A (in)tolerância nossa de cada dia
Ninguém, como Jesus de Nazaré, soube nos exemplificar
sobre a tolerância, modelo e guia da humanidade
terráquea que é, conforme lemos em a questão de no.
625 de O Livro dos Espíritos.
Os Evangelhos estão repletos de passagens que relatam
como o Mestre de todos nós era todo mansuetude e
serenidade, ante os desafios repetidos cotidianamente:
“- Senhor, até quantas vezes devo perdoar o irmão que
pecou contra mim? Até sete vezes?
- Não somente sete vezes, Simão, filho de Jonas, mas até
setenta vezes sete vezes!”
(...).
“- Senhor, suplico que conceda aos meus filhos queridos
a honra de assentarem-se ao seu lado, no Reino dos Céus!
- Quanto a isto, só o Pai pode decidir, mas, dizei-me,
estão preparados para beber da taça de amarguras e de
aflições que devo sorver?”
(...).
“- Mestre, encontramos pelo caminho alguém que expulsava
demônios em Teu nome e o repreendemos, pois que não
partilha do nosso círculo de aprendizes...
- Fizeste mal, pois todo aquele que não é contra nós, é
por nós.”
(...).
“- Vínhamos discutindo pela estrada qual dentre nós será
o maior no Reino de Deus!
- Pois aquele que quiser ser o maior no Reino do Pai,
faça-se o menor, o servo de todos os demais...”
(...).
Observemos a Sua conduta no episódio das crianças
impedidas pelos Apóstolos de se aproximarem d’Ele...
Ainda, perante os sofredores de todo o porte, em todos
os degraus da escala incomensurável das desditas
humanas: a mulher hemorroíssa, os leprosos, os
obsidiados, os obsessores, os avarentos, os orgulhosos,
os de ânimo alquebrado, os de vontade enfermiça, enfim,
todos os doentes do corpo físico e da alma, aliás,
localizando-se na esfera invisível as matrizes que
poderão se apresentar, ou não, na dimensão de matéria
mais densa na qual estagiamos.
E o Nazareno inesquecível sempre e sempre,
invariavelmente, nos demonstrava do que é capaz quem é
versado na Ciência da Paz, a Paciência...
Jesus nos ensina, assim, que por meio das pequenas ou
grandes concessões que vamos fazendo no dia a dia, em
benefício da harmonia do conjunto, seremos capazes de
alcançar, um dia, o supremo sacrifício, a doação de nós
mesmos, a entrega total ao Bem.
Enquanto não suportarmos com galhardia, com bom humor e
mesmo com alegria os pequenos reveses da vida, não
estaremos aptos aos grandes gestos em favor dos que nos
cercam.
Se nos irritamos até à exasperação ante as “fechadas” no
trânsito das grandes cidades, se não relevamos um leve
esbarrão de alguém distraído (e os distraídos hoje se
contam aos milhares!), se nos ofendemos com as piadinhas
dos colegas de trabalho, quando é que nos disporemos a
vivenciar a Boa Nova, em plenitude, nestes dias da
Grande Transição Planetária?
Com que autoridade, com qual máscara de nogueira ou de
imbaúba, também conhecida como “cara de pau”, nos
atreveremos a “doutrinar” irmãos decaídos que se
apresentam, que se desnudam diuturnamente nas nossas
reuniões mediúnicas, se não esquecemos, ao contrário, se
fazemos questão de trazer à tona, de revolver as chagas
do remorso em companheiros nossos de casas espíritas,
que tenham tido a infelicidade de cometer algum deslize
contra nós?
É impressionante como nos admiramos, como nos dizemos
chocados com irmãos desencarnados cristalizados em sua
“sede de justiça” (entenda-se: na sua vontade de “dar o
troco”) e fazemos questão de ressaltar algum equívoco,
alguma atitude mais ríspida e insensata de irmãos e
irmãs espíritas, ainda que os meses ou os anos tenham
rolado sobre os fatos passados.
É urgente que despertemos para a realidade, ou seja, que
nós também não somos infalíveis, ao contrário,
arrastamos conosco inúmeras imperfeições, defeitos
muitas vezes graves e, no entanto, os que convivem
conosco realizam verdadeiras maratonas de indulgência e
de benevolência, de modo a não nos complicarem a
problemática, oferecendo “a outra face”, isto é,
renovando oportunidades ao Bem, até que enxerguemos o
quanto estivéramos equivocados, esgrimindo frases duras
e exigindo atestados de santidade dos outros, sendo que
nós ainda engatinhamos nos primeiros degraus da escada
evolutiva.
Enquanto não nos dispusermos a esquecer todo o mal e a
registrar e reforçar todo o bem, não alcançaremos a tão
sonhada e desejada paz, está claro; é lógico que não
respiraremos em clima de calmaria, entretecendo laços de
ódio, açulando nos demais os sentimentos de desforço, de
vingança, ao estimularmos o sectarismo, a separatividade,
a dissensão, a discórdia, espalhando más notícias e
malquerenças, difundindo fofocas e apoiando o racismo, a
“guerra dos sexos” e o nacionalismo apaixonado.
É imprescindível que realizemos a operação reversa, qual
seja, que extraiamos de nós a in-tolerância, que
foi introjetada, cultivada em nossa intimidade
e entronizemos a tolerância, para que passe a reinar
sobre nós.
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