Tropeços
e quedas
A queda de cada discípulo de Jesus é uma advertência
para a vigilância de todos nós
“(...) Não nos deixes entregues à tentação, mas
livra-nos do mal.” Jesus.
(Mt., 6:13.)
A indulgência deve permear – necessariamente – o caminho
de todos nós, os viajantes da Eternidade...
Muito antes de Sua encarnação na Terra, Jesus já
conhecia o conteúdo do coração humano, pois Ele nos
conhece desde ontem. Estava, portanto,
ciente de nossa fraqueza, de nossa onipresente
labilidade, chegando mesmo a afirmar que veio para os
doentes, vez que os sãos não necessitam de médico.
Oportuníssimas, portanto,
as recomendações de Dufêtre: “(...)
caros amigos, sede severos convosco, indulgentes para as
fraquezas dos outros. É esta uma prática da santa
caridade, que bem poucas pessoas observam. Todos vós
tendes maus pendores a vencer, defeitos a corrigir,
hábitos a modificar; todos tendes um fardo mais ou menos
pesado a alijar, para poderdes galgar o cume da montanha
do progresso. Por que, então, haveis de mostrar-vos tão
clarividentes com relação ao próximo e tão cegos com
relação a vós mesmos? Quando deixareis de perceber, nos
olhos de vossos irmãos, o pequenino argueiro que os
incomoda, sem atentardes na trave que, nos vossos olhos,
vos cega, fazendo-vos ir de queda em queda? Todo homem,
bastante orgulhoso para se julgar superior, em virtude e
mérito, aos seus irmãos encarnados, é insensato e
culpado; Deus o castigará no dia da Sua justiça. O
verdadeiro caráter da caridade é a modéstia e a
humildade, que consistem em ver cada um apenas
superficialmente os defeitos de outrem e esforçar-se por
fazer que prevaleça o que há nele de bom e virtuoso,
porquanto, embora o coração humano seja um abismo de
corrupção, sempre há, nalgumas de suas dobras mais
ocultas, o gérmen de bons sentimentos, centelha vivaz da
essência espiritual”.
Em uníssono com Dufêtre,
aduz José, Espírito Protetor: “(...)
a indulgência é um sentimento doce e fraternal que todo
homem deve alimentar para com seus irmãos, mas do qual
bem poucos fazem uso.
A indulgência não vê os defeitos de outrem, ou, se os
vê, evita falar deles, divulgá-los. Ao contrário,
oculta-os, a fim de que se não tornem conhecidos senão
dela unicamente, e, se a malevolência os descobre, tem
sempre pronta uma escusa para eles, escusa plausível,
séria, não das que, com aparência de atenuar a falta,
mais a evidenciam com pérfida intenção. A indulgência
jamais se ocupa com os maus atos de outrem, a menos que
seja para prestar um serviço; mas, mesmo neste caso, tem
o cuidado de atenuá-los tanto quanto possível. Não faz
observações chocantes, não tem nos lábios censuras;
apenas conselhos e, as mais das vezes, velados...
Quando criticais, que consequência se há de tirar das
vossas palavras? A de que não tereis feito o que
reprovais, visto que estais a censurar? Que valeis mais
do que o culpado? Ó homens! quando será que julgareis os
vossos próprios corações, os vossos próprios
pensamentos, os vossos próprios atos, sem vos ocupardes
com o que fazem vossos irmãos? Quando só tereis olhares
severos sobre vós mesmos?”
Por mais indignados que nos possamos sentir com os
alheios despautérios, não nos cabe arvorar em juízes dos
atos de nossos semelhantes. Todos estamos sujeitos aos
tropeços e quedas nas rudes refregas a que estamos
jugulados no carreiro evolutivo. Não podemos descoroçoar
ante as aflições e tampouco nos entregarmos, inermes e
inoperantes, à sombra do desalento...
Eis o oportuno conselho
de Joanna de Ângelis frente a estas questões:
“(...) mesmo que os caminhos estejam refertos de
dificuldades, não estaciones desanimado na jornada
empreendida. Aprende com a Natureza: a terra sacudida
pelo desvario dos ventos renova-se, cessada a tormenta;
o solo encharcado retoma a verdura e o arvoredo
esfacelado cobre-se, novamente, de flores. Em toda
parte, a vida se renova incessantemente, sob o látego
das aflições, convidando-te a imitar-lhe o exemplo.
Não permitas, assim, que o pessimismo, esse conselheiro
soez, balbucie aos teus ouvidos expressões de desencanto
junto às tarefas elegidas. Recorda Jesus, abandonado,
traído, em extrema solidão, plantando sozinho a espada
luminosa do dever, desde então transformada em marco de
luz para a humanidade inteira.
Não te meças por aqueles que tombaram, deixando-te
empolgar pelas deficiências deles. Se o companheiro ao
teu lado cair, por que te desalentares? Encoraja-te e
reflete que, apesar do fracasso dele, necessitas chegar
ao fim...
Não te intimides com o insucesso alheio. A correnteza
não cessa o curso porque a lama se encontra à frente:
atravessa as camadas da dificuldade e surge, novamente
límpida, adiante para abraçar o mar que a aguarda ao
longe.
Se o amigo não teve a felicidade de manter o padrão de
equilíbrio que se fazia necessário, na tarefa
empreendida, conduze a mensagem que ele não pôde levar
aos angustiados que te esperam, ansiosos, à frente. O
caminho do Calvário é a história de uma grande solidão e
toda a Boa Nova é um hino de fidelidade ao dever.
O Mestre nem sequer repreendeu Judas, ou censurou Pedro,
ou doou a taça de fel a Tomé, em dúvida. Fez-Se o
atestado vivo e imortal do Pai, transformando-se em
caminho para todos os arrependidos que O desejem seguir.
Na Boa Nova, a queda de cada discípulo é uma advertência
para a vigilância dos que vêm depois; a deserção do
aprendiz representa um convite à perseverança dos novos
candidatos à escola universal do amor.
Robustece o ânimo, amigo do Cristo, fita o Sol generoso
a repetir sem cansaço a mensagem da alvorada
diariamente, e segue fiel, de fronte erguida e coração
içado ao bem, mantendo a tua comunhão com o Mestre nos
deveres que te competem, certo de que não seguirás
sozinho”.
-
KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o
Espiritismo. 125. ed. Rio: FEB, 2006, cap.
X, item 18.