Em razão de alguns
companheiros afirmarem que o jornalista e escritor José Herculano Pires,
justamente designado “o metro que melhor mediu Kardec”, passou a ter uma visão
crítica das obras de André Luiz, resolvemos pesquisar na sua produção literária
para saber se, de fato, houve alguma mudança de opinião.
1) O Espírito e o
Tempo
[…] O estudo e os debates
devem cingir-se às obras da Codificação. Substituir as obras fundamentais por
outras, psicografadas ou não, é um inconveniente que se deve evitar. […]
Todas as obras de Kardec devem constar desses trabalhos, desde os livros
iniciáticos, passando pela Codificação propriamente dita, até aos volumes da Revista
Espírita. Precisamos nos convencer desta realidade que nem todos alcançam:
Espiritismo é Kardec porque foi ele o estruturador da Doutrina, permanentemente
assistido pelo Espírito da Verdade. Todos os demais livros espíritas, mediúnicos
ou não, são subsidiários. Estudar, por exemplo, uma obra de Emmanuel ou André
Luiz sem relacioná-la com as obras de Kardec, a pretexto de que esses autores
espirituais superaram o Mestre (cujas obras ainda não conhecemos
suficientemente) é demonstrar falta de compreensão do sentido e da natureza da
Doutrina. Esses e outros autores respeitáveis dão sua contribuição para a
nossa maior compreensão de Kardec. Não podem substituí-lo. […]. (PIRES, 2003, p.
190-191, grifo nosso)
2) Diálogo dos vivos
O Grupo Espírita Emmanuel –
GEEM publicou essa obra, na qual participam Herculano Pires e Chico Xavier.
Herculano Pires, assinando com o pseudônimo de “Irmão Saulo” escreve vários
artigos, dos quais destacamos os seguintes trechos:
Chico Xavier recebeu
psicograficamente, na série Nosso Lar, de André Luiz, e em outros
escritos, descrições curiosas dos espíritos sobre a influência espiritual em
nossas vidas através dos sonhos. E o
episódio que nos relata constitui uma prova espontânea da legitimidade da
teoria espírita dos sonhos, constante de O Livro dos Espíritos. Uma
prova a mais, pois na verdade são muitas as provas espontâneas dadas em todo o
mundo. (XAVIER e PIRES, 2011, p. 143, grifo nosso)
3) Mediunidade
[…] O mediunato da vidência
existe, mas para fins de auxílio às pesquisas ou para demonstrações da verdade
espírita, mas nunca para a criação de condições anômalas no campo mediúnico. As
próprias obras mediúnicas, psicografadas, que descrevem com excesso de minúcias
a vida no plano espiritual, devem ser encaradas com reserva pelos espíritas
estudiosos. Emmanuel explica, prefaciando um livro de André Luiz, que o autor
espiritual se serve de figuras analógicas para explicar fatos e coisas que
não poderiam ser explicados de maneira fidedigna em nossa linguagem humana. São
perigosas as duas posições extremadas: a dos que não aceitam essas obras como
válidas e a dos que pretendem substituir por elas as obras de Kardec. Os
princípios da Codificação não podem ser alterados pela obra de um espírito
isolado. […]. (PIRES, 1987, p. 27, grifo nosso)
[…] Livros como No
Invisível, de Léon Denis, e os livros de orientação mediúnica de Emmanuel e
André Luiz podem também ser usados como subsidiários, mas jamais colocados como
obras básicas da doutrina. Sem esse critério, muitos Centros e Grupos, e até
mesmo grandes instituições, caíram num plano de misticismo igrejeiro e de
autoritarismo sacerdotal que desfiguram e ridicularizam o Espiritismo. […].
(PIRES, 1987, p. 55, grifo nosso)
4) Na hora do
testemunho
No cumprimento de seu
luminoso mediunato, sem claudicar no tocante à fidelidade a Kardec, aos
princípios básicos da Doutrina Espírita, Chico Xavier se impôs ao meio espírita
do Brasil e do Mundo como um exemplo digno de admiração e respeito. Quando
certos confrades começaram a proclamar que os livros de Emmanuel e André Luiz
constituíam uma reforma doutrinária, esses dois espíritos, seguidos por Bezerra
de Menezes e outros luminares da Espiritualidade, começaram a transmitir
mensagens de valorização da obra de Kardec. Emmanuel, ante a aparecimento de
correntes chamadas de emmanuelistas e andreluizistas chegou mesmo a transmitir
uma série de livros correspondentes a cada uma das obras da Codificação
comentando os trechos fundamentais dessas obras.
Chico Xavier jamais
pretendeu sobrepor-se a Kardec, jamais se alistou entre os reformistas e
superadores do Codificador. Nem mesmo
aceitou, em tempo algum, que o considerassem como um líder espírita. Manteve-se
sempre na sua posição de médium, de intermediário dos espíritos, considerando-se
humilde servidor do Espiritismo. […]. (PIRES e XAVIER, 1978, p. 34, grifo nosso)
5) Vampirismo
[…] André Luiz refere-se
a ovoides, espíritos que perderam o seu corpo espiritual e se veem
fechados em si mesmos, envoltos numa espécie de membrana. Isso lembra a
teoria de Sartre sobre o em-si, forma anterior do ser espiritual, que a
rompe ao se projetar na existência por necessidade de comunicação. A ação
vampiresca desses ovoides é aceita por muitos espíritas amantes de
novidades. Mas essa novidade não tem condições científicas nem respaldo
metodológico para ser integrada na doutrina. Não passa de uma informação isolada
de um espírito. […] O Espiritismo estaria sujeito à mais completa deformação, se
os espíritas se entregassem ao delírio dos caçadores de novidades. André Luiz
manifesta-se como um neófito empolgado pela doutrina, empregando às vezes termos
que destoam da terminologia doutrinária e conceitos que nem sempre se ajustam
aos princípios espíritas. A ampla liberdade que o Espiritismo faculta aos
adeptos têm os seus limites rigorosamente fixados na metodologia kardeciana.
(PIRES, 1980, p. 15-16, grifo nosso)
6) O mistério do bem e
do mal
Capítulo – Descrições da
vida espiritual nas zonas inferiores do espaço, que trata das regiões em que os
espíritos continuam apegados às formas da vida material – “Ação e Reação”, de
André Luiz, uma contribuição dos espíritos para as comemorações do centenário:
Como se vê, “Ação e
Reação”, novo livro de André Luiz, que a Federação Espírita Brasileira acaba de
publicar, é uma contribuição espiritual para as comemorações do centenário. E
que excelente contribuição! O título é suficiente para indicar o conteúdo.
André Luiz faz uma ampla exposição do problema de ação e reação, através de
exemplos colhidos diretamente nas zonas sombrias em que vivem os espíritos
sofredores.
Os livros de André Luiz,
que já constituem volumosa coleção, valem por um verdadeiro trabalho de
ilustração dos princípios espíritas, por meio de relatos de episódios vividos
nos planos espirituais. Em Nosso Lar, primeiro volume da série, temos a
descrição pormenorizada de uma cidade espiritual,
destinada à preparação das criaturas para a espiritualidade superior. Em Os
Mensageiros, a descrição dantesca das zonas de sofrimento, regiões purgatoriais
ou infernais – como queiram –, em que se arrastam as almas dos que não
souberam compreender as oportunidades da encarnação terrena. Mensageiros são os
Espíritos superiores, que descem às zonas sombrias ou à própria face da terra
para trazerem socorro às criaturas entregues ao desespero, à angústia, ao
remorso e a todas as formas de sofrimento espiritual.
Em “Ação e Reação” os
fatos se passam, também, numa zona espiritual densamente carregada de
influências materiais. […].
[…].
Para os que não conhecem os
princípios da Doutrina Espírita e não estão familiarizados com descrições das
zonas espirituais mais próximas da crosta terrestre, tudo isso pode parecer
ilusório, imaginário, pouco provável. Mas os que sabem que os Espíritos não
são mais do que homens desencarnados e que, como os homens terrenos, vivem a sua
vida, executam os seus trabalhos e realizam as suas construções, compreendem bem
as descrições de André Luiz.
Há quem não admita a
existência de coisas tão concretas no plano espiritual. André Luiz se refere,
porém, às zonas inferiores, aquelas em que os Espíritos, ainda demasiado
apegados às formas da vida material, não conseguiram “libertar-se em espírito”. É
edificante ver, em “Ação e Reação”, como os Espíritos Superiores trabalham
nessas regiões, prestando sua assistência caridosa aos irmãos que se transviaram
nas sendas egoístas da vida terrena. (PIRES, 1992, p. 72-74, grifo nosso)
7) O infinito e o
finito
Capítulo – Mensagens
espíritas no exterior confirmam as recebidas no Brasil, cujo tema são Livros de
Chico Xavier em confronto com obras francesas e inglesas – “A Vida nos Mundos
Invisíveis”, do reverendo anglicano Robert Hugh Benson, publicado em português:
Muitas pessoas encontram
dificuldades em aceitar as descrições da vida de além-túmulo, dos livros de
André Luiz, psicografados por Chico Xavier. Mesmo entre os espíritas, já
habituados a tratar dos problemas do “outro lado da vida”, essas descrições
encontraram no princípio, e ainda hoje encontram, certa relutância. Emmanuel
explicou, de maneira bastante clara e feliz, no prefácio de Os Mensageiros,
que os relatos de André Luz não devem ser tomados ao pé da letra, mas como um
esforço para objetivar, em linguagem terrena, as visões do mundo espiritual.
Apesar disso, a extrema semelhança da vida no espaço com a vida na terra ainda
perturba algumas pessoas e provoca várias críticas de religiosos e
materialistas.
[…].
No tocante às revelações
mediúnicas, as descrições de André Luiz não constituem novidade, a não ser
quanto ao que trazem de pessoal, da maneira de ver do autor. Já em O Céu e o
Inferno, Kardec apresenta descrições semelhantes. Na Revue Spirite, o
codificador publicou numerosos relatos de além-túmulo no mesmo sentido. Sir
Oliver Lodge apresenta quadros semelhantes em Raymond, Denis Bradley em Rumo
às Estrelas, e assim por diante. Agora, a Editora O Pensamento, desta
capital, acaba de lançar a tradução de Life in the World Unseen, de
Anthony Borgia, com a versão do título para A Vida nos Mundos Invisíveis.
O trabalho de tradução foi confiado a J. Escobar Faria, que realizou primoroso
trabalho.
Temos nesse livro curioso
uma nova versão da vida no além, com pormenores que confirmam plenamente as
descrições de André Luiz. O autor espiritual é o ex-reverendo Robert Hugh
Benson, filho de um ex-arcebispo de Cantuária, que à maneira de André Luz,
relata sua passagem para o lado de lá e descreve esse lado. A segunda parte do
livro oferece-nos uma espécie de geografia dos planos espirituais mais próximos
da face da Terra. Benson, que na vida
terrena escrevera a propósito de assuntos espirituais, dando interpretação
capciosa a algumas de suas experiências psíquicas, procura corrigir nesse livro
os seus erros dogmáticos de então. […]. (PIRES, 1989, p. 98-99, grifo nosso)
Ora, o que vimos foi
exatamente o contrário do que se insinua, pois Herculano Pires foi, na verdade,
um defensor das obras de André Luiz; combateu, é fato, os que na sua época
queriam transformá-las numa espécie de “Quarta Revelação”, o que significava
deixar totalmente em segundo plano (ou até mesmo renegar) as obras de Kardec,
reconhecidamente a “Terceira Revelação”; e aí, caro leitor amigo, “o apóstolo de
Kardec”, como diria Rizzini, não poupou críticas a eles.
Herculano Pires não se
mostrou tão intransigente a ponto de considerar todas as informações promanadas
da literatura de André Luiz como verdades absolutas; tinha, como se viu, sérios
questionamentos como, por exemplo, à questão da existência dos “ovoides”,
conforme se vê em um dos cinco textos acima.
É bom ressaltarmos que disso
não se pode generalizar, pois Herculano Pires deixa claro que somente “às
vezes” é que André Luiz empregava termos que destoavam da terminologia
doutrinária, e não que “tudo” que ele produziu destoava, como parece ser o
entendimento de alguns companheiros.
Referência bibliográfica:
KARDEC, A. Revista Espírita 1866. Araras,
SP: IDE, 1993.
PIRES, H. J. Mediunidade: conceituação da
mediunidade e análise geral dos seus problemas atuais. São Paulo: Edicel,
1987.
PIRES, J. H. e XAVIER, F. Na hora do testemunho.
São Paulo: Paideia, 1978.
PIRES, J. H. O Espírito e o tempo. São
Paulo: Edicel, 2003.
PIRES, J. H. O infinito e o finito. São
Bernardo do Campo, SP: Correio Fraterno, 1989.
PIRES, J. H. O mistério do bem e do mal. S.
Bernardo do Campo: Correio Fraterno, 1992.
PIRES, J. H. Vampirismo. São Paulo: Paideia,
1980.
RIZZINI, J. J. Herculano Pires, o apóstolo de
Kardec. São Paulo: Paideia, 2001.
XAVIER, F. C. E PIRES, J. H. Diálogo dos vivos. São
Bernardo do Campo, SP: GEEM, 2011.