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por Claudio Viana Silveira

 
Esquálido contraste


Ela não possuía, absolutamente, o tradicional biótipo das mulheres que frequentam a minha praia, especialmente nesta época do ano.

As mulheres de minha praia, em época como esta, são fagueiras, irrequietas e revelam corpos exigentemente cuidados em academias visando à sua apresentação num frenético vai e vem na orla ou na avenida principal de minha praia. Mas ela assim não se apresentava!...

A grande maioria das mulheres da minha praia exibe-se em carrões, em bicicletas flamantes, com sandálias da moda ou, na pior das hipóteses, com tênis de boas marcas, no intuito de melhorar ainda mais suas performances. Mas ela não estava desfilando; não se exibia; tampouco andava assim!

As mulheres da minha praia carregam bolsas do hoje; coloridas sacolas com toalhas cheirosas; cremes caríssimos; boxes com bebidas de suas preferências; cuidadosos lanches com poucas calorias, e frutas deliciosas da época. Mas ela não tinha tais opções ou condições de portar nada disso!

As mulheres de minha praia andam em grupos, de preferência nas companhias de seus afins e se exibem e exibem os seus próximos e próximas como troféus. Mas ela não andava em grupo, tampouco exibia algum troféu, aliás, seu único afim era – imagino eu – o troféu que o Papai do Céu lhe houvera confiado...

As mulheres de minha praia, nesta época do ano – e aqui não vai nenhuma censura – fogem das costumeiras lidas: cozinha, panelas, compromissos com filhos e cônjuge; tais afazeres nesta época lhes causam horror! Causa-lhes arrepios... Mas ela estava ali para executar a ‘sua’ lida!

De meu confortável camarote,  percebi que ela chegou e foi logo tomando conta de sua tarefa: seus instrumentos de veraneio eram vassoura, pá, balde, imensos sacos pretos para lixo… Ela não possuía nenhum atrativo, pois seu corpo era esquálido e não referendava nenhuma marca de academia; a pele maltratada pela intempérie carecia de maiores atenções; as unhas, não as pude perceber e em seus pés havia sandálias que talvez a caridade alheia lhe presenteara.

Ela apeou tão simplesmente de sua charrete puxada pelo amigo de sua afinidade, tendo pela mão uma filhinha – suponho – tão esquálida quanto ela e muito menos fagueira que as filhas das mulheres de minha praia, pois parecia sonolenta e infeliz.

A única bolsa que portava era uma minúscula e surrada pochete, onde deveriam estar alguns pertences básicos: seu cigarro – talvez – algumas parcas moedas ou, talvez, algumas “tartarugas” ou “beija-flores”, enroladinhos, como os mais humildes conservam os trocos; quem sabe um batom rosa pink para demarcar uma feminilidade fragilizada.

Quanto às lides, eu imagino que o importante naquele momento era cumprir, sob um céu azul e sol apropriado – não ao seu veraneio –, a sua tarefa da melhor maneira possível; e o fez com esmero, para que as mulheres – e os homens – da minha praia por ali passassem e se sentissem mais felizes!

Ao término do trabalho, que executou com capricho, tomou a sonolenta e também esquálida menina pela mão – as mulheres e as crianças de minha praia não o são! – colocou a bolsinha no ombro, reproduzindo o vaidoso gesto comum de todas as mulheres de minha praia ou não. Acendeu um cigarrinho, vício este também comum às mulheres de minha praia, carregou suas tralhas em sua condução e deu de rédeas no fiel escudeiro, coisa que as mulheres de minha praia dificilmente o fariam.

Tenho-me chocado menos com estes esbarrões, pois hoje entendo um pouco mais destas questões. Mas lhes confesso que o esquálido contraste de ontem agrediu meu atual e ainda verdolengo entendimento...



  

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita