As opiniões do mundo
É o acadêmico Humberto de Campos quem conta este
apólogo*. Aqui, eu apenas o reconto com minhas palavras.
Foi pelo ano de 1427, mais precisamente nos primeiros
dias do mês de setembro. Nesse período, Francisco, o poverello de
Assis, era docemente lembrado pelos devotos que
comemoravam a data do seu nascimento.
Havia em Sena, na Itália, um franciscano, senhor
respeitável que mais tarde seria chamado pela igreja
católica de São Bernardino de Sena, que participava
ativamente dessas homenagens. Tomando de um púlpito
improvisado, pregava às pequenas multidões lições morais
graciosas e cheias de verdade.
Assim fazia durante muitos dias, renovando sempre os
assuntos e dando às prédicas cores vivas e ares de muito
interesse.
Numa dessas pitorescas reuniões, São Bernardino contou a
seguinte parábola: “Certo monge, por ter acumulado vasta
experiência do mundo, entendia ser impossível viver na
Terra de modo a contentar a todos.
Pensando em dar um ensinamento moral sobre essa questão
ao menino que o auxiliava nos serviços religiosos,
pediu-lhe que trouxesse o burrico que os servia, pois
partiriam em viagem. Subiu no animal, sendo puxado pelo
auxiliar que ia a pé. Logo à frente, deram com um
lamaçal. Ao verem a pequena comitiva, alguns passantes
comentaram com ironia: – Que frade espertalhão! Vai bem
montado, enquanto o menino amassa a lama.
Ouvindo os comentários, o velho monge trocou de lugar
com o aprendiz e passou, ele, a puxar o burrico. Mais um
trecho, e outro lamaçal se apresenta. Um transeunte, ao
ver a cena, se mostra indignado: – Este frade perdeu a
razão? É velho, é o dono do burro, e vai a pé. O menino
não se importaria com a lama, no entanto, está
protegido!
Ante às observações bizarras, o monge decidiu continuar
a viagem ao lado do auxiliar, e subiu também para o
burro. Não tinham avançado muito, quando ouviram novas
exclamações: – Vejam só! Dois em cima de um burrico
fraco. Querem matar o infeliz animal!
O frade resolveu fazer diferente. Pulou do burro junto
com o menino e a pé seguiram, puxando o animal pelo
cabresto. Mais alguns passos, e são surpreendidos pelas
risadas de alguns viajantes que não se conformaram ao
ver a dupla patinhando no barro e o burro livre.
Dando-se por satisfeito, o velho monge parou, deu
meia-volta e determinou o retorno ao convento. Ali,
chamou o aprendiz e perguntou: – Viste, meu filho, o que
nos aconteceu nessa curta viagem? Como o jovem
titubeasse na resposta, o monge esclareceu: – Reparaste
que, por mais que fizéssemos para contentar aos que nos
censuravam, havia sempre quem achasse que estávamos em
erro? Anote então, filho, o recado que a experiência nos
traz: qualquer que seja o bem que façamos nesse mundo, e
apesar dos esforços para realizá-lo, não evitaremos que
se diga mal de nós. Resta-nos zombar do mundo, meu
filho, sem nenhuma esperança de nos pôr de acordo com
ele”.
Com essas palavras, São Bernardino finalizou o apólogo,
desceu do púlpito e saiu caminhando por entre o povo
simples.
***
A Doutrina Espírita endossa as lições desse monge, que
conhecemos através da narrativa de Humberto de Campos.
Fazer o bem pelo bem é um dever da consciência livre e
responsável. E fazê-lo despreocupado das opiniões do
mundo que, em verdade, não são capazes de atender às
reais necessidades do Espírito imortal.
* Humberto de Campos, em Lagartas e Libélulas, “O
Sermão de São Bernardino”, 1933.
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