Estudo comparado das teorias do
progresso: ortodoxa e espírita
A unicidade da existência seria uma aberração,
verdadeiro achincalhe às Leis Divinas
“O progresso levará a humanidade a ajustar suas leis às
Leis Divinas, fomentando a caridade e a paz consequente.”
- François
C. Liran
Quando encarnado, ainda na época do Império, sob o
pseudônimo de “Max”, o Dr. Bezerra de Menezes
divulgou os postulados espiritistas com rara sagacidade
e peregrina clareza, nas páginas de um jornal que
circulava naquela época chamado “O Paiz”, causando
fortes dores de cabeça e perplexidade aos adversários do
Espiritismo.
Dentre os inúmeros
estudos ali realizados, nos quais o “Médico dos
Pobres” pulverizava os anêmicos argumentos da
ortodoxia clerical, vamos destacar suas ajustadas
ponderações em um estudo comparado entre a
unicidade da existência e a pluralidade da existência.
Eis sua insofismável
argumentação: “compulsando, nas Antigas Escrituras, o
livro de Jó, o livro dos Salmos, o Eclesiástico, Isaías,
Jeremias, Ezequiel, Malaquias, e nas Escrituras
Neotestamentárias os escritos de Mateus, João e de
Paulo, o Apóstolo da Gentilidade, com suas
extraordinárias cartas, temos à saciedade provado que
tanto o moisaísmo como o Cristianismo encerram em seus
ensinos os filamentos (germes) da Doutrina Espírita,
quanto à reencarnação.
Não é ocioso relembrar que, não se achando a humanidade,
quer no tempo de Moisés, quer mesmo no do Cristo, em
condições de suportar mais luz que aquela que, por
misericórdia e amor do Pai Celestial, lhe foi dada,
seria estultice alguém pretender descobrir nos livros
canônicos asseverações tão positivas sobre a
palingenesia, como se encontram sobre o que já era tempo
de ser revelado. Assim como no domínio da revisão
moisaica se encontram delineados os princípios da
revelação messiânica, por não ser tempo de apregoá-los,
ainda pela mesma razão, num e noutro daqueles períodos,
não podemos encontrar senão mal alinhavados os
princípios da nova revelação, que está sendo feita
atualmente ao mundo pelo Espiritismo. E, porque, no
Velho Testamento, estando previstos os tempos
messiânicos, não foi perdoado aos hebreus desconhecerem
o Enviado do Senhor, pelo mesmo modo não terá perdão o
clero, que desconhece o Consolador, prometido por
Jesus, apesar de ser o Seu ensinamento corroborado por
todos os sagradosautores que citamos.
A reencarnação, além de ter suas raízes no Velho e no
Novo Testamento e, principalmente, neste último, não é
repulsivo à razão, não constrange a consciência, não
fere, nem de leve, um só dos excelsos atributos da
Infinita Perfeição.
A Razão aceita que, sendo perfectíveis como somos, em
vez de o desenvolvimento se nos trancar pela morte,
depois de um minuto de existência, deixa-nos o direito
de desenvolver nossos predicados morais e
intelectuais, mediante existências múltiplas,
reparadoras e progressivas...
A consciência diz-nos que Deus não seria Pai se, dando
mais luz a uns do que a outros, como acontece em relação
aos que viveram antes e depois do Cristo; como acontece
aos que nascem no meio da civilização ou no meio de
tribos selvagens; como acontece, enfim, aos que trazem
de nascimento disposições boas ou más para o saber e
para o bem, exigir, entretanto, de todos, o mesmo grau
de elevação, pelas provas que derem, em tão opostas
condições.
E a razão e a consciência, por mais que sondem a
doutrina da vida única, não encontrarão nela senão os
rigores da justiça de Deus, sem a Sua misericórdia, ao
passo que na Doutrina das vidas múltiplas descobrem,
imponentes, o amor e a misericórdia do Pai, sem prejuízo
da Sua justiça. Uma faz temer, outra faz amar o Pai
Celestial!... Por que, então, repele o clero o que
exalta a criatura e o Criador, para abraçar o que não
convém? Se ao menos pudessem firmar-se em algum ensino
positivo da Verdade da vida única, sua teimosia teria
fundamento, mas nos Evangelhos e nos livros sagrados
há mais referências à pluralidade das existências que à
sua unicidade. Onde está, pois, a base sólida em que
se firma a Igreja para anatematizar os sectários das
vidas múltiplas?
Se ninguém levantasse a dúvida entre esses princípios, a
Igreja devia ser a primeira a levantá-la pelo fato de
encontrar fundamentos para os princípios nas sagradas
letras. Se quisesse ser lógica e ortodoxa, deveria dar
mais pela Verdade das referências à reencarnação. Ora,
se a Igreja tem mais razão para abraçar o princípio
reencarnacionista, com os livros canônicos em mão,
estudando-o, sem preconceitos, nem interesses puramente
humanos, maior razão tem para aceitá-lo, desde que lhe
foi dito por Jesus, que em tempo viria o Espírito de
Verdade ensinar aquelas Verdades que Ele não podia
ensinar; por não poder a humanidade de Seu tempo
suportá-las. Como, então, repelir a alta ideia como uma
heresia e excomungar quantos têm a felicidade de
abraçá-la?!
A Igreja, por mais santa que seja, não tem o direito de
ser cega, de recusar seu testemunho ao que lhe é
patente; e ela vê um fenômeno que nem o próprio Cristo
produziu: vê arrebentar em todos os pontos da Terra,
comunicado por um modo extraordinário, o princípio
espírita, que, em poucos anos, já serve de bandeira para
milhões de criaturas humanas!
