Na renovação de cada dia
“Ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o
interior, contudo, se renova dia a dia.” - Paulo
(II Coríntios, 4:16.)
Na segunda carta ao povo de Corinto, em trecho
bastante significativo, Paulo de Tarso, o
apóstolo do Cristo, afirma a superioridade dos
ensinamentos de Jesus, a necessidade de
transformação das consciências, o viver pela fé,
pelo Espírito - essência desses ensinos - e não
pela escrita e atos exteriores. Insiste que a
renovação da alma se efetua pelo trabalho que
ela realiza para o bem de todos.
Fala de suas atribulações, demonstrando a
grandeza de sua alma, dizendo textualmente: “somos
atribulados, mas não esmagados; postos em
extrema dificuldade, mas não aniquilados; embora
em nós, o homem exterior (referência ao
corpo físico) vá caminhando para a ruína, o
homem interior (referência ao Espírito) se
renova dia a dia” (...) “O que se vê”,
prossegue ele, “é transitório, mas, o que não
se vê, é eterno”.
A afirmação de Paulo é correta. Jesus havia dito
que cada um receberia de acordo com o que
tivesse realizado de bem e de bom, de nobre e
justo para si e para todos aqueles que lhe
compartilhassem a existência. Por esta razão, o
trabalho espiritual de renovação, de
transformação na forma de sentir, pensar e agir
é, segundo o ponto de vista de Jesus e da
afirmação do apóstolo, material importante para
nosso aperfeiçoamento evolutivo.
Para tanto, não poderemos nos deixar iludir pela
transitoriedade da matéria e, sim, procurarmos
fincar a semente do amor e da caridade em nossos
corações, amando e edificando em nosso íntimo a
humildade, a mansuetude, vigiando nossos
pensamentos e orando para que Deus ilumine
nossos caminhos, com a determinação e a real
vontade de cumprir os compromissos assumidos com
a Espiritualidade maior.
Em virtude da Lei de Progresso, tendo cada
Espírito a possibilidade de conquistar o bem que
lhe falta e libertar-se do mal, de acordo com
seus esforços pessoais e a sua vontade, resulta
que o futuro estará aberto para qualquer
criatura. E isto é, sem dúvida, uma grande
notícia.
Visto desta forma, o sofrimento é inerente à
imperfeição, como a felicidade é inerente à
perfeição. Cada um leva, portanto, em si
próprio, onde quer que se encontre, as
consequências naturais das suas escolhas
ilusórias. Por exemplo, a doença decorrerá dos
excessos e, o tédio, da ociosidade.
Então, o mal e o bem que praticamos são
resultados das boas ou das más qualidades morais
que possuímos. Pela Justiça divina, as
atribulações, as dificuldades pelas quais
passamos, nesta encarnação, vão variar segundo a
natureza e a gravidade das escolhas que tivermos
feito ou fizermos ainda. De qualquer modo,
independentemente de sermos Espíritos cordatos
ou rebeldes às leis divinas, Deus nunca nos
abandona.
Entendemos, assim, que para melhorar a vida
futura – muitas vezes ainda nesta existência –
precisaremos nos desfazer das imperfeições
morais da vida presente, pois “cada dia tem
sua lição, e cada experiência deixa o valor que
lhe corresponde”, segundo leciona Emmanuel,
no livro Fonte Viva, lição 141.
Todavia, o trabalho de renovação das disposições
íntimas vai exigir, de todo aquele que se
proponha executá-lo, perseverança e
determinação. Perseverança, por causa da
necessidade da repetição contínua e sistemática
na correção do desvio feito nos caminhos da
existência, e determinação para que não se
abandone o comprometimento com essa nova
atitude.
Importante notarmos que as ideias fantasiosas
que temos sobre renovação deixam-nos presos,
acorrentados a outros erros, e iludidos na
certeza de que a estamos realizando. Isso é um
alerta para que repensemos, mais uma vez, as
nossas predisposições diante dos problemas da
vida e das pessoas com as quais convivemos.
Quase sempre, por desconhecimento, apenas
trocamos o nome, o rótulo de antigos enganos,
que insistimos em manter – nos agrada tal
situação -, distorcendo o verdadeiro significado
de tal fato. Esse engano, parece-nos, está
ligado a essa noção equivocada de que estamos,
realmente, comprometidos com a mudança, mas não
estamos ainda.
