Eu no espelho
O que pensaria eu se me visse fazendo o que faço? Para
responder a esta questão, seria preciso que tivéssemos a
coragem de nos olharmos em um espelho e, afastando-nos
dele, pudéssemos nos ver como um personagem, uma outra
pessoa que, em ação e em determinada situação, colocasse
em movimento todos os seus sentimentos, fossem eles bons
ou maus.
O problema para se chegar a essa resposta não está na
falta de consciência de que essa questão precisa e deve
ser respondida, mas, sim, na nossa falta de coragem para
encarar o que realmente somos, e não aquilo que
aparentamos ser. É extremamente difícil aceitarmos
nossas imperfeições, ligadas que estão quase sempre a
sentimentos pouco nobres que procuramos, também, com
muito esforço, fazer de conta não possuir, quando,
minimamente, temos consciência de que eles existem.
Assim, como não podemos ou não queremos nos ver, vemos o
outro. Percebemos suas imperfeições morais, seus
defeitos físicos e nos horrorizamos com eles,
apontando-os, ostensiva ou veladamente, procurando
diminuir-lhes o valor, não importando o que de bem ou de
bom faça ou tenha feito.
O que deve nos preocupar nesse processo – gritante para
nós – é que ao destacar-lhes as imperfeições, o fazemos
tomando-nos como exemplo, pois precisamos de um modelo
para que a comparação aconteça, caso contrário,
passariam despercebidas. O belo nos chama a atenção
porque conhecemos o feio – segundo nosso ponto de vista;
só percebemos o dia porque convivemos, também, com a
noite; e necessitamos da luz, porque já conhecemos a
treva.
A falta de coragem vem, justamente, pelo processo
comparativo que teríamos de fazer, caso quiséssemos nos
ver, pois precisaríamos tomar alguém perfeito para nos
servir de parâmetro. Todavia, ao fazermos isso, teríamos
de destacar nossas imperfeições e, certamente, não é
isso que desejamos.
Diante de tal quadro torna-se imprescindível nos atermos
à nossa real situação em relação aos papéis que
representamos na vida. Ao nos colocarmos como
espectadores de nós mesmos, teremos grandes chances de
nos ver como realmente somos e, como críticos severos
dos outros, poderemos, com muita dificuldade, mas firme
vontade de nos melhorarmos, sermos também, e com maior
justeza, críticos ainda mais severos de nós mesmos, e
não somente da vida alheia.
Certamente, teremos quedas nessas tentativas, mas se nos
lembrarmos de que só cai quem caminha, nossas chances de
acertos e de nos mantermos em pé serão cada vez maiores.
Mister se faz que acordemos de vez dessa sonolência que
a fantasia das nossas imperfeições cria em nossas
mentes, na qual nos permitimos enredar. Como
espectadores de nós mesmos, nos veremos, quase sempre,
em um palco onde representamos vários papéis, dos quais,
na maioria das vezes, nem nos damos conta tão arraigados
estão em nosso inconsciente. Representamos cada um deles
tantas vezes que acabamos por nos esquecer do que
realmente desejamos e quem verdadeiramente somos.
É importante lembrarmos que não nos será possível,
simplesmente, anular velhos papéis e, de imediato,
colocar novos no lugar, pois esse processo é lento, a
exigir perseverança e paciência, renúncias e
sacrifícios, humildade e desprendimento, o que nem
sempre estamos dispostos a fazer. Entretanto, se
procurarmos desenvolver em nós qualidades contrárias às
imperfeições morais que temos, ficará mais fácil, pois
podemos ir enfraquecendo uma, enquanto fortalecemos a
outra, o que nos permitirá deixar de ser personagens de
vidas emprestadas, para nos transformarmos em autores
das próprias existências.
O que percebemos como observadores de nós mesmos
assusta-nos porque nos vemos piores do que realmente
somos: intransigentes, intolerantes, impiedosos,
ambiciosos e tantas outras imperfeições que nos ligam,
ainda, à condição de inferioridade no caminho evolutivo.
E por que nos vemos assim? Na maioria das vezes não nos
damos conta de que necessitamos estar acima dos outros e
para que isso aconteça, precisamos anulá-los. Para
tanto, é importante apagar-lhes o brilho,
destacando-lhes as imperfeições. É na verdade a única
maneira que temos de nos destacar e sermos aplaudidos e
reverenciados. Triste realidade íntima essa nossa, que
não nos deixa entender que somos capazes de brilhar sem
precisar ofuscar o outro.
Todavia, não precisamos nos entristecer ou desanimar
diante disso. Nesse momento, é importante parar e
perceber que somos, na verdade, um farol direcionado
para um objetivo de cada vez, e isto significa que em um
momento nosso foco está para o ter material e, em outro,
para o ter espiritual. São diferentes tempos no quadro
de crescimento que nos levará, inexoravelmente, à
unidade do ser, etapa final do caminhar evolutivo do
Espírito.
Na medida em que evoluímos, esse refletor terá, cada vez
mais, um campo maior de luz. De uma visão limitada, na
qual cada um retém o que lhe é mais valioso no momento,
passaremos a abranger um espaço cada vez mais amplo, não
focalizando somente um aspecto ou um objeto para o nosso
crescimento, mas buscando incorporar a esse aspecto
único novos interesses que nos enriquecerão, permitindo
que a luz se expanda em todas as direções, beneficiando
também aqueles que compartilham conosco essa caminhada.
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