O dia em que minha prece foi ouvida
Trabalhei e estudei na cidade do Rio de Janeiro por
muito tempo. Trabalhava de dia e estudava à noite. Às
vezes dormia no Rio, mas na maioria das vezes voltava de
ônibus-leito para Petrópolis ao fim do dia. À noite, o
trânsito flui com tranquilidade, e a viagem, de cerca de
uma hora, transcorre célere. Aproveitava para ler,
estudar ou dormir. Além disso, o ônibus, com exceção das
sextas-feiras, subia vazio a serra.
Quando saía da faculdade (Facha), no bairro de Botafogo,
sempre pegava o 126 ou o 173. Ambos vão pelo Túnel Santa
Bárbara, passam pelo Catumbi (perto do Sambódromo),
Central do Brasil e por algumas ruas da Zona Portuária
antes da parada final, próxima à Rodoviária Novo Rio.
Foi numa dessas ruas, desertas ao fim da noite, que
aconteceu o que narro a seguir.
O coletivo, logo após contornar uma conhecida igreja do
bairro de Santo Cristo, deu uma parada. Havia uma
retenção no trânsito. Nada que me fizesse perder o
ônibus para Petrópolis, mas era uma retenção atípica
para a hora e o local. Os veículos voltaram a rodar
cautelosamente. Eu estava sentado à esquerda (o lado do
motorista) e à janela. Quando o ônibus cruzou
determinado ponto, todos que estavam a bordo –
principalmente os passageiros posicionados à esquerda,
feito eu – puderam ver o motivo de o trânsito ter ficado
um pouco lento: havia um corpo estendido no asfalto,
próximo ao meio-fio.
Era um corpo de um jovem homem negro. Em volta dele, uma
poça de sangue. Havia um ferimento na cabeça, se não me
engano. Tudo indicava que aquele homem havia tomado um
tiro. Nunca saberei se foi acerto de contas, queima de
arquivo, troca de tiros com a polícia.... Mas estranhei
o fato de meus companheiros do 126 não darem muita
importância. As poucas pessoas que estavam na rua também
não. E a viatura da polícia, parada um pouco adiante,
idem. Para a Cidade Maravilhosa, nem sempre cheia de
encantos mil, era apenas mais um bandido (será que era?)
morto.
Olhei fixamente para aquele homem que jazia sem vida no
asfalto e me enchi de misericórdia. Pensei em sua
infância, família, pensei na vida que ele deve ter
levado e o que havia acontecido para que sua existência
terminasse de modo tão frio e cruel, atingido na cabeça
por um projétil de arma de fogo.
Chegamos ao ponto final. Desci, atravessei a rua, entrei
na rodoviária e comprei a passagem para Petrópolis numa
janela do lado direito; lembro disso até hoje. Fui um
dos primeiros a entrar. Sentei e abri um pouco a janela.
A noite estava fresca. Eu precisava fazer algo por
aquele homem que desencarnara de forma tão trágica. Um
homem que nem uma vela acesa no asfalto havia merecido.
Um homem que pela cor e condição social é relegado à
senzala da exclusão, como infelizmente ocorre muito em
nosso país.
Foi aí que eu fiz o que havia me dado vontade de fazer
tão logo avistei o corpo estendido no chão: uma prece.
Aprendi com o Espiritismo, religião que professo, que
uma prece tem um alcance inestimável, beneficiando muito
o destinatário quando oramos de coração, sem palavras
decoradas. Foi o que fiz. Pedi a Jesus por aquele homem.
Pedi que os amigos espirituais acolhessem aquele
Espírito recém-desencarnado com todo amor e
misericórdia. Pedi por ele, familiares, por quem havia
dado o tiro... Não lembro as palavras que utilizei, só o
sentimento de compaixão que havia me tomado desde o
momento em que vi o corpo. E foi essa compaixão que me
levou a orar por um bom tempo por aquele nosso irmão em
humanidade que não havia tido as mesmas oportunidades
que eu. Mergulhei fundo naquela prece; tão fundo que nem
lembro mais por quanto tempo fiquei orando. Foi uma
prece do tamanho do amor que senti por aquele homem. Uma
longa, profunda e sentida prece.
Quando eu terminei, estava me sentindo muito bem. Uma
indescritível sensação de bem-estar e tranquilidade
havia me tomado. Adormeci. Quando acordei, já estávamos
em Petrópolis.
Cheguei bem em casa, comentei o ocorrido com meus pais,
fui dormir bem, acordei bem e fui feliz trabalhar. A
minha prece havia sido ouvida! Melhor ainda, havia sido
atendida! Tenho certeza que os amigos espirituais
socorreram aquele Espírito. Certeza absoluta!
E até hoje, quando recordo essa história – lá se vão
quase 20 anos – experimento um profundo bem-estar porque
sei que ganhei um amigo do lado lá. Um amigo com quem
não convivi, cujo nome não soube, mas que está ligado a
mim por ter sido socorrido pela Providência Divina
graças a uma prece que fiz com o coração!