Coletividade humana de
valores
A supremacia da
comunidade humana
justifica-se por
inúmeras
características, das
quais, e de entre
outras, se podem
destacar: a sua
organização societária;
uma história construída,
interpretada e reescrita
ao longo do tempo; um
código de comunicação,
cada vez mais elaborado
e diversificado, não só
por diferentes idiomas,
como também pelos tipos
de linguagens: verbal e,
ainda mais
abrangentemente, não
verbal; um território
físico espacial bem
definido; diversas
alternativas de ocupação
do tempo, nomeadamente
pelos: trabalho físico e
mental; lazer e
descanso; devidamente
estruturadas ao longo do
tempo; um sistema
socioaxiológico,
relativamente
hierarquizado e
variável, em função da
cultura, das tradições,
usos e costumes, de cada
comunidade. Cada uma das
características
enumeradas comporta, em
si mesma, outras
variantes, instrumentos
e recursos que conduzem
à respectiva aplicação
prática, na comunidade
local e também no
contexto nacional e,
mais dilatadamente, ao
nível internacional.
A organização societária
envolve, contudo, um
sistema cada vez mais
aperfeiçoado, e mesmo
muito sofisticado, que
vai desde a organização
política e
administrativa do espaço
e das pessoas, ao estudo
e utilização dos
recursos naturais e
humanos existentes.
O sistema que faz da
sociedade humana a mais
avançada, pelo menos no
atual estágio do
conhecimento, envolve as
diversas dimensões da
pessoa humana: política,
religiosa, social,
econômica, educacional,
cultural, laboral,
técnica, científica,
comunicacional e
axiológica, entre muitas
outras possíveis e/ou
existentes em
comunidades diferentes.
O ser humano está dotado
de imensas capacidades e
faculdades
extraordinárias como a
imaginação, a
criatividade e um
pensamento sem
fronteiras, todavia,
muitos problemas
persistem como os que
decorrem dos conflitos,
da miséria, da fome, da
doença, do sofrimento,
das desigualdades e da
ausência de respostas
para questões que
continuam a atormentar a
vida pessoal e
comunitária.
Na verdade: «A vida
já não transcorre num
mundo fechado, cujo
centro é o homem; o
mundo é agora ilimitado
e, ao mesmo tempo,
ameaçador. Ao perder seu
lugar fixo num mundo
fechado, o homem já não
possui uma resposta às
perguntas sobre a
significação de sua
vida; o resultado disto
está no fato de que
agora ele é vítima da
dúvida sobre si e sobre
a finalidade de sua
existência. Está
ameaçado por forças
poderosas: o capital e o
mercado. Suas relações
com os outros homens,
agora que cada um é um
competidor potencial,
são superficiais e
hostis; é livre, isto é,
está sozinho, isolado,
ameaçado por todas as
partes». (KALINA &
KOVADLOFF, 1978:56-57.)
A superioridade da
pessoa humana, e da
comunidade em que ela se
integra, comprova-se,
justamente, pela sua
imensa capacidade de
criar, enfrentar e
resolver situações, que
vão do conflito e
confronto: físico e
armado; à invenção de
soluções, recursos e
técnicas para resolver
ou, pelo menos,
minimizar a dor e o
sofrimento ou as
consequências negativas
de certos fenômenos
naturais.
A realidade que é
descrita por muitos
autores, numa perspetiva
menos otimista e, por
vezes, até com algum
dramatismo, não poderá
constituir razão,
suficiente e
justificativa, de que
tudo está
irremediavelmente
perdido, porque, para
além do mundo, do homem
e das situações físicas
e objetivamente
concretas, existe a
pessoa humana de
princípios, valores,
sentimentos, emoções e
de fé.
A pessoa humana,
independentemente do seu
estatuto socioeconômico,
etnia, sexo, idade,
religião, situação
política ou orientação
sexual, está capacitada
para assumir-se como
responsável pelos
valores que manifesta,
se realmente for
coerente e honesta
consigo própria, logo,
ela sempre há de ser
detentora de alguns
valores e princípios que
a vão distinguir das
restantes espécies
animais e,
inclusivamente, dos seus
próprios semelhantes,
porque cada pessoa será
una, indivisível e
infalsificável em
relação a qualquer outra
da sua espécie.
Neste contexto, pode-se
considerar o valor como
sendo uma referência, um
ideal, um objetivo que
se pretende atingir,
porém, sem jamais
conseguir alcançá-lo. Os
valores são como
bússolas que se destinam
a orientar a pessoa e a
comunidade em que se
insere, em vista de um
fim compatível com a
dignidade humana, logo,
os valores, devem ser
ensinados,
interiorizados e
praticados, desde a mais
tenra idade, devem
acompanhar a pessoa ao
longo da sua vida.
A comunidade humana
está, portanto, obrigada
a desenvolver todo um
sistema axiológico, para
que a comunhão de
valores, princípios e
normas seja o mais
abrangente possível, e
assim poder usufruir de
idênticos direitos e
cumprir os inerentes
deveres que cabem a cada
pessoa. Precisando
melhor, pretende-se a
igualdade entre as
pessoas e a aplicação da
justiça social,
considerando,
naturalmente, o mérito e
o demérito de cada uma,
por isso se deve
evidenciar a igualdade
face à lei, à
responsabilidade e ao
esforço de cada cidadão.
No limite, importa
garantir a igualdade
quanto à dignidade que
assiste a toda pessoa
humana, porque: «(…)
a igual dignidade
pessoal postula, no
entanto, que se chegue a
condições de vida mais
humanas e justas. Com
efeito, as excessivas
desigualdades econômicas
e sociais entre os
membros e povos da única
família humana provocam
o escândalo e são
obstáculo à justiça
social, à equidade, à
dignidade de pessoa
humana e, finalmente, à
paz social e
internacional». (CONCÍLIO
VATICANO II, 1966:38.)
Ser parte integrante,
livre e responsável de
uma comunidade de
valores implica não só
preparação retórica,
como também uma práxis
rigorosa e ainda uma
grande sensibilidade
para assumir o exercício
do cumprimento integral
de normas sociais
elaboradas, impostas e
fiscalizadas pela
própria comunidade,
através dos respectivos
órgãos competentes,
legal e legitimamente
indigitados para o
efeito.
O homem, na sua dimensão
social, tem de viver em
permanente
convivencialidade e,
nestas circunstâncias,
ele não é totalmente
livre, ficando limitado
aos deveres e direitos
que lhe estão
consignados e que,
igualmente, são
atribuídos aos seus
semelhantes: «O homem
sozinho no universo tem
liberdade total porque
pode apropriar-se
daquilo que tenha
vontade. Porém, se forem
dois homens convivendo
neste mesmo universo,
para que haja a paz
entre eles, é necessário
que as condutas sejam
limitadas, pois o
universo continua um só
e cada um deles não pode
pretender a apropriação
de todas as coisas, sob
pena de impedir a
realização do outro. A
limitação das condutas
humanas é realizada pela
própria inteligência do
homem através das normas
sociais». (MARCELINO,
1987:73.)
Construir a comunidade
humana de valores, com o
patrimônio axiológico
individual de cada
pessoa, revela-se uma
missão interessante e
necessária, que deverá
ser assumida pelos
cidadãos, enquanto tais,
porém, sob a orientação
e coordenação de
instâncias
especializadas neste
domínio, com recurso a
profissionais das
ciências humanas, em
parceria com as ciências
exatas e as tecnologias:
ao técnico não lhe basta
saber fazer, se não
souber Saber ser e Saber
estar; ao teórico
ser-lhe-ia insuficiente
os saberes ser e estar
se não souber fazer.
A comunidade axiológica
tanto carece dos valores
imateriais como dos
materiais. A sociedade
não vive, apenas, de
sentimentos altruístas,
e não resistirá
indefinidamente se lhe
faltarem os recursos
materiais, desde logo
financeiros e
instrumentais. A
comunidade humana de
valores será constituída
por uma axiologia
multidiversificada,
adaptada a uma sociedade
cada vez mais exigente,
complexa e dinâmica e,
nestas circunstâncias,
são fundamentais os
valores espirituais,
sentimentais e
materiais, sem quaisquer
complexos nem
hipocrisias.
A comunidade humana de
valores será tanto mais
dinâmica, justa e
desenvolvida, quanto
mais os cidadãos que a
integram forem
bem-sucedidos na vida,
pela aquisição e reforço
dos respectivos valores
imateriais e materiais.
Nesse sentido: «A
propriedade privada ou
um certo domínio sobre
os bens externos
asseguram a cada um a
indispensável esfera de
autonomia pessoal e
familiar, e devem ser
considerados como que
uma extensão da
liberdade humana.
Finalmente, como
estimulam o exercício da
responsabilidade,
constituem uma das
condições das liberdades
civis». (CONCÍLIO
VATICANO II, 1966:101.)
Bibliografia:
KALINA,
Eduardo e KOVADLOFF,
Santiago, (1978). As
Ciladas da Cidade. São
Paulo: Brasiliense
MACEDO,
Sílvio, (1977). Curso
de Filosofia Social,
2ª Edição. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos
Editora
MARCELINO, Nelson C.,
(Org). (1987). Introdução
às Ciências Sociais.
Campinas: Papirus
Diamantino Lourenço
Rodrigues de Bártolo é
presidente do Núcleo
Acadêmico de Letras e
Artes de Portugal.
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