Caridade
com os
criminosos
Criminalidade, delinquência, crueldade e violência são
temas que têm se identificado com o nosso cotidiano. Em
pesquisas de opinião pública, quando se indaga quando as
maiores preocupações do homem contemporâneo, verifica-se
que segurança se encontra quase sempre entre as
três principais. A Organização mundial de saúde (OMS)
passou a considerar a violência como um problema de
saúde pública, pois a violência é, em quase todos os
países do mundo, a principal causa de mortalidade na
faixa etária dos 15 aos 45 anos.
Uma relevante questão relacionada à criminalidade humana
é a que se ocupa com a conduta diante do delinquente: O
que fazer? Como agir? Em O Evangelho segundo o
Espiritismo, Kardec inseriu, no capítulo XI, uma
mensagem mediúnica que trata do tema: Caridade com os
criminosos. Uma leitura atenta dessa mensagem nos
leva a propor, didaticamente, quatro atitudes que podem
e devem ser direcionadas àqueles indivíduos que vêm
assumindo um comportamento antissocial.
Primeira atitude: limitadora do dano
Indivíduos que ainda não se encontram em condições de
viver em sociedade, em decorrência de sua ação nociva,
devem ser afastados dela, até que demonstrem atitude
mental de mudança de pensamento. O afastamento
provisório do delinquente da sociedade tem três
finalidades: poupar a sociedade de sua ação deletéria,
impedir que ele continue agravando seu comprometimento
espiritual e levá-lo a refletir em torno de sua ação
equivocada, através de uma ação corretiva e educadora.
Na obra Memórias de um suicida, recebida pela
mediunidade de Yvonne Pereira, o autor espiritual relata
que, no Hospital Maria de Nazaré, que se responsabiliza
pelo acolhimento de suicidas, existe um local destinado
à reclusão de grandes criminosos (obviamente locais
condizentes com a dignidade humana), e que ali são
detidos até que demonstrem sinais de arrependimento. Um
desses criminosos, Agenor Penalva ali se encontrava há
38 anos.
Comenta Kardec que
se não lhes pusesse um freio às agressões, todos os bons
seriam suas vítimas[i]e
que, confiante na impunidade, retardaria seu avanço.[ii]
Segunda atitude: compassiva
Afirma Santo Agostinho que a justiça não exclui a
bondade.[iii] Irmã
Rosália lembra-nos que jamais devemos tratar com
desprezo o nosso semelhante[iv].
Em verdade, dois erros não fazem um acerto: são apenas
dois erros diferentes! Se agirmos em relação ao
criminoso de forma equivalente àquela em que ele age em
relação à sociedade, nos igualamos a ele e perdemos a
autoridade para corrigi-lo. Lembra Kardec que autoridade
legítima é a que se apoia no exemplo que dá do bem.[v] Assim,
a tortura, a desconsideração, a humilhação e o
apequenamento do delinquente apenas agravam o rancor que
muitos nutrem em relação à sociedade e em nada
contribuem em seu melhoramento moral.
Terceira atitude: instrutiva
Os índices de criminalidade são muito menores nas nações
com mais alto nível de escolaridade e estudos, mostraram
que a violência e a criminalidade declinam
proporcionalmente à elevação do QI (coeficiente de
inteligência) e ao hábito da leitura.
Quando se examinam as causas do processo civilizador e
da aceleração dos sentimentos humanitários que se
iniciaram nos séculos XVI e XVII e se estendem aos
nossos dias, a aquisição de conhecimento é colocada como
das mais relevantes. O conhecimento é um recurso
inesgotável de força psíquica, e quanto mais se usa,
mais se tem. Segundo Steven Pinker, neurocientista de
Harvard[vi],
a ordem dos eventos segue essa direção: avanços
tecnológicos na atividade editorial, produção em massa
de livros, expansão da alfabetização e popularidade do
romance e as grandes reformas humanitárias dos séculos
recentes. A reforma humanitária, caracterizada por uma
crescente redução das taxas de violência e
criminalidade, associada a uma maneira diferente de ver
o outro - não como um estranho a quem devo rejeitar, mas
como semelhante a quem me cabe acolher – foi precedida
por uma revolução da leitura.
Acredita Pinker que ler é uma tecnologia para mudança de
perspectiva. Quando nós temos na cabeça os pensamentos
de outra pessoa, observamos o mundo do ponto de vista
dessa pessoa e compartilhamos suas atitudes e reações.
Abre-se para nós outras janelas para o mundo, entendemos
que as coisas podem ser diferentes, sem que sejam
necessariamente melhores ou piores, e encontramos
recursos emocionais para acolher o outro. Os romances,
nesse particular, trazem à vida as aspirações e
privações de pessoas comuns, e exercita a nossa
habilidade de nos pôr no lugar do outro, o que, por sua
vez, nos indispõe contra punições cruéis e outras
violações dos direitos humanos. Os filósofos do
Iluminismo louvavam o modo como os romances levavam o
leitor a se identificar com outras pessoas e sentir por
elas um interesse compassivo.
Quarta atitude: educadora
Agenor Penalva, asilado no Hospital Maria de Nazaré, há
38 anos, recebia visita diária de um sacerdote/psicólogo
que dialogava longamente com ele, apresentando-lhe os
princípios fundamentais da ética universal da criatura
humana. Embora as leis morais existam na consciência
humana[vii],
muitos de nós as esquecemos e torna-se necessário que
nos sejam lembradas[viii].
Comenta Kardec que: não
há culpados que se não possam regenerar por meio da persuasão
e do exemplo [...]. Os Espíritos, por mais
perversos, acabam por corrigir-se com o tempo. O fato de
muitas vezes ser impossível regenerá-los prontamente,
não importa na inutilidade de tais esforços. Mesmo a
contragosto, as ideias sugeridas a tais Espíritos
fazem-nos refletir. São como sementes que, cedo
ou tarde, tivessem de frutificar. [ix]
[i] O
Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 11
[ii] O
Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 5
[iii] O
Livro dos Espíritos, item 1009
[iv] O
Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 13
[v] O
Evangelho segundo o Espiritismo, cap. X
[vi] Os
anjos bons de nossa natureza
[vii] O
Livro dos Espíritos, item 621
[viii] O
Livro dos Espíritos, item 621-a
[ix] O
Céu e o Inferno, cap. VII, parte II