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por Ricardo Baesso de Oliveira

 

Violência sexual: a questão do determinismo


O estupro configura-se como um crime bárbaro - a invasão daquilo que a pessoa tem de mais íntimo, seu espaço privado - e deve ser fortemente combatido em todas as instâncias possíveis.

Além das consequências físicas para as vítimas, que muitas vezes são consideráveis, as consequências psicológicas são assustadoramente graves: 80% das mulheres que foram vítimas de violência sexual apresentam sintomas de estresse pós-traumático, muitas têm depressão e pensam em suicídio. Cerca de metade das vítimas apresenta dificuldades sexuais em seus próprios relacionamentos nos 15 a 30 meses após o estupro. Acolher amorosamente a vítima do estupro e empreender todos os esforços para ajudá-la em sua rearmonização íntima é algo que não pode ser desconsiderado.

Lamentavelmente, durante a última década, nos Estados Unidos, a incidência de estupros aumentou quatro vezes mais que a de crimes em geral. Uma em cada quatro mulheres será estuprada nos E.U.A, em algum momento de sua vida, mas apenas 16% relatam o fato à polícia e menos de 5% dos acusados vão para a cadeia. [i]

Dois pontos doutrinários são importantes no entendimento cármico do estupro.

Primeiro - O mal não está previsto como ação fatal no destino das pessoas. Reencarnamos para fazer o bem, e, ao fazermos o mal, nos desviamos dos compromissos previamente delineados. Segundo Kardec, [...] pelo que toca às provas morais e às tentações, o Espírito, conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor de ceder ou de resistir.[ii] 

Lembra ainda o codificador que, escolhendo uma vida de lutas, sabe que terá ensejo de matar um de seus semelhantes, mas não sabe se o fará, visto que ao crime precederá quase sempre, de sua parte, a deliberação de praticá-lo. Ora, aquele que delibera sobre uma coisa é sempre livre de fazê-la, ou não. Se soubesse previamente que, como homem, teria que cometer um crime, o Espírito estaria a isso predestinado. Ficai, porém, sabendo que ninguém há predestinado ao crime e que todo crime, como qualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do livre-arbítrio.[iii] Comenta André Luiz que a alma reencarna, nessa ou naquela circunstância, para melhorar e aperfeiçoar-se e nunca sob a destinação do mal, o que nos constrange ao reconhecer que os delitos, sejam quais sejam, em quaisquer posições, correm por nossa conta.[iv]

Diante do exposto, não se pode afirmar que dada jovem “veio para sofrer um estupro” ou que “tinha obrigatoriamente que passar exatamente por isso”.

Segundo - De acordo com os princípios doutrinários definidos por Kardec, não existem vítimas, considerando vítima aquele que sofre injustamente.

A Justiça divina se fundamenta em leis de causalidade que se estabelecem em um automatismo físico-psíquico regido pela Lei Natural. Todas as nossas ações estão submetidas às leis de Deus. Nenhuma há, por mais insignificante que nos pareça, que não possa ser uma violação daquelas leis. Se sofremos as consequências dessa violação, só nos devemos queixar de nós mesmos, que desse modo nos fazemos os causadores da nossa felicidade, ou da nossa infelicidade, futuras.[v] Lembra o codificador que as grandes dores, os fatos importantes e capazes de influir no moral são previstos por Deus, porque são úteis à nossa depuração e à nossa instrução.[vi]

Como princípio geral, pode-se dizer que cada um é punido por aquilo em que pecou [vii], portanto, a jovem, lamentavelmente, acometida por uma violência sexual é um Espírito que responde a atitudes equivocadas cometidas em experiências prévias.

Léon Denis, em Depois da Morte, coloca que as leis inflexíveis da natureza, ou antes, os efeitos resultantes do passado, decidem da reencarnação. O Espírito inferior, ignorante dessas leis, pouco cuidadoso de seu futuro, sofre maquinalmente a sua sorte e vem tomar o seu lugar na Terra sob o impulso de uma força que nem mesmo procura conhecer.

Também André Luiz esclarece: [...] o mal é sempre um círculo fechado sobre si mesmo, guardando temporariamente aqueles que o criaram, qual se fora um quisto de curta ou longa duração, a dissolver-se, por fim, no bem infinito, à medida que se reeducam as Inteligências que a ele se aglutinam e afeiçoam. O Senhor tolera a desarmonia, a fim de que por intermédio dela mesma se efetue o reajustamento moral dos Espíritos que a sustentam, vez que o mal reage sobre aqueles que o praticam, auxiliando-os a compreender a excelência e a imortalidade do bem, que é o inamovível fundamento da Lei. Todos somos senhores de nossas criações e, ao mesmo tempo, delas escravos infortunados ou felizes tutelados. Pedimos e obtemos, mas pagaremos por todas as aquisições. A responsabilidade é princípio divino a que ninguém poderá fugir. [viii] Considerando, então, que determinado indivíduo opte pela infeliz opção da violência sexual, sua possível vítima será obrigatoriamente alguém que, por deslizes prévios na área da sexualidade, encontre-se sintonizada vibratoriamente com a possível agressão. Ou seja, tal possibilidade cabe na ordem geral das possibilidades reencarnatórias daquela jovem, embora não tenha fatalmente que se verificar.

No entanto, a necessidade consciencial de viver uma experiência dolorosa, relacionada à erótica, pode ser sanada de outra maneira, como, por exemplo, pela vivência de uma enfermidade ginecológica, como um câncer, ou uma lesão traumática do aparelho genital, decorrente de um acidente.

Ou ainda - e isso é o mais importante - pode esse Espírito reencarnado no gênero feminino sanar seu comprometimento espiritual através da ação reparadora no bem, desenvolvendo atitudes altruístas que venham colaborar no alívio das dores de tantas pessoas vitimadas por tragédias da vida afetiva.

Lembra Emmanuel que a inflexibilidade e a dureza não existem para a misericórdia divina, que, conforme a conduta do Espírito encarnado, pode dispensar na lei, em benefício do homem, quando a sua existência já demonstre certas expressões do amor que cobre a multidão dos pecados. [ix]


 


[i] Homens maus fazem o que homens bons sonham - Robert Simon. 

[ii] OLE, item 851. 

[iii] OLE, item 861. 

[iv] Sexo e Destino, cap. 9, parte II. 

[v] OLE, item 964. 

[vi] OLE, item 859 a 

[vii] OLE, item 973. 

[viii] Entre a Terra e o Céu, cap. I. 

[ix] O Consolador, item 247. 


 


 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita