O querer
A verdadeira natureza do homem é a sua atitude
O Cristianismo do Cristo não tem por finalidade impedir
que o homem evite apenas os atos maus, ou que pratique
somente atos bons. O homem é um ser dual ainda: é noite
e dia; é luz e treva, mas, sim, que se crie uma atitude
boa. Ser bom é muito mais importante que fazer o bem,
pois é do homem bom que nasce o fazer o bem. É sabido
que uma pessoa pode fazer o bem sem ser bom, mas ninguém
pode ser realmente bom e não fazer o bem. Qual é o
tesouro que temos escondido em nosso coração?!
A verdadeira natureza do homem está inscrita em suas
atitudes e não apenas nos seus atos. Assim, quem se diz
cristão terá que sê-lo em todas as ações do seu dia e
não apenas quando é solicitado a ajudar o próximo,
porque os atos são intermitentes, ora acontecem, ora
não. Os atos são manifestações das atitudes e, por essa
razão, terão de ser permanentes. Portanto, não basta que
pratiquemos atos externamente bons; é necessário que
sejamos internamente bons.
O evangelista Mateus escreveu no capítulo 5, versículo
33, que Jesus advertiu, no Sermão da Montanha, que nossa
palavra fosse “sim, sim; não, não”, mas é na Parábola
dos Dois Filhos que encontramos o melhor exemplo da
aplicação da advertência do Mestre. É muito fácil
prometer, muito difícil, quase sempre, executar a
promessa.
Via de regra, quando entramos em contato com a Doutrina
dos Espíritos, tornamo-nos pródigos em promessas -
marcas atávicas de barganhas com Deus, porque nem sempre
honramos a palavra dada -, mais pelo sabor da novidade
do que pela verdadeira aceitação. O Espiritismo nos
sugere algo diferente: novas responsabilidades,
modificações íntimas, mudança de hábitos calcados em nós
durante milhares de existências e por isso, mesmo
cristalizados, difíceis de serem alterados e aceitos.
Por essa razão Jesus disse na parábola que mais vale
dizer um “não” e arrepender-se, do que dizer “sim” e
fugir do esforço renovador.
De qualquer forma, promessa não cumprida indica
leviandade e isso se reflete em todas as atitudes da
vida. Quem nada promete, depois reflete e entrega-se ao
trabalho do bem, agindo com bom senso. A Parábola dos
Dois Filhos deveria ser objeto de mais acurada reflexão,
sobretudo para nós, espíritas, que tanto temos recebido
de Deus. O verbo nos apresenta, mas é nossa atitude que
nos dirige.
O livro Pão Nosso, ditado pelo estimado benfeitor
espiritual Emmanuel a Francisco Cândido Xavier, na lição
80, afirma judiciosamente: “o sim pode ser muito
agradável em todas as situações, o ‘não’ em determinados
setores da luta humana é mais construtivo. Satisfazer a
todas as requisições do caminho é perder tempo e, por
vezes, a vida. Tanto quanto o ‘sim’ deve ser pronunciado
sem incenso bajulatório, o ‘não’ deve ser dito sem
aspereza. Seja o vosso falar sim, sim; não, não,
recomenda o Evangelho. Para concordar ou recusar,
todavia, ninguém precisa ser mel ou fel. Bastará nos
lembrarmos de que Jesus é o Mestre e o Senhor não só
pelo que faz, mas também pelo que deixa de fazer”.
Muitas vezes o amor exagerado converte-se em fardos que
prejudicam nossa ascensão à Vida Superior. É preciso
estarmos atentos às nossas atitudes para não cairmos nas
armadilhas da leviandade e da insensatez. Os próprios
discípulos materializavam o ensinamento do Mestre
sacudindo a poeira das sandálias, quando se retiravam de
um lugar de rebeldia ou impenitência. Se alguém não
recebe de boa vontade as sementes do bem, por que perder
tempo? Melhor retirar-se sem mágoas, lembrando-se de que
tanto eles quanto nós mesmos seremos chamados, no devido
tempo, de retorno à verdadeira pátria.
Um aspecto interessante que é possível abordar em
relação ao ensinamento de Jesus é que dizer “eu creio”
parece fácil, mas quantos podem declarar, honestamente,
“estou” transformado? Às vésperas do Calvário, Jesus
recomendou a Simão Pedro que confirmasse aos irmãos na
fé, quando se convertesse. Essa passagem evangélica é
importante, porque notamos que Pedro foi o Seu mais
ativo companheiro de apostolado e, no entanto, tinha
dúvidas. Durante o messianato, presenciou acontecimentos
assombrosos ao lado do Mestre; todavia, seriam
necessários, ainda, trabalhos sacrificiais imensos,
lutas ferrenhas consigo mesmo para que pudesse se
converter e se transformar para Jesus. Assim, se não nos
convertermos, demorará muito tempo até que estejamos
habilitados para o testemunho da fé.
Huberto Rohden, no livro Sermão da Montanha, tece
considerações sobre as palavras que Jesus pronunciou:
“não pensais que vim abolir as leis e os profetas; não,
não os vim abolir, mas levar à perfeição”. Diz o autor
que com essa afirmação Jesus deixa claro que Sua missão
é de continuador da revelação divina. Que os recipientes
mais humanos e menos dignos que Jesus, veículos ainda
contaminados pelas imperfeições humanas, receberam
revelações de Deus; mas, a puríssima revelação do Pai
tornou-se parcialmente impura pelo contato com o
recipiente ou veículo não perfeitamente puro. Por isso,
a revelação puríssima apareceu contaminada.
A recepção da Verdade que Jesus veio trazer ficou
limitada à capacidade que cada um tem, por causa dessa
impureza que podemos traduzir por possibilidade de
entendimento da Palavra Divina. Cada um de nós colherá
aquilo que tiver conseguido apreender, seja como dedal,
seja como balde. O importante nesse processo não é
somente falar – “Fala para que eu te veja”, dizia
Sócrates -, mas agir para que possamos mostrar como
realmente somos.
Na pergunta 911, de O Livro dos Espíritos, os
Espíritos Superiores respondem, à questão formulada por
Allan Kardec, que “há muitas pessoas que dizem eu
quero, mas a vontade não está senão nos lábios; elas
querem, mas estão bem contentes que assim não seja.
Quando se crê não poder vencer as paixões é que o
Espírito nelas se compraz em consequências da sua
inferioridade. Aquele que procura reprimi-las,
compreende a sua natureza espiritual; as vitórias são
para ele um triunfo do Espírito sobre a matéria”.
O cristão apareceu na Terra para estar com o Mestre,
para transformar vidas e aperfeiçoar sua própria
existência. A palavra é um dom divino quando acompanhada
de atos que testemunham essa transformação. É através da
palavra escrita ou falada, recebida como patrimônio
divino, transmitida de geração a geração, que o
mecanismo do processo evolutivo acontece.
A verdadeira natureza do homem, voltamos a afirmar, é a
sua atitude. Por essa razão, o ensinamento do Mestre de
que seja nosso falar “sim, sim; não, não” nos firma como
seres conscientes da necessidade de coerência entre o
fazer e não fazer; entre o ir e não ir; entre o creio e
o estou transformado. Há muito a ser feito na seara e o
tempo corre célere. Prossigamos, então, fortes e fiéis
aos nossos objetivos.
Bibliografia:
ROHDEN, Huberto. Sermão da Montanha –
Editora Matin Claret, São Paulo/SP, pag. 165.
KARDEC, Allan – O Evangelho segundo o
Espiritismo – Capítulo 25.
KARDEC, Allan – O Livro dos Espíritos –
questões 632 e 845.
O Reformador,
junho de 1957 – editora FEB – Martins Peralva –
“Promessas”.