A família dos
dias atuais está evoluindo a largos passos na educação, acesso à tecnologia e
saúde, mas e o componente espiritual? Como será que os núcleos familiares
colocam esta porção tão fundamental para o alicerce moral e social? Conversamos
com Denise Cardoso, psicóloga especialista em terapia de casal e família e
membro da Associação Médico-Espírita de Santo Ângelo (RS), sobre o papel da
espiritualidade na família contemporânea.
A
religiosidade ou a frequência religiosa pode estimular a espiritualidade?
A
espiritualidade é uma dimensão da experiência humana e da vida familiar. As
crenças e práticas espirituais têm ancorado e nutrido as famílias por milênios e
nas mais diversas culturas. Hoje, a grande maioria das famílias por todo o mundo
adota alguma forma de expressão para suas necessidades espirituais, tanto dentro
quanto fora da religião organizada. Conforme o exposto, sem dúvida, a frequência
religiosa estimula a espiritualidade. Frequentar uma religião seria um
investimento nosso em um conjunto de valores internos, sentido de vida que
transcende a matéria, aquisição de conhecimento que vai nortear a fé de cada um,
condições estas que adquirimos com a prática.
A
espiritualidade flui e emerge em significância durante o curso da vida. Com
ligações neurobiológicas, envolve a mais profunda e genuína conexão dentro do
self (eu), considerado como nosso espírito interior, o centro do ser ou da alma.
Inclui valores éticos e uma bússola moral, expandindo a consciência para a
responsabilidade por si mesmo e além de si, com consciência da nossa
interdependência. Dessa forma a espiritualidade transcende o self (eu): ela
estimula uma noção de significado, plenitude, harmonia e conexão com todos os
outros – desde os vínculos mais íntimos até a família estendida e as redes na
comunidade até uma unidade com a vida, a natureza e o universo.
A maioria das
pessoas diz que suas crenças religiosas as ajudam a resolver os problemas, a
respeitarem a si mesmas e aos outros, a ajudarem os necessitados a se manterem
afastados de coisas que eles sabem que não devem fazer. A partir disso, a
religião pode ser a expressão de uma espiritualidade organizada, definida em
suas estruturas podendo refletir na forma como a pessoa tem contato com a
realidade, trazendo mais auxilio e compreensão às suas vidas.
Em que
momento se devem introduzir assuntos sobre a temática espiritual?
A meu ver,
abordar a temática espiritual dentro do lar deve acontecer desde sempre, onde os
pais seriam o exemplo, a partir do Evangelho no lar, da frequência, pelo menos
uma vez por semana, a uma casa espírita, igreja, templo de oração, construindo
na família o entendimento da importância da fé em nossas vidas, e da crença no
ser superior que é Deus.
Kardec, em O
Livro dos Espíritos, nos fala, nas questões 659 e seguintes, sobre o valor e
caráter da prece, sendo esta um ato de adoração. Orar a Deus é pensar nele,
aproximar-se dele e colocar-se em comunicação com ele. Pela prece pode-se propor
três coisas: louvar, pedir e agradecer. E ele ainda nos diz que o homem que ora
torna-se melhor e mais forte ante as tentações do mal.
Mas não é
sempre assim que acontece, porque muitos dos que procuram ajuda espiritual não
só precisam resolver problemas imediatos, mas também anseiam por maior
significado e propósito na vida, ou seja, são carentes de informações e
conhecimentos. As fontes espirituais podem ser exploradas para oferecer uma
visão mais ampla da humanidade e conexões significativas que inspirem seu melhor
potencial. Os clínicos podem encorajar seus pacientes a identificar e utilizar
uma ampla gama de recursos espirituais potenciais que se ajustem aos seus
valores.
Há algum
ponto negativo no que se refere à religiosidade?
O ponto
negativo se apresenta a partir do momento em que aparecem os excessos, e o
desequilíbrio na vida, isto é, achar que ter fé e crença em Deus é frequentar
todos os dias o seu local de orações, deixar a família em casa em atendimento às
questões religiosas, não priorizar filhos e cônjuge. E também quando a religião
se torna tão rígida e inflexível que acaba sendo excessivamente restritiva e
limitadora. “A fé cega aceita, sem verificação, assim o verdadeiro como o falso,
e a cada passo se choca com a evidência e a razão. Levada ao excesso, produz o
fanatismo. Em assentada no erro, cedo ou tarde desmorona.” (O Evangelho
segundo o Espiritismo, cap. XIX item 6)
De acordo com o
médico norte-americano Harold Koenig, a religião pode encorajar pensamentos
mágicos, já que as pessoas rezam esperando uma cura como se Deus fosse um gênio
gigante prestes a atender todo e qualquer desejo humano.
O acima
relatado, muitas vezes, torna-se um entrave para que os aspectos religiosos
sejam vistos como algo a somar e não a dificultar a vida dos indivíduos. Visando
a minimizar ou evitar essas dificuldades faz-se necessário uma comunicação mais
aberta entre profissionais da saúde e pacientes, sobre assuntos espirituais,
entender o ponto de vista do paciente, compreendendo a lógica da sua decisão. E
no contexto familiar não é muito diferente, pois o diálogo entre os membros da
família é imprescindível à manutenção das relações equilibradas e saudáveis.
Na sua
experiência, quais os benefícios que a espiritualidade traz à dinâmica de uma
família?
Os indivíduos e
suas famílias buscam, em suas crenças religiosas, principalmente, o consolo e a
melhora para suas doenças físicas e da alma. As pessoas com conhecimentos
religiosos são mobilizadas a reduzir a ansiedade, aumentar a esperança ou o
senso de controle. Em relação à prática religiosa, as pessoas podem rezar,
meditar, ler escrituras religiosas, comparecer a serviços religiosos, tomar
parte em rituais religiosos, ou confiar no suporte religioso vindo do clero ou
de outros membros da igreja, sinagoga, mesquita ou templo. As crenças religiosas
e suas práticas são usadas para regular a emoção durante os tempos de doenças,
mudanças e circunstâncias que estão fora do controle pessoal dos indivíduos.
Embora as
diferenças de orientação religiosa, o alvo, o objetivo principal da
espiritualidade, é estar aberto à dimensão transcendente da vida e de todas as
relações, tanto na prática diária quanto na adversidade. Com um pluralismo
espiritual e investigação apreciativa, os terapeutas podem respeitar a
dignidade, o valor e o potencial de todos os membros da família e apoiar sua
jornada espiritual na busca de maior significado, conexão e realização enquanto
avançam em suas vidas.
Incentivar a
prática religiosa de forma alguma concorre com qualquer tratamento, só vem a
acrescentar mais recursos aos indivíduos, muitas vezes focados no materialismo e
carentes de Deus.
A partir da
retomada ou inserção de espiritualidade nos contextos familiares vejo a melhora,
e/ou abertura ao diálogo, que muitas vezes é o ponto de maior de divergência,
devido às dificuldades de respeitarmos o ponto de vista de cada um e nos
desvencilharmos do orgulho, da vaidade e do egoísmo. Ao invés de medirmos forças
uns com os outros (família), exercitamos o amor e a caridade, e só com
Deus/espiritualidade no coração é possível.