Entrevista

por André Ribeiro Ferreira

O dependente químico não é um ser de moral baixa e sem solução

O pensamento acima está presente na entrevista que nos foi concedida pelo confrade José Henrique França Campos (foto), fundador da ONG Salve a Si e assessor técnico da FENNOCT – Federação Norte e Nordeste de Comunidades Terapêuticas.

Natural de Brasília (DF), onde reside, vindo de família católica, ele começou aos 12 anos de idade a interessar-se pela doutrina espírita. Em 2016 participou de um curso sobre Mediunidade na FEB - Federação Espírita Brasileira e, ao concluí-lo, passou a trabalhar na área da mediunidade em um dos grupos da Comunhão Espírita de Brasília, a que se vincula atualmente. 

Na entrevista que nos concedeu, ele nos fala, entre outros assuntos, sobre a proposta e os objetivos da ONG Salve a Si.

Conte-nos sua história de vida.

Sou brasiliense, filho de pioneiros. Meus pais vieram com meus avós construir a capital do Brasil. De forma resumida: sou filho e neto de alcoólatras, aos 11 anos experimentei canabis e, em meio à mediunidade que se manifestava, comecei o resgate de dívidas passadas, sofrendo na dependência química. Aos 18 anos saí de casa e fui viver em meio ao tráfico de drogas, abandonando minha família e fazendo de minha existência a somatória do caos e da dor nos vícios. Com significativa e curta melhora em 2000, consciente de minha missão de ajudar a outros a sair da dependência, fundei a ONG Salve a Si, registrando-a em cartório. Entretanto em meio a recaídas, aos 28 anos, em 2003, fui preso e condenado por tráfico em Paris. Liberto em 2006, voltei ao Brasil. Em 2008 fiz um tratamento e encontrei meu lugar, passando a cuidar de outros como eu e dedicando-me completamente à ONG Salve a Si.

Fale-nos sobre a suas atividades na Seara Espírita. 

Realizo palestras em diversos Centros Espíritas sobre a temática das drogas, as vicissitudes na vida física e no desencarne de usuários, tudo tendo como base a literatura de Allan Kardec. Exerço também a mediunidade ostensiva, com vidência, psicofonia, psicografia e como doutrinador.

O que o motivou a fundar a ONG Salve a Si?

O que me motivou foi a estabilidade mediúnica, o desejo de permanecer em sobriedade e de saber que o único meio para isso é vivendo a caridade, levando a outros o que veio até mim, sobriedade, serenidade e paz interior, caminhando na recuperação diária. Tive a ajuda de um casal que primeiramente nos emprestou a fazenda e depois nos permitiu comprá-la aos poucos, mas quem mais me ajudou foi minha mulher, Alexsandra, que viveu e vive ao meu lado as maiores de minhas angústias e a maior de minhas felicidades e que sempre está ao meu lado na caminhada.

Qual o objetivo e a proposta da Salve a Si?

O objetivo primordial da ONG Salve a Si é ajudar o dependente químico a recuperar seus valores morais, comportamentais e espirituais, dentro de uma filosofia de acolhimento que o leve à reabilitação social, familiar, profissional e cultural, por um período mínimo de seis meses até um ano de permanência em regime de residência, cuidando de sua família paralelamente e realizando ações nas Cracolândias, para construção de vínculo com população de rua e prevenção em escolas, universidades e empresas por meio de palestras e gincanas, gerando assim uma cultura de reabilitação, prevenção, cuidados, reestruturando famílias e promovendo a solidariedade e a caridade em todas as ações empreendidas.

Como é feito o trabalho com os dependentes químicos?

A metodologia do acolhimento reúne várias etapas: desintoxicação, acompanhamento psicológico, terapêutico e reinserção que apoia os acolhidos para o retorno à família em sobriedade.

O Programa Terapêutico adotado para o tratamento da dependência química é embasado no modelo psicossocial, em que a convivência entre os pares é o principal instrumento terapêutico, tendo por finalidade resgatar a cidadania dos acolhidos através de reabilitação psicológica, física, espiritual e social.
A linha de acolhimento busca resgatar o acolhido em todos os aspectos da vida, realizando intervenções nos aspectos emocionais, nas práticas de interações e reinserindo-os socialmente. Por meio de uma intervenção interdisciplinar, além de resgatarmos valores como respeito, dignidade e trabalho, auxiliamos os acolhidos também na reestruturação familiar, comunitária e financeira.

