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por Leda Maria Flaborea

 

O querer

A verdadeira natureza do homem é a sua atitude


O Cristianismo do Cristo não tem por finalidade impedir que o homem evite apenas os atos maus, ou que pratique somente atos bons. O homem é um ser dual ainda: é noite e dia; é luz e treva, mas, sim, que se crie uma atitude boa. Ser bom é muito mais importante que fazer o bem, pois é do homem bom que nasce o fazer o bem. É sabido que uma pessoa pode fazer o bem sem ser bom, mas ninguém pode ser realmente bom e não fazer o bem. Qual é o tesouro que temos escondido em nosso coração?!

A verdadeira natureza do homem está inscrita em suas atitudes e não apenas nos seus atos. Assim, quem se diz cristão terá que sê-lo em todas as ações do seu dia e não apenas quando é solicitado a ajudar o próximo, porque os atos são intermitentes, ora acontecem, ora não. Os atos são manifestações das atitudes e, por essa razão, terão de ser permanentes. Portanto, não basta que pratiquemos atos externamente bons; é necessário que sejamos internamente bons.

O evangelista Mateus escreveu no capítulo 5, versículo 33, que Jesus advertiu, no Sermão da Montanha, que nossa palavra fosse “sim, sim; não, não”, mas é na Parábola dos Dois Filhos que encontramos o melhor exemplo da aplicação da advertência do Mestre. É muito fácil prometer, muito difícil, quase sempre, executar a promessa.

Via de regra, quando entramos em contato com a Doutrina dos Espíritos, tornamo-nos pródigos em promessas - marcas atávicas de barganhas com Deus, porque nem sempre honramos a palavra dada -, mais pelo sabor da novidade do que pela verdadeira aceitação. O Espiritismo nos sugere algo diferente: novas responsabilidades, modificações íntimas, mudança de hábitos calcados em nós durante milhares de existências e por isso, mesmo cristalizados, difíceis de serem alterados e aceitos. Por essa razão Jesus disse na parábola que mais vale dizer um “não” e arrepender-se, do que dizer “sim” e fugir do esforço renovador.

De qualquer forma, promessa não cumprida indica leviandade e isso se reflete em todas as atitudes da vida. Quem nada promete, depois reflete e entrega-se ao trabalho do bem, agindo com bom senso. A Parábola dos Dois Filhos deveria ser objeto de mais acurada reflexão, sobretudo para nós, espíritas, que tanto temos recebido de Deus. O verbo nos apresenta, mas é nossa atitude que nos dirige.

O livro Pão Nosso, ditado pelo estimado benfeitor espiritual Emmanuel a Francisco Cândido Xavier, na lição 80, afirma judiciosamente: “o sim pode ser muito agradável em todas as situações, o ‘não’ em determinados setores da luta humana é mais construtivo. Satisfazer a todas as requisições do caminho é perder tempo e, por vezes, a vida. Tanto quanto o ‘sim’ deve ser pronunciado sem incenso bajulatório, o ‘não’ deve ser dito sem aspereza. Seja o vosso falar sim, sim; não, não, recomenda o Evangelho. Para concordar ou recusar, todavia, ninguém precisa ser mel ou fel. Bastará nos lembrarmos de que Jesus é o Mestre e o Senhor não só pelo que faz, mas também pelo que deixa de fazer”.

Muitas vezes o amor exagerado converte-se em fardos que prejudicam nossa ascensão à Vida Superior. É preciso estarmos atentos às nossas atitudes para não cairmos nas armadilhas da leviandade e da insensatez. Os próprios discípulos materializavam o ensinamento do Mestre sacudindo a poeira das sandálias, quando se retiravam de um lugar de rebeldia ou impenitência. Se alguém não recebe de boa vontade as sementes do bem, por que perder tempo? Melhor retirar-se sem mágoas, lembrando-se de que tanto eles quanto nós mesmos seremos chamados, no devido tempo, de retorno à verdadeira pátria.  

Um aspecto interessante que é possível abordar em relação ao ensinamento de Jesus é que dizer “eu creio” parece fácil, mas quantos podem declarar, honestamente, “estou” transformado? Às vésperas do Calvário, Jesus recomendou a Simão Pedro que confirmasse aos irmãos na fé, quando se convertesse. Essa passagem evangélica é importante, porque notamos que Pedro foi o Seu mais ativo companheiro de apostolado e, no entanto, tinha dúvidas. Durante o messianato, presenciou acontecimentos assombrosos ao lado do Mestre; todavia, seriam necessários, ainda, trabalhos sacrificiais imensos, lutas ferrenhas consigo mesmo para que pudesse se converter e se transformar para Jesus. Assim, se não nos convertermos, demorará muito tempo até que estejamos habilitados para o testemunho da fé.  

Huberto Rohden, no livro Sermão da Montanha, tece considerações sobre as palavras que Jesus pronunciou: “não pensais que vim abolir as leis e os profetas; não, não os vim abolir, mas levar à perfeição”. Diz o autor que com essa afirmação Jesus deixa claro que Sua missão é de continuador da revelação divina. Que os recipientes mais humanos e menos dignos que Jesus, veículos ainda contaminados pelas imperfeições humanas, receberam revelações de Deus; mas, a puríssima revelação do Pai tornou-se parcialmente impura pelo contato com o recipiente ou veículo não perfeitamente puro. Por isso, a revelação puríssima apareceu contaminada.

A recepção da Verdade que Jesus veio trazer ficou limitada à capacidade que cada um tem, por causa dessa impureza que podemos traduzir por possibilidade de entendimento da Palavra Divina. Cada um de nós colherá aquilo que tiver conseguido apreender, seja como dedal, seja como balde. O importante nesse processo não é somente falar – “Fala para que eu te veja”, dizia Sócrates -, mas agir para que possamos mostrar como realmente somos.

Na pergunta 911, de O Livro dos Espíritos, os Espíritos Superiores respondem, à questão formulada por Allan Kardec, que “há muitas pessoas que dizem eu quero, mas a vontade não está senão nos lábios; elas querem, mas estão bem contentes que assim não seja. Quando se crê não poder vencer as paixões é que o Espírito nelas se compraz em consequências da sua inferioridade. Aquele que procura reprimi-las, compreende a sua natureza espiritual; as vitórias são para ele um triunfo do Espírito sobre a matéria”.

O cristão apareceu na Terra para estar com o Mestre, para transformar vidas e aperfeiçoar sua própria existência. A palavra é um dom divino quando acompanhada de atos que testemunham essa transformação. É através da palavra escrita ou falada, recebida como patrimônio divino, transmitida de geração a geração, que o mecanismo do processo evolutivo acontece.

A verdadeira natureza do homem, voltamos a afirmar, é a sua atitude. Por essa razão, o ensinamento do Mestre de que seja nosso falar “sim, sim; não, não” nos firma como seres conscientes da necessidade de coerência entre o fazer e não fazer; entre o ir e não ir; entre o creio e o estou transformado. Há muito a ser feito na seara e o tempo corre célere. Prossigamos, então, fortes e fiéis aos nossos objetivos.


Bibliografia:

ROHDEN, Huberto. Sermão da Montanha – Editora Matin Claret, São Paulo/SP, pag. 165.

KARDEC, Allan – O Evangelho segundo o Espiritismo – Capítulo 25.

KARDEC, Allan – O Livro dos Espíritos – questões 632 e 845.

O Reformador, junho de 1957 – editora FEB – Martins Peralva – “Promessas”.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita