Esquálido contraste
Ela não possuía,
absolutamente, o
tradicional biótipo das
mulheres que frequentam
a minha praia,
especialmente nesta
época do ano.
As mulheres de minha
praia, em época como
esta, são fagueiras,
irrequietas e revelam
corpos
exigentemente cuidados
em academias visando à
sua apresentação num
frenético vai e vem na
orla ou na avenida
principal de minha
praia. Mas ela assim não
se apresentava!...
A grande maioria das
mulheres da minha praia
exibe-se em carrões, em
bicicletas flamantes, com
sandálias da moda ou, na
pior das hipóteses, com
tênis de boas marcas, no
intuito de melhorar
ainda mais suas
performances. Mas ela
não estava desfilando;
não se exibia; tampouco
andava assim!
As mulheres da minha
praia carregam bolsas do
hoje; coloridas sacolas
com toalhas cheirosas;
cremes
caríssimos; boxes com
bebidas de suas
preferências; cuidadosos
lanches com poucas
calorias, e frutas
deliciosas da época. Mas
ela não tinha tais
opções ou condições de
portar nada disso!
As mulheres de minha
praia andam em grupos,
de preferência nas
companhias de seus afins
e se exibem e exibem os
seus próximos e próximas
como troféus. Mas ela
não andava em grupo,
tampouco exibia algum
troféu, aliás, seu único
afim era – imagino eu –
o troféu que o
Papai do Céu lhe houvera
confiado...
As mulheres de minha
praia, nesta época do
ano – e aqui não vai
nenhuma censura – fogem
das costumeiras
lidas: cozinha,
panelas, compromissos
com filhos e cônjuge;
tais afazeres nesta
época lhes causam
horror! Causa-lhes
arrepios... Mas ela
estava ali para executar
a ‘sua’ lida!
De meu confortável
camarote, percebi que
ela chegou e foi logo
tomando conta de sua
tarefa: seus
instrumentos de
veraneio eram vassoura,
pá, balde, imensos sacos
pretos para lixo… Ela
não possuía nenhum
atrativo, pois seu corpo
era esquálido e não
referendava nenhuma
marca de academia; a
pele maltratada pela
intempérie carecia de
maiores atenções; as
unhas, não as pude
perceber e em seus pés
havia sandálias que
talvez a caridade alheia
lhe presenteara.
Ela apeou tão
simplesmente de sua
charrete puxada pelo
amigo de sua afinidade,
tendo pela mão uma
filhinha – suponho – tão
esquálida quanto ela e
muito menos fagueira que
as filhas das mulheres
de minha praia, pois
parecia sonolenta e
infeliz.
A única bolsa que
portava era uma
minúscula e surrada pochete, onde
deveriam estar alguns
pertences básicos: seu
cigarro – talvez –
algumas parcas moedas
ou, talvez,
algumas “tartarugas” ou “beija-flores”,
enroladinhos, como os
mais humildes conservam
os trocos; quem sabe um
batom rosa pink para
demarcar uma
feminilidade
fragilizada.
Quanto às lides, eu
imagino que o importante
naquele momento era
cumprir, sob um céu azul
e sol apropriado – não
ao seu veraneio –, a sua
tarefa da melhor maneira
possível; e o fez com
esmero, para que as
mulheres – e os homens –
da minha praia por ali
passassem e se sentissem
mais felizes!
Ao término do trabalho,
que executou com
capricho, tomou a
sonolenta e também
esquálida menina pela
mão – as mulheres e as
crianças de minha praia
não o são! – colocou a
bolsinha no ombro,
reproduzindo o vaidoso
gesto comum de todas as
mulheres de minha praia
ou não. Acendeu um
cigarrinho, vício este
também comum às mulheres
de minha praia, carregou
suas tralhas em sua
condução e deu de rédeas
no fiel escudeiro, coisa
que as mulheres de minha
praia dificilmente o
fariam.
Tenho-me chocado menos
com estes
esbarrões, pois hoje
entendo um pouco mais
destas questões. Mas
lhes confesso que o esquálido
contraste de ontem
agrediu meu atual
e ainda verdolengo
entendimento...
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