O
expositor espírita e a
plateia: dinâmicas
inesperadas
Colhi muitas surpresas
nos tempos em que pude
dedicar-me mais
intensamente à exposição
da literatura espírita.
Sentia-me
particularmente feliz e
realizado naquelas
tardes/noites em que
percebia que meu esforço
doutrinário havia
atingido alguns corações
realmente sedentos de
conhecimento e alívio.
Detectei incontáveis
vezes olhares
agradecidos, externando
sincera satisfação e
alegria por ouvir algo
que, certamente, lhes
estava tocando as mais
profundas fímbrias d’alma.
Outros expressavam
grande entusiasmo como
se estivessem cooperando
comigo no exame do tema.
Aqueles inesquecíveis
olhares e expressões
faciais positivas
denunciavam – não tenho
dúvidas – estar
recebendo no fulcro dos
seus seres a “boa nova”
da qual eu,
circunstancialmente, era
o imperfeito divulgador.
No entanto, devo também
confessar que nem
tudo eram flores,
como tudo, aliás, na
Terra. De forma
semelhante, e às vezes,
até mais intensa, notava
a frieza, a indiferença
ou o que era ainda mais
decepcionante: olhares
perturbadores à minha
pessoa. Com o tempo fui
percebendo que a
exposição de
determinados assuntos,
especialmente os de
cunho moral que apelavam
dramaticamente à mudança
íntima, feriam as
suscetibilidades de
determinados
frequentadores e até
mesmo de colegas. Nos
exemplos citados
concernentes às falhas,
deslizes e fracassos,
usados didaticamente na
elucidação dos temas, eu
percebia com frequência
também olhares de
profunda agressividade e
despeito que alguns me
desferiam. Na verdade, o
descontentamento não era
apenas manifestado pelo
semblante revoltado, mas
igualmente pela vibração
inamistosa.
Confesso-lhes que sou
muito grato aos meus
mentores, que me
escudavam daqueles
mísseis fluídicos
maléficos, que me
tentavam derrubar e/ou
subtrair as minhas
melhores intenções.
Com o tempo inferi que
aquelas pessoas
atormentadas endereçavam
toda a sua desaprovação
e raiva ao emissor da
mensagem – eu –,
desdenhando o imperativo
da transformação
interior rumo ao bem e
ao autoaperfeiçoamento
apregoado pela Doutrina
Espírita. Creio que não
atinavam que eu era
apenas o portador, não o
autor da proposta
renovadora. Por mais que
enfatizasse a origem da
recomendação (os
Espíritos mensageiros de
Jesus), sentia que não
fazia eco naqueles
corações endurecidos e
recalcitrantes. Para
eles, eu era, assim
pressentia, o alvo, o
enxerido que ousara
tocar em temas e
assuntos de natureza
ética, que os
incomodavam como lâminas
afiadas a lhes cortar a
pele.
Em resumo, há muitos
frequentadores nas Casas
Espíritas que, se
pudessem, tomariam
apenas o passe, deixando
de lado a obrigação de
ouvir uma palestra.
Simplesmente não querem
compreender a missão do
Consolador prometido,
nem tampouco desejam
mudar suas vidas ou a
forma como veem as
coisas ou se conduzem.
Para estes, a religião é
simplesmente um processo
de troca, e nada mais,
nada menos.
Retomo esse assunto
porque havia uma senhora
que frequentava a casa
onde trabalhei por
muitos anos.
Lamentavelmente, ela se
enquadrava no grupo dos
“feridos” pelos meus
temas e abordagem (isto
é, na essência focava na
análise de exemplos
concretos cotidianos
para não ficar
exclusivamente na
teoria), pois assim
denunciavam os seus
olhares lancinantes. Por
coincidência era
moradora do mesmo prédio
onde resido. Sempre
mantivemos relações de
cordialidade, mas ela
nunca me abordou para
algo discutir,
aprofundar ou esclarecer
sobre a doutrina ou
minhas palestrinhas. De
minha parte, eu sempre
respeitei sua conduta, e
nunca a pressionei em
qualquer sentido. O
destino, porém, lhe
reservou surpresas
amargas, já que ela
desencarnou, algum tempo
depois, através de um
terrível acidente
doméstico.
Os anos passaram e
jamais me esqueci de sua
fisionomia.
Frequentemente
enviava-lhe vibrações de
paz e recuperação em
minhas preces. Há um ano
aproximadamente, minha
mãe – extraordinária
médium – veio morar
comigo. Médiuns são como
ímãs. Às vezes, eles
contraem inesperadamente
uma “carga” que precisa,
por misericórdia e
caridade, ser
encaminhada à ajuda
espiritual. Desse modo,
em certa tarde, minha
genitora sentiu-se mal.
As sensações eram muito
desagradáveis. Assim
sendo, oramos e pedimos
aos nossos bons amigos
do Além que, se
estivesse ali alguma
entidade desencarnada
necessitando de ajuda,
que eles a amparassem em
nome de Jesus. Minutos
depois minha mãe
incorporou um dos nossos
companheiros da vida
maior, que nos
esclareceu que uma
entidade muito
desesperada, que havia
desencarnado no prédio
muitos anos antes devido
a um acidente, bem como
o seu opressor, haviam
sido ambos atendidos.
Portanto, sem conhecer a
história da minha
infeliz vizinha, minha
mãe ajudou-a nas suas
possibilidades
mediúnicas.
Moral da história: se o
indivíduo vai a um
centro espírita sem o
sincero desejo de mudar,
é melhor não ir. Olhar
torto para um expositor
não vai resolver nada,
apenas adiar o
inevitável, isto é, a
necessidade de reforma
íntima.
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