É obra de Satanás!... (bradam os fanáticos). Ora, os
livros sagrados provam: satanás é puro mito!
Racional e conscienciosamente a reencarnação se impõe à
humanidade, tanto que, se é obra do demônio, só os cegos
não verão a sua superioridade sobre a existência única.
Quererá o clero que um plano demoníaco seja mais
perfeito que o divino? Obcecação!...
Repetiremos sempre: também o sacerdócio hebreu, de boa
ou de má-fé, sustentou que a Doutrina e as obras de
Jesus eram inspiradas por Satanás! Estude o clero os
caracteres essenciais da Doutrina, que repele sem
conhecer, e reconhecerá que só de Deus pode provir um
ensinamento tão resplendente de luz e de grandezas
morais”.
Em explicação apendida à questão 789 de “O Livro dos
Espíritos”, Allan Kardec ensina: “a humanidade
progride, por meio dos indivíduos que pouco a pouco se
melhoram e instruem... Quando estes preponderam pelo
número, tomam a dianteira e arrastam os outros. De
tempos a tempos, surgem no seio dela homens de gênio que
lhe dão um impulso; vêm depois, como instrumentos de
Deus, os que têm autoridade e, nalguns anos, fazem-na
adiantar-se. O progresso dos povos também realça a
justiça da reencarnação.
Louváveis esforços empregam os homens de bem para
conseguir que uma nação se adiante, moral e
intelectualmente. Uma vez transformada, a nação será
mais ditosa neste mundo e no outro, concebe-se. Mas,
durante a sua marcha lenta através dos séculos, milhares
de indivíduos morrem todos os dias. Qual a sorte de
todos os que sucumbem ao longo do trajeto? Privá-los-á,
a sua relativa inferioridade, da felicidade reservada
aos que chegam por último? Ou também relativa será a
felicidade que lhes cabe? Não é possível que a Justiça
Divina haja consagrado semelhante injustiça. Com a
pluralidade das existências, é igual para todos o
direito à felicidade, porque ninguém fica privado do
progresso. Podendo, os que viveram ao tempo da barbaria,
voltar, na época da civilização, a viver no seio do
mesmo povo, ou de outro, é claro que todos tiram
proveito da marcha ascensional.
Outra dificuldade, no entanto, apresenta aqui o sistema
da unicidade das existências: segundo esse sistema, a
alma é criada no momento em que nasce o ser humano.
Então, se um homem é mais adiantado do que outro, é que
Deus criou para ele uma alma mais adiantada. Por que
esse favor?! Que merecimento tem esse homem, que não
viveu mais do que outro, que talvez haja vivido menos,
para ser dotado de uma alma superior? Esta, porém, não é
a dificuldade principal. Se os homens vivessem um
milênio, conceber-se-ia que, nesse período milenar,
tivessem tempo de progredir. Mas diariamente morrem
criaturas em todas as idades; incessantemente se renovam
na face do planeta, de tal sorte que todos os dias
aparece uma multidão delas e outra desaparece. Ao cabo
de mil anos, já não há naquela nação vestígio de seus
antigos habitantes. Contudo, de bárbara, que era, ela se
tornou policiada. Que foi o que progrediu? Foram os
indivíduos outrora bárbaros? Mas esses morreram há muito
tempo. Teriam sido os recém-chegados? Mas, se suas almas
foram criadas no momento em que eles nasceram, essas
almas não existiam na época da barbaria e forçoso será
então se admitir que os esforços que se despendem para
civilizar um povo têm o poder, não de melhorar almas
imperfeitas, porém de fazer que Deus crie almas mais
perfeitas. (!?)
Comparemos essa teoria do progresso com a que os
Espíritos apresentaram: as almas vindas no tempo da
civilização tiveram sua infância, como todas as outras,
mas já tinham vivido antes e vêm adiantadas por efeito
do progresso realizado anteriormente. Vêm atraídas por
um meio que lhes é simpático e que se acha em relação
com o estado em que atualmente se encontram. De sorte
que os cuidados dispensados à civilização de um povo não
têm como consequência fazer que, de futuro, se criem
almas mais perfeitas; têm, sim, o de atrair as que já
progrediram, quer tenham vivido no seio do povo que se
figura, ao tempo da sua barbaria, quer venham de outra
parte. Aqui se nos depara igualmente a chave do
progresso da humanidade inteira. Quando todos os povos
estiverem no mesmo nível, no tocante ao sentimento do
bem, a Terra será ponto de reunião exclusivamente de
bons Espíritos, que viverão fraternalmente unidos.
Os maus, sentindo-se aí repelidos e deslocados, irão
procurar, em mundos inferiores, o meio que lhes convém,
até que sejam dignos de volver ao nosso, então
transformado. Da teoria vulgar ainda resulta que os
trabalhos de melhoria social só às gerações presentes e
futuras aproveitam, sendo de resultados nulos para as
gerações passadas, que cometeram o erro de vir muito
cedo e que ficam sendo o que podem ser, sobrecarregadas
com o peso de seus atos de barbaria. Segundo a Doutrina
dos Espíritos, os progressos ulteriores aproveitam
igualmente às gerações passadas, que voltam a viver em
melhores condições e podem assim aperfeiçoar-se no foco
da civilização”.
Finalmente cumpre-nos adir o seguinte: haverá de chegar
o tempo em que as criaturas não acreditarão que existiu
quem pregasse e acreditasse na unicidade da existência,
esse verdadeiro achincalhe às Leis Divinas, essa
aberração que não passa de profundo e superlativo
desrespeito ao Pai Criador, infinitamente Justo e Bom
que manterá sempre aberta a porta dos remansosos pastos
espirituais para todo e qualquer Espírito calceta que
queira alforriar-se da ignorância.