Paz: presente ou
construção?
“E, se lá houver um filho da paz, a vossa paz repousará
sobre ele; se não, voltará a vós.” Jesus (Lucas, 10:6.)
Este trecho retirado do Evangelho de Lucas refere-se ao
momento em que Jesus envia os 72 discípulos escolhidos
para irem pregar em várias cidades, dizendo “O reino de
Deus está próximo”, querendo com isso dizer que estava
próximo o momento em que cada indivíduo, cada Espírito,
tendo o conhecimento de sua condição de herdeiro da
Divindade, pudesse compreender que o verdadeiro Reino de
Deus está dentro de cada um, cabendo-nos a
responsabilidade pela sua construção, através do cultivo
das virtudes espirituais que Jesus veio nos ensinar.
A saudação usual naqueles tempos era: “Paz a esta casa”,
e Jesus, então, recomenda que se ao oferecer a paz
àqueles a quem visitavam, não houvesse ali ninguém que
dela fosse merecedor, ou seja, fosse um “filho da paz”,
esta voltaria a eles, e que não tentassem, pela vontade
de ver seu trabalho realizado, forçar ninguém a
aceitá-los e nem as suas novas ideias. Dessa forma,
Jesus recomendava que seus discípulos respeitassem a
condição espiritual daqueles com quem se encontrassem em
suas atividades de divulgação da Boa Nova, afirmando,
inclusive, que deveriam “sacudir o pó de suas sandálias”,
não no sentido de exclusão destes ou de sua condenação,
mas sim como uma orientação precisa e enfática para a
observação absoluta e inquestionável do livre-arbítrio
de cada um.
É muito comum, especialmente em nosso meio espírita,
desejarmos que a paz de Jesus nos envolva e esteja em
nossos corações. Mas, da mesma forma que os discípulos,
se não houver paz no coração daquele que exorta, como
daqueles a quem a exortação é dirigida, a paz voltará
para Jesus e não permanecerá entre aqueles que só
verbalmente a desejaram.
Mas o que isso quer dizer efetivamente? Afinal, Jesus
não nos disse: “A minha paz vos deixo, a minha paz vos
dou”? Essa questão pode ter algum sentido, no entanto,
por meio de um entendimento limitado das palavras do
Mestre, poderemos supor que essa paz de Jesus nos foi
dada como um presente, nada restando para nós a não ser
o petitório infindo, visando à instalação e manutenção
dessa paz divina, em nós e no ambiente em que
estivermos.
Emmanuel, o iluminado mentor de Chico Xavier, porém,
orienta-nos claramente para que cultivemos a paz.
Atentemos para o verbo CULTIVAR utilizado por ele. Quem
já teve a curiosidade de ver algum agricultor ou mesmo
alguém que tenha um jardim ou uma horta, poderá
responder como age essa pessoa.
Ela prepara o terreno, planta e depois cuida para que a
sua produção não seja prejudicada por ervas daninhas.
Protege contra a ação dos pássaros e vermes que buscam
alimento e que prejudicarão todo o resultado do seu
trabalho. Somente após todo esse esforço, faz então a
colheita.
Tomando esse exemplo para comparação, podemos entender
que a paz, conforme nos alerta Emmanuel, é o “fruto do
trabalho intenso do mundo íntimo, cessando as vozes da
inadaptação à Vontade divina”,
que são a crítica, a aspereza, a revolta, a ociosidade,
a indisciplina, o fel com que as palavras são emitidas,
que se comparam aos vermes que corroem a plantinha da
paz ainda em germinação.
Muitos rogam a paz, mas procuram a guerra. A paz e a
perturbação não podem conviver no mesmo ambiente, como a
sombra não pode existir onde haja luz. Não é possível
cultivar a paz por meio de pensamentos de disputa, de
dissensão, de inconformação, de ansiedade.
Emmanuel avisa que, para os comodistas, a paz legítima é
ainda realização muito distante porque, presos em sua
“comodidade”, nada fazem na sua construção, tornando-se
sementes que não germinam. Embora desejando-a, não agem
no sentido de instalá-la em suas próprias vidas. Essa a
razão de estarem tão distantes da paz e do amor. Não
saem do próprio mundo individual. Seu ego exige a
satisfação de todas as suas condições para sentirem-se
“felizes”, quando, na verdade, estão acumulando mais
tristezas e frustrações.
Devemos compreender que a compensação, ou a remuneração,
só virá após o trabalho feito. É da lei que a preparação
e o mérito antecedam o benefício, diz-nos Emmanuel. A
lei é meritocrática: “A cada um segundo as suas obras”.Portanto,
para termos a paz divina que desejamos, devemos
produzir, em nós mesmos, a nossa própria paz,
tornando-nos assim um “filho da paz”, sendo merecedores
dessa dádiva do Mestre, que a oferece a nós todos
sempre.
Diz-nos Emmanuel que ninguém atinge o bem-estar em
Cristo sem esforço no bem, sem disciplina elevada de
sentimentos, sem iluminação do próprio raciocínio.
Como nos ensina Jesus, se não estivermos com o campo
preparado pelo trabalho próprio de busca da paz
verdadeira, com a real intenção de instalá-la em nós
mesmos, essa paz dada pelo Cristo volta ao Cristo. A paz
celestial volta à origem, pois esta é uma conquista
intransferível de cada um.
[1] “Mas em qualquer cidade em que entrardes e não
fordes recebidos, saí para as praças e dizei: Até a
poeira da vossa cidade que se grudou aos nossos pés,
nós a sacudimos para deixá-la para vós.” (Lucas, 10:
10-11)
[2] EMMANUEL, Espírito. Vinha de Luz – psicografia
de Francisco Cândido Xavier – FEB – 2012 – 1ª. Ed.-
Brasília. Mensagem 65, Cultiva a Paz.
[3] Idem
[4] Mateus 17:27
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