A 1ª Guerra Mundial começava a assombrar o mundo, e
Chico já estava às voltas com fantasmas. Uma noite, seu
pai conversava com a mulher, Maria João de Deus, sobre o
aborto sofrido por uma vizinha, e desancava a moça. O
filho interrompeu o julgamento e, do alto de seus quatro
anos, proferiu a sentença: - O senhor está desinformado
sobre o assunto. O que houve foi um problema de nidação
inadequada do ovo, de modo que a criança adquiriu
posição ectópica.
Naquela casa pobre de Pedro Leopoldo, a frase soava tão fora de
propósito quanto a notícia de que, na longínqua Europa, a
Alemanha acabava de declarar guerra à Rússia. João Cândido
arregalou os olhos e balbuciou: - O que é nidação? O que é
ectópica?
Chico não sabia. Tinha repetido palavras sopradas por uma voz.
Os amigos da família Xavier, aqueles que desconheciam o discurso
médico feito pelo menino aos quatro anos, arriscavam uma
explicação para as alucinações de Chico: a morte da mãe, quando
ele tinha cinco anos. Maria João de Deus foi embora cedo demais
e, ao se despedir, deixou em casa um garoto ao mesmo tempo
magoado e impressionado.
Pouco antes de morrer, ela pediu ao marido que distribuísse os
nove filhos pelas casas de amigos e parentes. Só assim João
Cândido, vendedor de bilhetes de loteria, conseguiria viajar
pelas cidades vizinhas em busca de dinheiro.
Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.
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