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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

O expositor espírita e a plateia: dinâmicas inesperadas

 
Colhi muitas surpresas nos tempos em que pude dedicar-me mais intensamente à exposição da literatura espírita. Sentia-me particularmente feliz e realizado naquelas tardes/noites em que percebia que meu esforço doutrinário havia atingido alguns corações realmente sedentos de conhecimento e alívio. Detectei incontáveis vezes olhares agradecidos, externando sincera satisfação e alegria por ouvir algo que, certamente, lhes estava tocando as mais profundas fímbrias d’alma. Outros expressavam grande entusiasmo como se estivessem cooperando comigo no exame do tema. Aqueles inesquecíveis olhares e expressões faciais positivas denunciavam – não tenho dúvidas – estar recebendo no fulcro dos seus seres a “boa nova” da qual eu, circunstancialmente, era o imperfeito divulgador.

No entanto, devo também confessar que nem tudo eram flores, como tudo, aliás, na Terra. De forma semelhante, e às vezes, até mais intensa, notava a frieza, a indiferença ou o que era ainda mais decepcionante: olhares perturbadores à minha pessoa. Com o tempo fui percebendo que a exposição de determinados assuntos, especialmente os de cunho moral que apelavam dramaticamente à mudança íntima, feriam as suscetibilidades de determinados frequentadores e até mesmo de colegas. Nos exemplos citados concernentes às falhas, deslizes e fracassos, usados didaticamente na elucidação dos temas, eu percebia com frequência também olhares de profunda agressividade e despeito que alguns me desferiam. Na verdade, o descontentamento não era apenas manifestado pelo semblante revoltado, mas igualmente pela vibração inamistosa. Confesso-lhes que sou muito grato aos meus mentores, que me escudavam daqueles mísseis fluídicos maléficos, que me tentavam derrubar e/ou subtrair as minhas melhores intenções.

Com o tempo inferi que aquelas pessoas atormentadas endereçavam toda a sua desaprovação e raiva ao emissor da mensagem – eu –, desdenhando o imperativo da transformação interior rumo ao bem e ao autoaperfeiçoamento apregoado pela Doutrina Espírita. Creio que não atinavam que eu era apenas o portador, não o autor da proposta renovadora. Por mais que enfatizasse a origem da recomendação (os Espíritos mensageiros de Jesus), sentia que não fazia eco naqueles corações endurecidos e recalcitrantes. Para eles, eu era, assim pressentia, o alvo, o enxerido que ousara tocar em temas e assuntos de natureza ética, que os incomodavam como lâminas afiadas a lhes cortar a pele.

Em resumo, há muitos frequentadores nas Casas Espíritas que, se pudessem, tomariam apenas o passe, deixando de lado a obrigação de ouvir uma palestra. Simplesmente não querem compreender a missão do Consolador prometido, nem tampouco desejam mudar  suas vidas ou a forma como veem as coisas ou se conduzem. Para estes, a religião é simplesmente um processo de troca, e nada mais, nada menos.

Retomo esse assunto porque havia uma senhora que frequentava a casa onde trabalhei por muitos anos. Lamentavelmente, ela se enquadrava no grupo dos “feridos” pelos meus temas e abordagem (isto é, na essência focava na análise de exemplos concretos cotidianos para não ficar exclusivamente na teoria), pois assim denunciavam os seus olhares lancinantes. Por coincidência era moradora do mesmo prédio onde resido. Sempre mantivemos relações de cordialidade, mas ela nunca me abordou para algo discutir, aprofundar ou esclarecer sobre a doutrina ou minhas palestrinhas. De minha parte, eu sempre respeitei sua conduta, e nunca a pressionei em qualquer sentido. O destino, porém, lhe reservou surpresas amargas, já que ela desencarnou, algum tempo depois, através de um terrível acidente doméstico.

Os anos passaram e jamais me esqueci de sua fisionomia. Frequentemente enviava-lhe vibrações de paz e recuperação em minhas preces. Há um ano aproximadamente, minha mãe – extraordinária médium – veio morar comigo. Médiuns são como ímãs. Às vezes, eles contraem inesperadamente uma “carga” que precisa, por misericórdia e caridade, ser encaminhada à ajuda espiritual. Desse modo, em certa tarde, minha genitora sentiu-se mal. As sensações eram muito desagradáveis. Assim sendo, oramos e pedimos aos nossos bons amigos do Além que, se estivesse ali alguma entidade desencarnada necessitando de ajuda, que eles a amparassem em nome de Jesus. Minutos depois minha mãe incorporou um dos nossos companheiros da vida maior, que nos esclareceu que uma entidade muito desesperada, que havia desencarnado no prédio muitos anos antes devido a um acidente, bem como o seu opressor, haviam sido ambos atendidos. Portanto, sem conhecer a história da minha infeliz vizinha, minha mãe ajudou-a nas suas possibilidades mediúnicas.

Moral da história: se o indivíduo vai a um centro espírita sem o sincero desejo de mudar, é melhor não ir. Olhar torto para um expositor não vai resolver nada, apenas adiar o inevitável, isto é, a necessidade de reforma íntima. 



  

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita