Obsessão
múltipla
Dr. Moacyr entra no meu consultório trazendo seu neto de
16 anos.
Trabalhei na mesma Faculdade de medicina com Dr. Moacyr
e,
depois de relembrarmos momentos em que cruzamos pela
vida acadêmica, o Dr. Moacyr me faz as
"apresentações" de Marcinho.
O neto fora muito mimado, tinha um porte atlético,
tatuado em braços e panturrilhas, olhos espertos,
espantados, correndo para um lado e para outro da minha
sala.
Mas, por outro lado, o rapaz era muito agradável,
educação de família rica, viajado, prosa fácil, e tem
muitos amigos. Na verdade todo mundo gosta muito dele
ali no condomínio onde moram.
Está proibido de sair com a moto e, por exaustão, a mãe
o convenceu a ir passar alguns dias com o avô que o
sustenta.
Assim, o avô prestativo o acompanha até a academia de
ginástica, assistem à televisão juntos e fazem
caminhadas.
Mas, seu trabalho médico não lhe permite estar com
Marcinho o tempo todo – e, vez por outra, o rapaz ainda
sai com antigos amigos do condomínio.
De repente, no meio da consulta, Marcinho se levanta,
anda pela sala, faz umas contrações esquisitas com a
face, mexe a cabeça como se levasse um susto, tem
trejeitos com o corpo e passa a tocar nos objetos da
minha mesa, nos quadros da parede, tudo ele o faz
estabanado, bate uma coisa aqui outra ali, tropeça na
própria cadeira, pede desculpas uma atrás da outra (para
mim, esses pequenos sinais são sugestivos de
"perturbação espiritual" naqueles instantes).
Depois, ele começa a delirar um discurso confuso,
místico e tecnológico.
– Doutor Nubor, vou lhe trazer a fórmula que me
mandaram, "eles" têm como captar energia do ar, "eles"
falam comigo na tomada da televisão, até minha mãe já
ouviu a voz deles, é nítida, e têm uma energia que deixa
cheiro no ar – dá para o senhor sentir se for lá em
casa.
Esquizofrenia, bipolaridade, abuso de droga, tudo isso
já foi motivo para encaminhá-lo para internações que se
repetem, melhora dois ou três meses e tudo volta como
antes.
O avô me comove, vejo lágrimas nos seus olhos, me foge
qualquer palavra para o consolar; sente-se o quanto ele
ama esse neto, repete com carinho que o moço é uma ótima
pessoa quando está bem, ele é prestativo, ajuda até em
tarefa nos arquivos do consultório. É uma companhia e
tanto e vai longe a prosa com ele.
Marcinho está nesse vai e vem há 4 anos.
Não é difícil acreditar no que disseram nas reuniões do
Centro Espírita que o avô frequenta – são grupos
perturbadores, cobranças de desatinos passados e gente
perturbadora, feroz mesmo, que prometem não lhe dar
trégua.
Casos dessa gravidade levam anos, talvez vidas, umas
após a outra para se equilibrar.
Lição de casa:
Ensina Jesus que para esse tipo de Espírito exige-se
oração e jejum.
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