Realizamos atendimento individual e em grupo, para atingir essas finalidades. O tratamento é voltado na prevenção da recaída, na reconstrução do projeto de vida, na motivação do tratamento e no resgate da autoestima. Para isso, são realizadas reuniões de sentimentos, reuniões de confronto, atividades esportivas e lúdicas. O programa de tratamento estabelecido neste serviço de acolhimento está sob a responsabilidade da equipe técnica, profissional, com formação a nível superior.

O que você aprendeu com este trabalho?

Que a tolerância, a indulgência, o amor incondicional a partir da divulgação do Evangelho do Cristo para os que sofrem da dependência química permitem a mudança evolutiva necessária para a construção do novo ser, liberto dos vales negros da incompreensão, que é a principal razão da busca do preenchimento do vazio emocional com drogas. E que o resgate amoroso desses irmãos nos permite junto a eles reformar o nosso íntimo, paralelamente, pela prática diária da caridade e da fé raciocinada.

Quais as maiores dificuldades enfrentadas?

Preconceito de todos, dificuldades de financiamento para a manutenção do trabalho, ataques do mundo das sombras, ódio fomentador da segregação dos que não compreendem que o Evangelho é o caminho que nos leva à verdadeira evolução moral e, por fim, a ingratidão oriunda da inveja e do orgulho.

Quais os seus planos em relação à atividade assistencial e espírita para o futuro?

Temos como sonho a melhora do trabalho e sua eficácia tanto nos atendimentos da população de rua em situação de vulnerabilidade agravante, bem como a na expansão dos trabalhos na fazenda, como a criação de oficinas técnicas para cada vez melhor capacitar nossos acolhidos para o mercado de trabalho, a fim de que na reinserção social eles possam encontrar seu lugar nesta sociedade tão preconceituosa, restabelecendo de forma ética e digna sua autonomia e vida social. Pensamos também em criar outras unidade de nossa ONG para atender outros públicos com dependência química, tais como as mulheres e principalmente adolescentes.

Que orientação você pode dar a familiares e amigos de dependentes químicos? 

Ao identificarem o uso de drogas ou o abuso delas ou do álcool, que busquem ajuda profissional e recorram às comunidades terapêuticas, pois essa modalidade de acolhimento é a que mais produz resultados positivos, além dos grupos de ajuda mútua, tais como o AA (Alcoólicos Anônimos) e o NA (Narcóticos Anônimos). Lembrem-se de que essa doença é biopsicossocial e espiritual, por isso requer o máximo apoio e compreensão. Não considerem o dependente químico como um ser de moral baixa e sem solução; a última coisa de que ele precisa é de seu julgamento e condenação, cientes de que para cada encarnado usando drogas existem no mínimo outros 10 desencarnados vampirizando-o; por isso, o olhar acolhedor e compreensivo banhado de muito amor e tolerância produz em todos o desejo de mudança íntima, pois para todas as perguntas só existe uma resposta: o AMOR, que produziu em mim a mudança e, com certeza, irá fazer o mesmo naquele que sofre com o abuso de álcool e drogas.

Sua mensagem final aos nossos leitores.

Estou em sobriedade avançada há mais de 11 anos, após sofrer por 23. Hoje, aos 44 anos, estou cuidando de inúmeros irmãos que sofrem do mesmo mal, que podemos considerar como o “mal do século”. O Brasil é a Pátria do Evangelho e, ao mesmo tempo, o maior consumidor de crack no mundo e o segundo de cocaína. Na Europa e nos EUA a heroína e outras drogas, junto do álcool, vêm acelerando o processo desencarnatório de espíritos brilhantes que ainda não apresentam capacidade de lidar com as vicissitudes.

Se você, leitor amigo, não tem vícios, e coopera pelo bem social, procure, como eu, lutar para que nossos jovens não entrem nesse universo tão penoso e aniquilador de sonhos e famílias; pelo contrário, dedique-se pela caridade a proteger as crianças, pois prevenção é melhor do que tratar, e toda vida vale a pena ser resgatada.

Muito amor e sobriedade sempre e que as promessas do Consolador ecoem sempre em nossos corações mostrando o caminho pela caridade empregada ao próximo. Paz e luz sempre!

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita