Confissão de cantador
Sou convidado a dizer
Com toda a satisfação
Da paz que o povo encontrava
Na alegria do sertão.
Olhando a Terra de hoje
Com tanto aviso de lei,
Não sei se o mundo mudou
Ou se foi eu que mudei.
Conversa da noite antiga
Era encharcada de lua,
Mas hoje o tempo da noite
É a buzinança de rua.
A gente via na estrada
Céu bonito e flor de cheiro,
Agora, é gente apressada
Na procura do dinheiro.
Menino quando nascia
Vinha em bacia enfeitada,
Agora, é barriga aberta
E a criança numerada.
Uma cabocla passante,
Se alguém atrevia a olhar,
Via a morena vestida
Da cabeça ao calcanhar.
Hoje em dia, moça fina,
Sem diferença de hora,
Anda sem medo na rua,
Mostrando as pernas de fora.
Há dias, olhando o mar
De um monte de samambaia,
Perguntei qual era a tribo
Que estava em banho na praia.
Quis ver o quadro das ondas
Na dança de “traz e leva”,
Mas fiquei de pensamento
No tempo de Adão e Eva.
Vi tanto gajo nadando
E tanta moça faceira
Que ali se a serpente andasse
Era simples brincadeira.
Quando vi a tentação
Na cabeça como eu pus,
Rezei o “credo” três vezes
E fiz o sinal da cruz.
Renovei o pensamento,
Levei meus olhos ao céu,
Depois, voltei para o campo,
Rezando no mataréu.
Mesa de vida moderna
É papo de gente rica,
Pouca gente sabe o gosto
Da pamonha e da canjica.
Das frutas de minha terra,
Quantas delas conhecia!…
Ata, acari, jenipapo,
Axixá e melancia.
Manga doce vinha aos montes
Descendo de muro e rampa;
Hoje é fruta embalsamada
Em muita lata de tampa.
O santo quando saía
Em procissão benfazeja,
Todo o povo ajoelhava
Dizendo: “bendito seja”!…
Quem fala hoje na fé
A fim de salvar ateus
Já sabe que em qualquer praça
É pouca gente com Deus.
Negocião de hoje em dia,
Mostrando riqueza aberta,
É conversa clandestina,
Com ladroagem na certa.
Cantador tem seu limite,
Falar muito não me cabe,
Se a Terra ainda tem conserto
Só Deus, no Céu, é que sabe.
Do livro Assembleia de Luz, obra
mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido
Xavier.