Violência sexual: a questão do
determinismo
O estupro configura-se como um crime bárbaro - a invasão
daquilo que a pessoa tem de mais íntimo, seu espaço
privado - e deve ser fortemente combatido em todas as
instâncias possíveis.
Além das consequências físicas para as vítimas, que
muitas vezes são consideráveis, as consequências
psicológicas são assustadoramente graves: 80% das
mulheres que foram vítimas de violência sexual
apresentam sintomas de estresse pós-traumático, muitas
têm depressão e pensam em suicídio. Cerca de metade das
vítimas apresenta dificuldades sexuais em seus próprios
relacionamentos nos 15 a 30 meses após o estupro.
Acolher amorosamente a vítima do estupro e empreender
todos os esforços para ajudá-la em sua rearmonização
íntima é algo que não pode ser desconsiderado.
Lamentavelmente, durante
a última década, nos Estados Unidos, a incidência de
estupros aumentou quatro vezes mais que a de crimes em
geral. Uma em cada quatro mulheres será estuprada nos
E.U.A, em algum momento de sua vida, mas apenas 16%
relatam o fato à polícia e menos de 5% dos acusados vão
para a cadeia. [i]
Dois pontos doutrinários são importantes no entendimento
cármico do estupro.
Primeiro - O
mal não está previsto como ação fatal no destino das
pessoas. Reencarnamos para fazer o bem, e, ao fazermos o
mal, nos desviamos dos compromissos previamente
delineados. Segundo Kardec, [...]
pelo que toca às provas morais e às tentações, o
Espírito, conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e
ao mal, é sempre senhor de ceder ou de resistir.[ii]
Lembra ainda o
codificador que, escolhendo
uma vida de lutas, sabe que terá ensejo de matar um de
seus semelhantes, mas não sabe se o fará, visto que ao
crime precederá quase sempre, de sua parte, a
deliberação de praticá-lo. Ora, aquele que delibera
sobre uma coisa é sempre livre de fazê-la, ou não. Se
soubesse previamente que, como homem, teria que cometer
um crime, o Espírito estaria a isso predestinado. Ficai,
porém, sabendo que ninguém há predestinado ao crime e
que todo crime, como qualquer outro ato, resulta sempre
da vontade e do livre-arbítrio.[iii] Comenta
André Luiz que a alma
reencarna, nessa ou naquela circunstância, para melhorar
e aperfeiçoar-se e nunca sob a destinação do mal, o que
nos constrange ao reconhecer que os delitos, sejam quais
sejam, em quaisquer posições, correm por nossa conta.[iv]
Diante do exposto, não se pode afirmar que dada jovem
“veio para sofrer um estupro” ou que “tinha obrigatoriamente que
passar exatamente por isso”.
Segundo - De
acordo com os princípios doutrinários definidos por
Kardec, não existem vítimas, considerando vítima aquele
que sofre injustamente.
A Justiça divina se
fundamenta em leis de causalidade que se estabelecem em
um automatismo físico-psíquico regido pela Lei Natural.
Todas as nossas ações estão submetidas às leis de Deus.
Nenhuma há, por mais insignificante que nos pareça, que
não possa ser uma violação daquelas leis. Se sofremos as
consequências dessa violação, só nos devemos queixar de
nós mesmos, que desse modo nos fazemos os causadores da
nossa felicidade, ou da nossa infelicidade, futuras.[v] Lembra
o codificador que as grandes dores, os fatos importantes
e capazes de influir no moral são previstos por Deus,
porque são úteis à nossa depuração e à nossa instrução.[vi]
Como princípio geral,
pode-se dizer que cada um é punido por aquilo em que
pecou [vii],
portanto, a jovem, lamentavelmente, acometida por uma
violência sexual é um Espírito que responde a atitudes
equivocadas cometidas em experiências prévias.
Léon Denis, em Depois
da Morte, coloca que as
leis inflexíveis da natureza, ou antes, os efeitos
resultantes do passado, decidem da reencarnação. O
Espírito inferior, ignorante dessas leis, pouco
cuidadoso de seu futuro, sofre maquinalmente a sua sorte
e vem tomar o seu lugar na Terra sob o impulso de uma
força que nem mesmo procura conhecer.
Também André Luiz
esclarece: [...] o mal é sempre um círculo fechado
sobre si mesmo, guardando temporariamente aqueles que o
criaram, qual se fora um quisto de curta ou longa
duração, a dissolver-se, por fim, no bem infinito, à
medida que se reeducam as Inteligências que a ele se
aglutinam e afeiçoam. O Senhor tolera a desarmonia, a
fim de que por intermédio dela mesma se efetue o
reajustamento moral dos Espíritos que a sustentam, vez
que o mal reage sobre aqueles que o praticam,
auxiliando-os a compreender a excelência e a
imortalidade do bem, que é o inamovível fundamento da
Lei. Todos somos senhores de nossas criações e, ao mesmo
tempo, delas escravos infortunados ou felizes tutelados.
Pedimos e obtemos, mas pagaremos por todas as
aquisições. A responsabilidade é princípio divino a que
ninguém poderá fugir. [viii] Considerando,
então, que determinado indivíduo opte pela infeliz opção
da violência sexual, sua possível vítima será
obrigatoriamente alguém que, por deslizes prévios na
área da sexualidade, encontre-se sintonizada
vibratoriamente com a possível agressão. Ou seja, tal
possibilidade cabe na ordem geral das possibilidades
reencarnatórias daquela jovem, embora não tenha
fatalmente que se verificar.
No entanto, a necessidade consciencial de viver uma
experiência dolorosa, relacionada à erótica, pode ser
sanada de outra maneira, como, por exemplo, pela
vivência de uma enfermidade ginecológica, como um
câncer, ou uma lesão traumática do aparelho genital,
decorrente de um acidente.
Ou ainda - e isso é o mais importante - pode esse
Espírito reencarnado no gênero feminino sanar seu
comprometimento espiritual através da ação reparadora no
bem, desenvolvendo atitudes altruístas que venham
colaborar no alívio das dores de tantas pessoas
vitimadas por tragédias da vida afetiva.
Lembra Emmanuel que a
inflexibilidade e a dureza não existem para a
misericórdia divina, que, conforme a conduta do Espírito
encarnado, pode dispensar na lei, em benefício do homem,
quando a sua existência já demonstre certas expressões
do amor que cobre a multidão dos pecados. [ix]
[i] Homens
maus fazem o que homens bons sonham - Robert
Simon.
[ii] OLE,
item 851.
[iii] OLE,
item 861.
[iv] Sexo
e Destino, cap. 9, parte II.
[v] OLE,
item 964.
[vi] OLE,
item 859 a
[vii] OLE,
item 973.
[viii] Entre
a Terra e o Céu, cap. I.
[ix] O
Consolador, item 247.
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