Muitos anos
atrás, passava eu por uma fase de inconformação. Queria dizer ao mundo o quanto
eu era cristã, que Jesus era maravilhoso, de como aquilo que Ele ensinou
continha toda a verdade, a mais pura verdade… e, quando me deparava com pessoas
de outras religiões que não comungavam comigo, logo ficava chateada. Se percebia
que o assunto causava mal-estar, me calava, mas não sem me sentir tolhida,
incompreendida, injustiçada. Queria gritar ao mundo as bênçãos que tinham
tocado a minha alma, desde menina. Queria “salvar" as pessoas da ignorância,
como se eu já fosse um poço de sabedoria…
Foi quando
decidi fazer uma visita a um querido amigo, o Sr. Spártaco Ghilardi, em São
Paulo. Spártaco, hoje no Mundo Espiritual, foi um grande amigo de Chico Xavier e
fundador do Grupo Espírita Batuíra, em São Paulo. Durante minha visita, escutou
meus muxoxos com toda aquela paciência que eu ainda não havia angariado na vida.
No final da
minha fala, com poucas palavras, foi logo ao ponto: “Minha filha… para ser
cristã, você não precisa escrever o nome do Cristo na sua testa. Apenas faça o
que tem de fazer.”
Nunca mais me
esqueci disto.
De lá para cá
me dediquei a estudar (também) as muitas tradições de sabedoria, a vida dos
grandes mestres. E fui encontrando, em todos eles, pontos em comum com aquilo
que Jesus nos ensinou. E é justamente nestes pontos de conexão que percebo meu
coração cantar.
Fui percebendo
que a Verdade pode ser encontrada em todas as culturas, em todas as épocas… e
meu orgulho foi diminuindo, como deve ser.
Até que, em determinado momento da vida, precisei me perguntar: “- Ora,
por que sou cristã? Por que não escolhi outra filosofia qualquer para nortear
minha vida, então?”
Refletindo,
percebi que em Jesus depreendo todos os pontos nos quais encontro sentido: sobre
o sagrado que está no corpo, na mente, no campo social e na espiritualidade. Em
Jesus aprendi sobre o perdão, a aceitação, a reencarnação, o acolhimento aos
marginalizados, o sentido da educação etc. Todos os conceitos me caem bem na
alma, formando uma filosofia robusta, impecável, que não pode ser alterada,
mesmo que, na prática dos religiosos, a realidade por vezes seja diferente…
Entendo que ele
representa “O Caminho a Verdade e a Vida” (Jo, 14:6), como afirmou, pouco antes
da crucificação.
Seus exemplos e
palavras trazem estes três elementos, tão essenciais para chegarmos ao nosso
objetivo final: nosso estado mais divino – a angelitude.
Quando penso no
“Caminho”, logo me vem à mente algo como “um suave percurso, onde a paz se faz
presente”. Penso em uma viagem, em que o dia está claro, as árvores lindas,
pássaros no céu, sol brilhando… a natureza está exuberante, a pista, tranquila,
o carro confortável, o coração aberto para tudo isso. Uma viagem em que consigo
estar aberta e presente, com a mente contemplativa e grata. Mesmo que o tempo
feche, as nuvens escuras apareçam, consigo ver a beleza também nisto. Se
precisar reduzir a velocidade, devido a pista mais perigosa, sem problemas.
Ainda assim, paz. Se existir alguém precisando de algo, posso parar, ajudar e,
depois, seguir. Tudo isso sem me desconectar do bom, do belo. E a melhor parte:
este caminho me leva a um lugar ainda melhor…
O Caminho
proposto por Jesus é também de espinhos, bem o sei, mas para isso existe um
porquê. E, consolador que é, o Mestre avisou que serão bem-aventurados os que
seguirem neste caminho… porque, apesar da dor e do pranto, nada de desespero,
desequilíbrios, sensações de desamparo.
Quando penso na
questão de Ele se intitular a “Verdade”, recordo dos evangelhos, das parábolas
que, de maneira simples e direta, falam de Deus, da vida, do essencial. Relembro
suas lições junto aos desvalidos, aos desesperançosos e orgulhosos. De como o
ego recebe atenção especial, com suas defesas e ignorâncias, sendo apontado por
Jesus como o grande entrave à verdade. Quando busco reler e interpretar a vida
de Jesus, percebo a Verdade não como conceito, mas como realização, como
prática. Ele viveu o que disse – por isso o chamamos Mestre.
E sim, Jesus é
Vida! Não apenas porque ressuscitou mortos, mas porque demonstra qual a vida
verdadeira, a que podemos viver, tanto na Terra como nos mundos espirituais.
Vida como experiência sagrada, como oportunidade de aprendizado, de troca, de
trabalho. Vida que nos ensina a lei da impermanência, o valor da própria
existência. Vida que, sob a perspectiva da morte do corpo, pode se encher de
significado e valor, quando a observamos com sabedoria.
Quando
percebemos a Vida a partir da ótica de Jesus, a valorizamos, como um momento
sagrado.
No livro Jesus no Lar, de Neio Lúcio – psicografia Francisco Cândido
Xavier –, existe um capítulo intitulado “O Talismã Divino”. Nele, Isabel, a
querida prima de Maria, mãe de João, o Batista, em determinado momento, indaga: “—
Senhor, terás contigo algum talismã de cuja virtude possamos desfrutar? Algum
objeto mágico que nos possa favorecer?”
Como emitir
alguma crítica ao que ela pede ao Mestre? Quem de nós não desejaria um talismã
capaz de retirar de nós todas as dores, facilitando a vida?
Para nosso
espanto, Neio Lúcio afirma que Jesus respondeu àquela pergunta inusitada com um “sim”!
Que tal talismã existe e que ele pode produzir efeitos realmente “milagrosos".
Disse Jesus que, quando o usamos com sabedoria, podemos chegar mais rapidamente
ao “Reino do Pai”, pois tal talismã nos oferece os dons do amor, descortinando a
verdade, permitindo sementeiras de alegria, com oportunidades de paz, de
trabalho, de acesso aos grandes Mestres, etc.
Confesso que,
lendo o início do tal capítulo, a curiosidade ficou grande. Qual seria esse tal
“talismã divino”?
Jesus responde: “– Esse bendito
talismã, Isabel, é propriedade comum a todos. É ‘a hora que estamos
atravessando’… Cada minuto de nossa alma permanece revestido de prodigioso poder
oculto, quando sabemos usá-lo no Infinito Bem, porque toda grandeza e toda
decadência, toda vitória e toda ruína são iniciadas com a colaboração do dia.
(…) O tempo é o divino talismã que devemos aproveitar…”
Portanto, na
Vida a única ferramenta real, eficiente, capaz de melhorar as coisas se chama
“tempo”. Ferramenta que devemos usar com sabedoria, com respeito e atenção.
Aliás, acredito
que aqui vale pensarmos na diferença entre “gastar o tempo” e “investir o
tempo”. No primeiro caso, tocamos a vida, displicentes, como robôs programados
apenas para a experiência material. Já quando estamos lúcidos, atentos, focados
no que realmente importa, cuidamos do nosso aspecto material, de maneira
sagrada, mas não só: damos a devida atenção aos aspectos psíquicos, sociais e
espirituais, cientes de que tudo importa para nosso progresso global, real,
contínuo. Investimos nosso tempo sagrado com tudo o que realmente importa.
O tempo, o aqui
e o agora, o que semeamos hoje é a certeza de colheita, no amanhã.
Sendo assim, se
tomamos Jesus pelo que ele mesmo afirmou: como sendo o Caminho, a Verdade e a
Vida, devemos entender que, no tempo bem vivido, podemos trilhar esta estrada,
conhecendo e vivendo a verdade, cuidando de viver com sabedoria. Algo como o
pensamento básico da engenharia: no menor tempo possível, com o maior
aproveitamento possível, com o menor gasto possível (dores e erros), obtermos o
melhor resultado possível.
E, quando assim
o percebemos, quando tomamos este modelo como sendo nosso ideal (vivendo dentro
do nosso melhor possível), somos cristãos, mesmo sem jamais pronunciarmos o nome
do Cristo. Assim como naquele dia, muitos anos atrás, meu querido amigo Spártaco
me contou…