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por Marcelo Teixeira

 

O dia em que minha prece foi ouvida


Trabalhei e estudei na cidade do Rio de Janeiro por muito tempo. Trabalhava de dia e estudava à noite. Às vezes dormia no Rio, mas na maioria das vezes voltava de ônibus-leito para Petrópolis ao fim do dia. À noite, o trânsito flui com tranquilidade, e a viagem, de cerca de uma hora, transcorre célere. Aproveitava para ler, estudar ou dormir. Além disso, o ônibus, com exceção das sextas-feiras, subia vazio a serra.

Quando saía da faculdade (Facha), no bairro de Botafogo, sempre pegava o 126 ou o 173. Ambos vão pelo Túnel Santa Bárbara, passam pelo Catumbi (perto do Sambódromo), Central do Brasil e por algumas ruas da Zona Portuária antes da parada final, próxima à Rodoviária Novo Rio.

Foi numa dessas ruas, desertas ao fim da noite, que aconteceu o que narro a seguir.

O coletivo, logo após contornar uma conhecida igreja do bairro de Santo Cristo, deu uma parada. Havia uma retenção no trânsito. Nada que me fizesse perder o ônibus para Petrópolis, mas era uma retenção atípica para a hora e o local. Os veículos voltaram a rodar cautelosamente. Eu estava sentado à esquerda (o lado do motorista) e à janela. Quando o ônibus cruzou determinado ponto, todos que estavam a bordo – principalmente os passageiros posicionados à esquerda, feito eu – puderam ver o motivo de o trânsito ter ficado um pouco lento: havia um corpo estendido no asfalto, próximo ao meio-fio.

Era um corpo de um jovem homem negro. Em volta dele, uma poça de sangue. Havia um ferimento na cabeça, se não me engano. Tudo indicava que aquele homem havia tomado um tiro. Nunca saberei se foi acerto de contas, queima de arquivo, troca de tiros com a polícia.... Mas estranhei o fato de meus companheiros do 126 não darem muita importância. As poucas pessoas que estavam na rua também não. E a viatura da polícia, parada um pouco adiante, idem. Para a Cidade Maravilhosa, nem sempre cheia de encantos mil, era apenas mais um bandido (será que era?) morto.

Olhei fixamente para aquele homem que jazia sem vida no asfalto e me enchi de misericórdia. Pensei em sua infância, família, pensei na vida que ele deve ter levado e o que havia acontecido para que sua existência terminasse de modo tão frio e cruel, atingido na cabeça por um projétil de arma de fogo.

Chegamos ao ponto final. Desci, atravessei a rua, entrei na rodoviária e comprei a passagem para Petrópolis numa janela do lado direito; lembro disso até hoje. Fui um dos primeiros a entrar. Sentei e abri um pouco a janela. A noite estava fresca. Eu precisava fazer algo por aquele homem que desencarnara de forma tão trágica. Um homem que nem uma vela acesa no asfalto havia merecido. Um homem que pela cor e condição social é relegado à senzala da exclusão, como infelizmente ocorre muito em nosso país.

Foi aí que eu fiz o que havia me dado vontade de fazer tão logo avistei o corpo estendido no chão: uma prece.

Aprendi com o Espiritismo, religião que professo, que uma prece tem um alcance inestimável, beneficiando muito o destinatário quando oramos de coração, sem palavras decoradas. Foi o que fiz. Pedi a Jesus por aquele homem. Pedi que os amigos espirituais acolhessem aquele Espírito recém-desencarnado com todo amor e misericórdia. Pedi por ele, familiares, por quem havia dado o tiro... Não lembro as palavras que utilizei, só o sentimento de compaixão que havia me tomado desde o momento em que vi o corpo. E foi essa compaixão que me levou a orar por um bom tempo por aquele nosso irmão em humanidade que não havia tido as mesmas oportunidades que eu. Mergulhei fundo naquela prece; tão fundo que nem lembro mais por quanto tempo fiquei orando. Foi uma prece do tamanho do amor que senti por aquele homem. Uma longa, profunda e sentida prece.

Quando eu terminei, estava me sentindo muito bem. Uma indescritível sensação de bem-estar e tranquilidade havia me tomado. Adormeci. Quando acordei, já estávamos em Petrópolis.

Cheguei bem em casa, comentei o ocorrido com meus pais, fui dormir bem, acordei bem e fui feliz trabalhar. A minha prece havia sido ouvida! Melhor ainda, havia sido atendida! Tenho certeza que os amigos espirituais socorreram aquele Espírito. Certeza absoluta!

E até hoje, quando recordo essa história – lá se vão quase 20 anos – experimento um profundo bem-estar porque sei que ganhei um amigo do lado lá. Um amigo com quem não convivi, cujo nome não soube, mas que está ligado a mim por ter sido socorrido pela Providência Divina graças a uma prece que fiz com o coração!

 


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita