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por Marcelo Teixeira

 

Para que o orgulho, se o futuro é a morte?


A frase acima ficava num quadrinho pendurado na parede da residência de um casal de tios. Toda vez que eu ia lá, olhava a plaquinha e pensava sobre a frase. Esse casal de tios – Albertina (ou Tininha, irmã mais velha de minha mãe) e Jovelino (a quem chamávamos Vivi) – era espírita. Com eles, aprendi muita coisa, que carrego até hoje. Uma bagagem valiosa de simplicidade e serviço ao próximo, que tento pôr em prática.

Para que o orgulho, se o futuro é a morte? Para que tentar passar por cima dos outros, contar vantagem, se julgar melhor por causa de títulos acadêmicos, bens materiais, poder político etc. se vamos todos morrer?

E depois da morte de nada adiantam títulos, honrarias, extratos bancários, cargos... Do lado de lá, não há “Chama fulano!”, “Deve estar havendo algum engano!”, “Você não sabe com quem está falando!”, “Eu tenho imunidade parlamentar!”... Como diz o Espírito JP (pseudônimo de um famoso político do século 20) no livro Políticos no Além, psicografado pelo médium Luiz Antônio Millecco, “Quando abandonamos o corpo físico, somos imediatamente defrontados por nós mesmos. Se a nossa colheita é de luz, felizes que somos, porque imediatamente essa luz nos banha e com ela vivemos, no plano espiritual, uma felicidade que não se pode traduzir em linguagem terrena. Se, porém, a nossa colheita é de sombras, ai de nós, porque não há escuridão pior que a escuridão de nós mesmos!”

Transcrevo esse trecho e penso na escuridão que envolve o atual cenário político do Brasil. Quanta gente infeliz! Quando partirem, não fugirão da escuridão de si próprios, por mais que argumentem ou vociferem.

Estou dizendo isso tudo porque quero conectar dois fatos por mim vividos em cemitérios. O primeiro foi quando do falecimento de minha mãe, em maio de 2018. Eu acompanhei a exumação dos restos mortais de dois tios (irmãos dela). Ambos já faleceram há um tempo, e era preciso limpar a sepultura, digamos. Enquanto os coveiros faziam o trabalho, eu conversava amistosamente com eles.

Conversa vai, conversa vem, eles me disseram que era raro alguém ter com eles uma conversa tão de igual para igual. Em geral, pessoas que acompanham exumações fazem cara de nojo, dizem que o trabalho dos coveiros é horrível, que não sabem como eles têm coragem de trabalhar com algo tão repugnante etc. Daí, para tratá-los mal, como eles disseram, é um passo. O resultado são comentários ríspidos, cruéis até, como se coveiros, por trabalharem sepultando e exumando, fossem a escória da humanidade. Um deles, então, me disse: – Essa gente esquece que também somos pais de família. Que temos filho na escola, pagamos contas e que esse é um trabalho como outro qualquer. E esquecem também que, por mais que nos tratem com desprezo, um dia também precisarão de nós! Disse também que ninguém escolhe ser coveiro, mas é o trabalho que aparece devido à baixa escolaridade etc. Só então me dei conta que, se estavam me dizendo tudo aquilo, é porque se sentiram à vontade devido ao tratamento cordial que eu lhes dispensava. Sou ainda muito imperfeito, mas dou graças a Deus por já ter feito algumas conquistas. Não ter esse tipo de preconceito e ver a morte como algo natural e nada assustador são algumas delas.

O segundo fato ocorreu há alguns dias. Desencarnou uma cunhada minha, Irene, viúva de um irmão falecido há mais de 30 anos (o mais velho do primeiro casamento do meu pai). Não via a Irene há muitos anos. Quando Afonso, meu irmão, morreu, ela foi embora para a cidade de São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Da última vez em que ela veio à minha casa, eu não estava.

Irene morreu de repente. Morreu dormindo. Eu, minha sobrinha e uma prima descemos a serra e fomos levar nosso abraço aos meus sobrinhos e sobrinhos-netos.

Dias de calor infernal no Grande Rio. Se em Petrópolis, Região Serrana, o calor tem castigado, em São João de Meriti nem se fala! Foi quando chegou a hora do enterro, marcado para as 16h. Fiquei observando aquele cemitério simples, mas cheio de humanidade. Uma humanidade que me fez lembrar a frase do quadrinho da casa dos meus tios. Apesar de ser um cemitério simples, havia alguns túmulos suntuosos em que o nome da família se destacava. “Jazigo da família XYZ” e por aí vai! Tive a impressão de que aquelas sepulturas queriam gritar certa superioridade em meio à simplicidade do cemitério de uma cidade idem. Para que o orgulho traduzido em forma de ostentação sepulcral se, além dali, terminam todas essas convenções?

Em seguida, passei a observar os coveiros. Camisas empapadas de suor por causa do calor escaldante. Um sepultamento atrás do outro, de meia em meia hora, desde o início da tarde! Isso fora os que devem ter ocorrido na parte da manhã! Terão sido bem tratados pelas famílias dos mortos que enterraram? Alguém se dignou a olhar com ternura para eles e a dizer obrigado? De onde vieram? Será que moram com dignidade? Será o salário satisfatório? Que sonhos possuem? Jamais saberei, mas fiz questão de sorrir, dizer obrigado e desejar algo bom a eles. Eles retribuíram e agradeceram. Talvez não estejam acostumados.

Um dia também meu corpo físico precisará do auxílio deles e da turma da funerária, seja para aprontar o cadáver, baixar à sepultura ou ser cremado, ainda não sei. Quando isso acontecer, espero que os familiares encarregados do meu funeral tratem com carinho e humanidade essa turma tão malvista por lidar todos os dias com a morte. Talvez a prevenção que muitos têm para com eles venha daí. Ninguém gosta de lembrar que morrerá um dia. Por isso, os tratam mal para não pensar sobre a brevidade das convenções materiais. Mas para que o orgulho, se o futuro é a morte e teremos fatalmente de passar pelas mãos dos profissionais da morte? 
 


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita