A Constituição da República e a eutanásia
O direito à morte com dignidade tem sido objeto de
severas divergências morais, médicas e legais nas mais
diversas sociedades espalhadas pelo mundo ocidental,
oriental e asiático. De fato, inúmeras são as polêmicas
éticas, profissionais e jurídicas, as quais envolvem, na
contemporaneidade, o fenômeno social da eutanásia.
Assim, a eutanásia pode ser definida cientificamente
como o direito ao óbito com dignidade no sentido de
interromper a vida humana com o intento de amenizar o
estado de agonia no qual se encontra o paciente.
Conforme o entendimento de vários juristas brasileiros,
a eutanásia não encontra, em princípio, fundamento legal
que a ampare em nosso ordenamento
jurídico-constitucional, uma vez que o direito à vida é
considerado inviolável e irrenunciável. Além disso, o
direito à vida está, também, tutelado entre os direitos
e garantias fundamentais previstos no “caput” do artigo
5° da Constituição da República. Ressalte-se, nessa
linha filosófica, que a vedação constitucional deve
abranger todas as espécies de eutanásia, isto é, a
eutanásia ativa bem como a eutanásia passiva, a qual é
também chamada cientificamente de ortotanásia.
Todavia, essa posição constitucional doutrinária não é
unânime em nosso ordenamento jurídico. Por conseguinte,
muito se discute, realmente, sobre o direito de praticar
de forma voluntária e consciente a eutanásia com o
objetivo de amenizar o sofrimento humano pelo qual passa
o enfermo. Assim, o direito à eutanásia
consubstancia-se, sobretudo, no fato médico e legal de
não mais ser possível o exercício da vida com dignidade
humana, a qual é princípio fundamental constitucional.
Segundo alguns constitucionalistas, a vida poderia ser,
assim, interrompida em benefício da dignidade do
paciente, o que flexibilizaria, consequentemente, os
princípios constitucionais da inviolabilidade e da
irrenunciabilidade no que concerne ao direito à vida.
Para alguns juristas, portanto, a eutanásia poderia ser
realmente realizada quando, por exemplo, ficar
comprovado que o óbito é inevitável, considerando, para
tanto, o grave quadro clínico no qual se encontra o
paciente. Nessa linha de pensamento, o procedimento
eutanásico deve ser, ainda, autorizado pelo enfermo e
acompanhado por profissionais da área de saúde.
Não obstante as inúmeras polêmicas éticas, jurídicas e
sociais que envolvem a prática da eutanásia, não podemos
esquecer-nos, ainda, de que nosso Código Civil, no
artigo 15, afirma: “ninguém
pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida,
a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.
Ademais, o próprio artigo 5°, inciso III, da
Constituição da República também afirma que: “ninguém
será submetido a tratamento desumano ou degradante”.
Fica claro, portanto, que nosso ordenamento jurídico
permite que o próprio paciente recuse o prolongamento de
uma vida indigna por meio de tratamento médico
considerado desumano e degradante.
Ricardo Lebourg Chaves é advogado,
professor de Direito e cristão gnóstico.