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por Valéria de Oliveira Xavier da Silva

 

O valor da boa escolha


No dia 18/08/18, o site G1 exibiu matéria sob o título “Homem devolve carteira com R$ 1,2 mil que achou em rua de Goiânia e dispensa recompensa”. Através dela, ficamos sabendo que o marmoreiro Rodrigo Pereira Nunes encontrou no chão a carteira pertencente ao pecuarista Honório Babinski. A carteira ficou no chão, depois que seu proprietário saiu com o carro. Rodrigo não teve dúvidas: apesar de desempregado, procurou nas redes sociais o dono da carteira, e a devolveu, sem aceitar recompensa alguma.

Ele disse não ter titubeado em devolver, pois só passava pela sua cabeça o quanto o dinheiro poderia estar fazendo falta para o dono da carteira. E, apesar da tentativa de Honório lhe pagar recompensa pelo ato, Rodrigo não aceitou, dizendo que não precisava. A solução encontrada pelo pecuarista, então, foi elogiar nas redes sociais a atitude pouco comum do bom homem, bem como compartilhar os contatos telefônicos dele, a fim de que a notícia viralizada pudesse trazer contratos de trabalho para aquele homem cheio de fé.

Notícias assim inspiram corações. Fazem lembrar o meigo pedido de Cristo, dizendo “amai-vos uns aos outros, como eu vos amei” (Jo, 13: 34) e a recomendação: Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles; porque esta é a lei e os profetas” (Mt 7:12), assim como do codificador de nossa doutrina, Allan Kardec, explicando-nos, no Capítulo 11, Item 4  de OEvangelho segundo o Espiritismo, que “amar ao próximo como a si mesmo; fazer pelos outros o que gostaríamos que os outros fizessem por nós, é a expressão mais completa da caridade, porque resume todos os deveres do homem para com o próximo”. Ambos preceitos nos falam sobre o sentimento da empatia de corações que devemos ter na vida.

No primeiro ideal, Cristo nos demonstra o caminho certeiro, ao tornar-se Ele próprio o nosso candeeiro divino. Compreendendo profundamente as mazelas de nossas almas, coloca-se à disposição para que aprendamos com Ele a diluir as sombras de nossas incertezas, através do inesgotável brilho de sua luz, sempre a nos guiar.

Na interpretação de Kardec supracitada, recebemos orientações de que o amor verdadeiro é serviço. É trabalhar em prol de um mundo fraterno, onde o outro não é alguém a ser sobrepujado, mas sim alguém igual a mim, que precisará do meu melhor para que possa oferecer ou aprender a ser também o seu melhor. É buscar na educação dos pensamentos, e por consequência, nas ações para com o próximo, a base essencial do pacifismo edificante para a própria existência. 

Como vivemos ainda imersos em um mundo de desafios no que concerne à aplicação de uma conduta ética adequada, é natural que a atitude do valoroso homem, ao devolver intacta a carteira pertencente a outra pessoa, seja vista como algo digno de comoção. Mas, por outro lado, mediante o que aprendemos em nossa Doutrina Espírita, sabemos que o desfecho escolhido por Rodrigo se tratou apenas do caminho mais sensato a ser tomado. Segundo relato dele próprio, o momento tenso do desemprego não poderia ser justificativa suficiente para se colocar um valor material para sua paz de espírito.

Nosso olhar se volta para o desenrolar das horas a partir de seu relato, e refletimos sobre como estamos analisando a vida para escolher quais atitudes devemos ter para com o próximo. Tantas oportunidades de práticas mais acertadas poderiam estar acontecendo no lar, no trabalho, na casa espírita, e nós não as estamos reconhecendo como tais, porque talvez ainda não as estejamos valorando pela verdadeira ótica cristã. No evangelho de Mateus, Capítulo 6, versículo 21, consta o alerta de Jesus de que onde estivesse o nosso coração, ali estaria nosso tesouro. Então, temos que nos perguntar: onde está nosso tesouro?

Aprendemos que, para responder essa pergunta, basta que analisemos o que cada uma de nossas decisões nos tem trazido como consequências. O plantio de uma árvore sempre vai produzir uma frutificação correspondente à sua semente. Temos percebido que a época de transição planetária tem deixado transparente a condição de uma sociedade que, na maioria das vezes, utiliza o seu livre-arbítrio para a obtenção de usufrutos rápidos e materialistas. E sementes preciosas, como a fraternidade, a paciência para com os familiares e a honestidade, são lançadas ao sabor do vento, na insensata procura por randomizar o que clama por conscientização sobre responsabilidades e compromissos. 

Rodrigo não teria entregue a carteira se colocasse em primeiro lugar as suas dificuldades financeiras para fazer a sua escolha. E Honório poderia pensar, como consequência, que ali estava mais uma prova de que nossa sociedade egoica nunca vai ter jeito mesmo; as pessoas nas redes sociais não teriam sido tocadas em seus corações, e o mundo, portanto, seria um pouco menos colorido do que está hoje. Mas uma simples decisão, com desprendimento, desencadeou toda uma rede de esperança e alegrias infinitas na vida de todos que souberam do acontecido. É a constatação de que um simples facho de luz realmente pode afastar qualquer escuridão.

A história de Rodrigo segue com ele recebendo mensagens nas redes sociais de milhares de pessoas lhe ofertando carinho e admiração em retribuição à sua boa atitude, bem como alguns contratos de trabalho. Poderíamos então, até esta altura do texto, refletir que sua atitude se trata de exemplo da conduta acertada de todo aquele que deseja conhecer um verdadeiro estado de paz interior; também fica latente, pela sequência de fatos, que, devido a atos dessa natureza serem escassos na atualidade, trata-se de importante exemplo para a coletividade. Ambos pensamentos conversam entre si, complementando-se, pois, tanto para um, quanto para a sociedade, a ação reverberou produzindo apenas o bem. Mas, mesmo assim, elas não conseguem atingir o âmago do valor da atitude de Rodrigo.

É necessário que se faça uma viagem de mentes e corações para algo ainda mais profundo, rumo à essência do que realmente demonstra ser o valor inerente a uma boa escolha, e que está muito além do mero julgamento consequencial. Na atitude de Rodrigo, fica explícita a verdade gloriosa para todos aqueles que acreditam em Deus: a constatação de um ordenamento cósmico, regido pela perfeição divina, que nos criou com amor e para o amor. Portanto, a real boa escolha tem seu valor em nos tornar possível, de forma cada vez mais consciente, o íntimo diálogo com Deus, que nos habita. Só aí percebemos que fomos criados para trilhar por caminhos de bondade.

Voltamos dessa incursão em nós, vendo, pela lente translúcida da gratidão, um mundo completamente diferente. Percebemos que, na equação entre o ofertar e receber, o humilde verbo servir fulgura como o valor ideal, na forma de vivências em oportunidades redentoras. Agir no bem é nossa alma - girassol por vontade própria - voltando-se à luz divina. Somente nesse íntimoreligare, vemos quão felizes podemos ser, literalmente, graças a Deus.

 

Este artigo foi contemplado no concurso “A Doutrina Explica”, ocorrido em 2018, promovido na turma do Curso de Palestrantes Espíritas do Distrito Federal, na Federação Espírita do Distrito Federal (FEDF). A autora é palestrante e articulista espírita radicada em Brasília, Distrito Federal.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita