Pagar contas e ver séries
O meme é uma forma de comunicação moderna, vulgarizada
pelas redes sociais, e condensa uma ideia, com um ar
cômico, e que retrata situações do momento e visa
basicamente se reproduzir, no fenômeno da viralização.
Uma forma de comunicação por vezes espontânea, e
democrática, que chegou com força e não nos abandona.
Imprevisível, coisas viram meme sem esperarmos, e isso
tem a ver com a percepção dos diversos públicos daquele
evento.
Um desses que rodou muito por aí foi que a vida se
resume a pagar contas e ver séries, com variações
textuais, mas a ideia é essa. De que a existência se
trataria, basicamente, em assistir a um novo formato de
novelas facilitadas pelos serviços de streaming, que
permitem gerenciar os programas de forma assíncrona, e
de pagar contas que sustentariam as nossas necessidades
básicas, como o acesso à internet que permite assistir a
essas mesmas séries.
Um retrato de nosso tempo, uma comédia trágica de nós
mesmos, por resumir a nossa visão de futuro, nosso ideal
de vida em uma postura passiva diante de histórias que
consumimos avidamente, e sobre elas comentamos, vivendo
um mundo paralelo, ensimesmado, de personagens e
narrativas, que por vezes servem de um bom esconderijo
dos desafios da vida real. Ou ainda, de nascedouro de um
egoísmo crônico.
Nada contra a narrativa novelística, famosa desde os
tempos de Honoré de Balzac, ou de uma boa história, que
nos embala a imaginação, que nos ajuda a superar as
dificuldades, em uma visão mais psicanalítica, elemento
de nossa vida abstrata e fonte de saúde mental, de
crescimento, de sentimentos e de sonhos.
A questão é o equilíbrio disso tudo, na qual narrativas
e vidas vistas por telas afetam a nossa percepção do
real, nos distancia de problemas que andam por aí, de
questões concretas, enfim, de nossos compromissos como
Espíritos encarnados. Aí, a própria profusão de
comunicação, de transparência, desvela essa realidade, e
isso nos causa medo, e nos escondemos do mundo.
Não nascemos para maratonar séries, em que pese isso
faça parte do contexto da nossa vida como encarnado,
como ser social. Mas importa, em uma visão espírita,
entender o que recebemos, o que fazemos disso, e o que
se espera ao fim de nossa jornada, resgatando a sempre
atual parábola dos talentos. Tempo é ouro, e para nós,
espíritas, tempo é oportunidade.
Da mesma forma, a literatura espírita é permeada de um
sem-número de romances, o que monopoliza a forma de
reflexão, de linguagem, o que se espraia para o teatro,
o cinema espírita, em um processo de narrativa que
termina, por vezes, a simplificar o que é complexo, nos
afastando das essências, refastelados na aparência
transitória.
O chamado loteamento virtual, o qual só existimos se
dispusermos de um canal de vídeo, um site, um perfil nas
redes sociais, desloca forças de nossos trabalhadores
para a criação e manutenção desses espaços, uma energia
que poderia ser utilizada em outras frentes, ou pelo
menos fazer destas ações de comunicação vinculadas a
promover trabalhos e para eles arrecadar recursos.
Essa vivência no imaginário e no virtual, como disse,
antiga e salutar, pode servir de caverna para nos
ocultar dos dragões que julgamos maiores do que são, e
que se alimentam de nossas distâncias, para nos privar
da vivência intensa e proveitosa da encarnação, uma
oportunidade valiosa e que só tem sentido na relação com
o outro, pois, se assim não fosse, nasceríamos sozinhos.
Pare... pense... analise... a sua vida está pautada em
pagar contas e ver séries? Quem está assistindo à série
da sua vida vai lhe cobrar, amorosamente, uma conta
algum dia, e o tempo passado, como um rio caudaloso, não
volta atrás, nos exigindo refazimento e reparação, e
ninguém gosta de ficar vendo os mesmos filmes várias
vezes. Só os aficionados...
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