A verdade é que se observarmos nossa conduta,
poderemos perceber, muitas vezes, que insistimos
em cometer os mesmos erros, fazendo as mesmas
escolhas equivocadas e guardando a certeza de
que já havíamos superado essa fase. Mas é a
consciência dessa repetência que permitirá nos
coloquemos em alerta, pois poderemos saber que,
ainda, estamos no início da caminhada e
distantes dessa superação.
As situações, nas quais somos chamados a dar
testemunho daquilo que já aprendemos – e quase
sempre supomos que já o fizemos –, constituem-se
em excelentes vitrines para essas observações.
São armadilhas que surgem para que nos testemos,
para que tenhamos um parâmetro da nossa
evolução, para que possamos medir o quanto,
ainda, a paciência, a tolerância com as
diferenças, o entendimento fraterno a quem nos
agride, a capacidade de perdoar e esquecer e
tantos outros, que imaginávamos já dominar,
estão longe do ideal da prática amorosa que
Jesus nos ensinou.
São decepções que infligimos a nós mesmos e que
sacodem a nossa acomodação, no pouco que
fizemos, mas que supomos ser muito. É importante
lembrar aqui que qualquer avanço na senda do
progresso é louvável e, às vezes, requer muito
esforço de quem o executa.
O que não pode ocorrer é a estagnação desse
movimento renovador, com a justificativa de que
muito já foi feito. Isso nos desequilibra e nos
adoece física e emocionalmente, permitindo que,
inúmeras vezes, sejamos alvos fáceis de
aproximação de outras mentes em desalinho, sejam
elas encarnadas ou desencarnadas. Por essa
razão, a superação de sentimentos inferiores,
sob o ponto de vista de Jesus, como os de
revide, vingança, vaidade, personalismo, por
exemplo – expressões do egoísmo na vida de
relação –, é de vital importância para a
recuperação e manutenção do equilíbrio e da
harmonia no âmbito da vida íntima. É essa
condição que nos permitirá não sermos feridos
pelas situações aflitivas e conflitantes que nos
cercam, proporcionando outro olhar sobre essas
armadilhas, um olhar com objetividade, dando a
cada situação o justo peso de importância.
Poderemos citar como exemplo o sofrimento de uma
mãe porque o
filho deixa o quarto desarrumado, enquanto fica
ouvindo música, esquecendo-se de dar graças a
Deus por ele estar em casa e não perdido nas
ruas pelo vício.
Para que isso ocorra, faz-se mister buscar
conhecer nossos sentimentos – raiz de nossas
escolhas –, dimensioná-los, estabelecendo
prioridades para serem trabalhados, com foco nas
suas transformações, partindo do mais simples e,
portanto, do mais fácil – aquele mais imediato,
mais próximo, que está mais claro para nós –
para o mais complexo e mais difícil. Um exemplo
comum: a
maneira diferente de fazer as tarefas gerando
brigas; objetos fora de lugar. São situações às
quais é dada uma importância que elas realmente
não têm.
O mais importante nesse processo, em última
análise, é ter a coragem de identificar esses
sentimentos malsãos, iniciar a tarefa de
renovação e, depois, permanecer nesse caminho.
Passeando entre a luz e a sombra, a razão e a
emoção, nunca acertaremos a rota se não nos
comprometermos com a mudança e perseverar nela,
mesmo que se tenha de refazer os passos mil
vezes.
Muitos de nós creem que somente a fé em Deus
seja suficiente para que essas mudanças ocorram.
Entretanto, a proposta de renovação, a qual
Jesus nos convida a realizar, transcende a
simples fé divina. Ela vai além e toca na
essência do Espírito, na vontade genuína de
realizá-la.
Daí a presença dessas duas forças
transformadoras em nós: a fé humana e a fé
divina, porque, ainda que se aceite a soberana
presença de Deus em nossa vida; ainda que a fé
nos leve a adorá-lo em Espírito e Verdade; ainda
que a Natureza O revele através das belezas que
nos cercam, se não O sentirmos e mostrarmos isso
ao mundo, através de nossas atitudes, nada terá
sentido. Aceitar a Sua presença e não vê-lo no
próximo é cegueira mental; adorá-lo em Espírito
e Verdade e só colocá-lo em altares terrenos é
diminuir-lhe a majestade; e vê-lo revelado em
Suas obras e não entendê-lo é olhar-se no
espelho e não o reconhecer em si mesmo, pois
somos uma de suas obras.
É na busca dessa identidade com o Criador que
reside nossa luta renovadora. “O Pai e eu
somos um só”, disse Jesus, mostrando que,
somente pela superação de nós mesmos e da
materialidade na qual insistimos em permanecer,
seremos livres e nos reconheceremos, finalmente,
como filhos de Deus.