Apropriação
A Doutrina Espírita é a chave que nos faculta tudo
compreender de modo fácil
“Meu amigo, como entraste aqui sem a túnica nupcial?” -
Mateus, 22: 12.
Segundo Allan Kardec,
à exceção do ensino moral, as demais partes em que se
divide o Evangelho sempre deram azo a polêmicas. O
invariável corolário disso é um infindável nascedouro de
novas doutrinas que reciprocamente se anatematizam, vez
que cada uma, querendo possuir a exclusividade absoluta
sobre a verdade, interpreta com as lentes distorcidas da
ignorância, a bel-prazer, o conteúdo do Evangelho...
Mais preocupadas em anatematizar e escravizar mentes, em
combater os antípodas que propriamente proclamar a
verdade, permanecem em constante estado de beligerância,
podando ciosa e impiedosamente todo broto que saia de
seu tronco dogmático.
Dentre as doutrinas mais visadas, por seu alto conteúdo
emancipador, destaca-se a Doutrina Espírita como “saco
de pancadas” de seitas diversas que se acumpliciam
para combater o inimigo comum. Dentre as
condenações especiosas de que lançam mão, convocando
inclusive os préstimos do “diabo” para
auxiliar-lhes nesse mister, a mais comum de todas está
em invectivar contra o intercâmbio com os chamados “mortos”.
Uma determinada seita, para justificar a proibição e
pretensamente invalidar o fenômeno mediúnico, cita a
passagem do rico e Lázaro: “está
posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os
que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem
tampouco os de lá passar para cá”; e, com base
nisso, acharam ferir de golpe mortal o intercâmbio
mediúnico, ainda mais quando Pai Abraão afirma: “se
não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão,
ainda que alguns dos mortos ressuscite”. (“Nec plus
ultra!...”.)
A Doutrina Espírita reage contra esses superlativos
insultos à inteligência, trazendo à peregrina luz da
razão os ensinamentos de Jesus não mais segundo a letra
que mata, mas segundo o Espírito que vivifica.
Ensina Kardec que Deus sempre apropria o meio aos seres
que o vão habitar: “os
peixes, na água; os seres terrestres, no ar; os seres
espirituais no fluido espiritual ou etéreo, mesmo que
estejam na Terra. O fluido etéreo está para as
necessidades do Espírito, como a atmosfera para a dos
encarnados. Ora, do mesmo modo que os peixes não podem
viver no ar; que os animais terrestres não podem viver
numa atmosfera muito rarefeita para seus pulmões, os
Espíritos inferiores não podem suportar o brilho e a
impressão dos fluidos, porque o Espírito morrer não
morre, mas uma força instintiva os mantém afastados
dali, como a criatura terrena se afasta do fogo. Eis aí
por que não podem sair do meio que lhes é apropriado à
natureza. Para mudarem de meio, precisam antes mudar
de natureza, despojar-se dos instintos materiais que os
retêm nos meios materiais; numa palavra, que se depurem
e moralmente se transformem. Então, gradualmente se
identificam com um meio mais depurado, que se lhes torna
uma necessidade, como os olhos, para quem viveu longo
tempo nas trevas, insensivelmente se habitua à luz do
dia e ao fulgor do Sol”.
Por extensão e analogia, compreendemos, assim, por que
aquele homem indesejável foi retirado do salão do
banquete, no registro de Mateus.
O motivo não era outro senão a sua inadequação para
estar ali, vez que não possuía a “veste nupcial”, isto
é, o ambiente psíquico estava muito depurado para as
suas vibrações grosseiras. Mas o rejeitado não ficaria
para sempre na região de “choros e ranger de dentes”. Tão
logo conseguisse confeccionar a “túnica nupcial”, tecendo-a
com os fios do amor e do conhecimento superior, seria
readmitido na festa, festa essa que outra não é senão o
Reino dos Céus.
Não falece a menor dúvida: a Doutrina Espírita é a chave
que nos faculta compreender todas as coisas de modo
fácil e lógico... Sem as abençoadas luzes proporcionadas
pelo Espiritismo, giraríamos em círculos criando utopias
e sofismas, permanecendo com a inteligência em profunda
hibernação, anestesiada...
A ferrenha agressividade dos detratores da Doutrina
Espírita repousa na insuficiência dos próprios
argumentos e respondem com primaríssimos e falsos
raciocínios o que não conseguem alcançar em seus
estreitos horizontes, obscurecidos que estão por
superlativo apoucamento mental e ilhados em suas inúteis
e danosas vaidades do que acham ser as suas “intelectualidades”, a
exemplo de Nicodemos, que, não obstante ser mestre em
Israel, não conseguia vislumbrar as extensas e
ilimitadas planícies do Mais Além que Jesus lhe
descortinara.
-
KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o
Espiritismo. 129. ed. Rio [de Janeiro]: FEB,
2009, Introdução.
-
KARDEC, Allan. A Gênese. 43. ed. Rio [de
Janeiro]: FEB, 2003, cap. XIV, item 11.