequência, o controle
de si mesmo. Indubitavelmente, a paixão nos torna
agressivos e perigosos. É a erupção do lado primitivo do
ser, e muitos são passíveis disso quando não vigiam os
sentimentos. Uma coisa, no entanto, é certa: a sensação
de posse é a causadora da maioria das tragédias
passionais.
Para os espíritas, o crime passional pode ser definido
como um processo de obsessão ou possessão anímica, isto
é, o criminoso é subjugado por entidade desencarnada ou
por sua personalidade arcaica, em razão da falência de
sua personalidade atual no cipoal e delírio das
sensações inferiores. Os crimes de “Amor” nada têm a ver
com o Amor. A rigor, são consequências de desregramentos
sensoriais, com perda do equilíbrio emocional e
perturbações espirituais. As Obsessões estão
relacionadas à ansiedade criada em resposta a uma
situação muito estressante, esmagadora e dolorosa. A
frustração Amorosa e o consequente sentimento de perda,
de autodesvalorização, criam perturbações obsessivas e
um transtorno de Amor obsessivo vinculados a um ciúme
patológico. A necessidade obsessiva cria mecanismos e
estratégias para seduzir o outro, originando numa
atração fatal que busca a possessão de forma a incluir o
outro em sua própria vida, tentando o máximo de
controle, pois a falta deste irá provocar intensa dor.
Podem ocorrer manifestações de ciúmes patológicos onde
as conexões entre fantasias e realidades se perdem,
facilitando episódios psicóticos em que a ação se torna
real. A pessoa propensa a um Amor obsessivo tem
dificuldades de relacionamento saudável, ligando-se a
comportamentos complicados, repletos de brigas,
desconfianças e ciúmes, muitas vezes com desfechos
tensos e violentos. O transtorno obsessivo compulsivo é
um distúrbio debilitante e destrutivo. No entanto, ele
pode ser minimizado com a terapia medicamentosa e
psicoterapia cognitivo-comportamental e pelos recursos
espíritas da desobsessão.
O ciúme (1) voraz é o grande motivo de muitas dores
morais. Em verdade, esse sentimento egoístico está
presente em nossas vidas tanto quanto a dor, ou seja,
quase todo ser humano sente. Toda vez que uma dor nos
espicaça o ser é porque há algo errado conosco, e o
mesmo acontece com o ciúme: alguma coisa está errada em
nós mesmos, no outro ou na relação. A expressão "o
pecado do Amor" é tão absurda quanto o ilogismo: "matar
por Amor". Enquanto não formos capazes de discernir
juízos opostos e continuarmos a confundi-los, não
estaremos em condições de reformular nossa concepção do
legítimo sentido do Amor.
Pasmem! Há quem defenda que “matar por Amor não é
crime”. Creem alguns que o princípio do ser humano é o
sentimento, e quando essa emoção é traída, aviltada, ele
pratica, então, esses atos chamados criminosos. E nessa
confusa tese, afirma-se que o “Amor é a maior fraqueza
do ser humano”, argumenta-se que tanto o honesto, o
trabalhador, o culto, não importa, todos são passíveis
de um único crime: de “Amor”. Não comungamos nessa
cartilha, obviamente, pois que ninguém mata por Amor,
mas por ódio. Estudos apontam que o criminoso passional
não tem raça, credo, faixa etária ou classe social, mas
na imensa maioria dos casos tem sexo: o masculino.
Diz-se que a impulsividade do homem, ao matar, é
cultural, uma vez que no sistema patriarcal, há cinco
mil anos, e durante muito tempo, o marido tinha o
direito de bater na mulher, de puni-la, de matá-la e
isso era muito comum.
Uma criatura que ama não agride e nem fere o ser amado,
que é para ela objeto de veneração. O ciúme não procede
do Amor, mas do apego animal ao plano sensorial. O
animal é que ataca e fere por ciúme, nunca o homem,
pois, nele, o Amor se manifesta em ternura, adoração e
consciência do valor do ser amado. As criaturas de
sensibilidade humana não se deixam arrastar pelas
paixões, que pertencem ao plano dos instintos.
Luiz de Camões dizia que o “Amor é um fogo que arde sem
se ver”. (2) Segundo Aurélio Buarque “o Amor pode ser um
sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de
outrem, ou de alguma coisa. Pode ser um sentimento terno
ou ardente de uma pessoa por outra, e que engloba também
atração física, ou ainda inclinação ou apego profundo a
algum valor ou a alguma coisa que proporcione prazer;
entusiasmo, paixão”. Podemos considerar o Amor como uma
forma de energia cósmica ainda não pesquisada e
conhecida pelas Ciências. Porém, e o Amor ao próximo?
Bem, esse é um sentimento de dedicação absoluta de um
ser a outro ser ou a uma coisa; devoção extrema. Tudo o
que possamos idealizar sobre o Amor pode se
consubstanciar como parcela deste sentimento, mas ele é
muito maior e mais abrangente, até porque, o bem-querer,
toda a bondade, a tolerância, a alegria, a proximidade
só poderão ser um fragmento do Amor quando não tiverem
laços no apego, na imperiosa necessidade de permuta, no
egoísmo que exige sempre condições e regras.
Preocupados com o Amor humano, psicólogos e filósofos
até hoje se interessam, quase que exclusivamente, por
essa forma lírica e dramática do Amor entre duas
criaturas. A Psicanálise, nos primórdios da teoria
freudiana, colocou o problema do Amor na dimensão do
patológico. Em verdade, Freud teve de entrar no estudo e
na pesquisa do Amor pelo subsolo da psicopatologia. O
aspecto patológico é o mais dramático do Amor e o que
mais toca o interesse humano. "O Amor é a força mais
abstrata e, também, a mais poderosa que o mundo possui.”
(Mahatma Gandhi).
Em face dos conceitos espíritas, aprendemos que, nos
albores de sua evolução, predominam no homem as cargas
instintivas. Na medida em que avança na escala da
evolução, surgem as sensações. Com o passar dos
milênios, irrompem os sentimentos – ponto
fundamental para o desabrochar do Amor. Isto posto,
analisemos os sentimentos que advêm das tendências
eletivas e o das afinidades familiares. Na primeira
condição, estão as expressões complexas do desejo, do
sensualismo; na outra situação, sedimentam-se a
fraternidade e o enlevo conjugal, numa simbiose mágica,
quimioeletromagnética, na entranha do ser.
Na questão 938-a, de "O Livro dos Espíritos", aprendemos
o seguinte: "A natureza deu ao homem a necessidade de
amar e de ser amado. Um dos maiores gozos que lhe são
concedidos na Terra é o de encontrar corações que com o
seu simpatizem”. (3) O Amor deve ser o objetivo excelso
no roteiro humano para a conquista da paz na sua
expressão apoteótica. Porém, diversas vezes, o nosso
sentimento é meramente desejar, e tão somente com o
"desejar", desfiguramos, instintivamente, os mais
promissores projetos de vida.
Nos dias de hoje, fala-se e escreve-se muito sobre sexo
e pouco sobre Amor. Certamente, porque esse sentimento
não se deixa decifrar, repelindo toda tentativa de
definição. Por isso, a poesia, campo mítico por
excelência, encontra, na metáfora, a tradução melhor da
paixão, como se esta fosse o Amor. O desenvolvimento dos
centros urbanos criou a "síndrome da multidão
solitária". As pessoas estão lado a lado, mas suas
relações são de contiguidade. A paixão é exclusivista,
egoísta, dominadora, é predominantemente desejo. Para
alguns pensadores, esse sentimento é a tentativa por
capturar a consciência do outro, desenvolvendo uma forma
possessiva, onde surge o ciúme e o desejo de domínio
integral da pessoa "amada". O legítimo Amor é o convite
para sair de si mesmo. Se a pessoa for muito centrada em
si mesma não será capaz de ouvir o apelo do outro. Isso
supõe a preocupação de que a outra pessoa cresça e se
desenvolva como ela é, e não como queiramos que ela
seja. O Amor representa a liberdade, e não o psicótico
sentimento de posse. É a lei de atração e de todas as
harmonias conhecidas, sendo força inesgotável que se
renova sem cessar e enriquece, ao mesmo tempo, quem dá e
quem recebe.
Referências:
(1) Cf. Aurélio – “Sentimento
doloroso que as exigências de um Amor inquieto, o desejo
de posse da pessoa amada, a suspeita ou a certeza de sua
infidelidade fazem nascer em alguém”. Receio de perder
alguma coisa; cuidado, zelo (nesta acepção, é mais usado
no plural).
(2) Cf. (Luís de Camões, Rimas, p.
135);
(3) KARDEC, Allan. O Livro dos
Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, ed. 2002,
questão 983-a.
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