O imenso poder da prece
Desde os tempos mais remotos, esquecidos no pó dos
milênios que por nós foram passando, desde as eras em
que o Homem ensaiava os primeiros passos terrestres,
tomando consciência de si mesmo como Ser individual e
distinto dos demais seres da Criação, que esse mesmo
Homem se assumiu como Ser Espiritual em busca de um
sentido maior para a sua existência. Observando os
fenômenos da Natureza, que ultrapassavam a sua
capacidade de compreensão, procurando assimilar o mundo
que não entendia, cedo a Humanidade buscou fora de si
mesma algo maior, responsável por tudo quanto existia e
acontecia.
A crença em divindades, que muitas vezes se confundiam
com a própria Natureza, ou os próprios fenômenos, teve
suas origens nessa “certeza”, a princípio inconsciente,
mas, de qualquer modo, inata, de que “há algo para além
e acima de nós”. Nem de outro modo poderia ser. Sendo
nós centelhas saídas das mãos do Criador, muito
naturalmente trazemos em nós imprimida essa ideia inata
de Deus e da nossa essência espiritual.
À medida que as eras foram passando e a inteligência
humana se foi desenvolvendo, em contacto com as inúmeras
experiências que a Terra nos foi proporcionando, também
a ideia que fomos fazendo dessa Entidade Suprema se foi
paulatinamente modificando. Dos seres e fenômenos da
natureza (floresta, sol, vento,…), confundindo a obra
com o seu Criador, passando aos inúmeros deuses do
politeísmo, até chegar ao monoteísmo, passando do Deus à
imagem e semelhança do Homem à ideia de Deus como Causa
Primária de todas as coisas (como nos é apresentado pelo
Espiritismo), a nossa compreensão da Divindade foi
passando por diversos estágios, à medida das nossas
possibilidades de busca e entendimento.
Mas o certo é que a nossa relação com Deus esteve sempre
bem notória ao longo da História Humana, ainda que nem
sempre tenha sido acionada da forma mais correta e
satisfatória. Nessa busca de uma relação com o Divino, o
Homem sempre sentiu necessidade de se colocar “nas suas
mãos”, buscando Nele a proteção e o amparo para os seus
anseios mais prementes, a princípio puramente materiais,
mais tarde de cariz também espiritual.
É nesse contexto que a Prece surge como forma de nos
relacionarmos com Deus, Entidade Superior de cuja bênção
e proteção sempre sentimos precisar. No entanto, será a
Prece realmente eficaz, ou apenas decorre de uma
necessidade puramente humana e apenas tem sentido como
forma de “alívio psicológico”, decorrente de uma crença
instalada em nós? Diríamos que, nem que outra eficácia
não tivesse para além dessa, já seria válida e oportuna.
Atentemos no que nos disse Jesus: “Por isso vos digo:
todas as coisas que vós pedirdes orando, crede que as
haveis de ter, e que assim vos sucederão” (Marcos,
XI: 24). Foi uma garantia deixada pelo Mestre. A certeza
de que as nossas Preces são ouvidas e atendidas.
Mas então podemos perguntar-nos: por que tantas e tantas
vezes nos dirigimos a Deus em busca de socorro e nada
acontece do que pedimos? Por que não são as nossas
necessidades atendidas? Por que parece que Deus não nos
ouve ou que permanece indiferente às nossas
solicitações?
Perguntamos nós: Quereria Jesus dizer que tudo o que
pedíssemos ser-nos-ia dado, indiscriminadamente, a nosso
bel-prazer? Que Deus, pura e simplesmente, está “ao
nosso serviço” e, sem esforço algum da nossa parte, tudo
melhoraria nas nossas vidas em função de meia dúzia de
palavras que proferíssemos nas horas de aflição?
Temos, quanto a isto, que ter em conta os aspectos
relacionados com a nossa evolução, verdadeiro e único
objetivo da existência terrena. Sendo assim, há que
refletir: Por que sofremos? Por que experimentamos
dificuldades? Por que temos experiências negativas que
resultam em dor, amargura, decepção?... Que finalidade
tem tudo isso, senão fazer-nos amadurecer, saldar
dívidas contraídas por nós mesmos, expurgar os nossos
defeitos, crescer espiritualmente acima da inferioridade
que ainda nos carateriza? Seria o objetivo alcançado se
bastasse pedir e os problemas fossem afastados? Que
aprendizagem tiraríamos das experiências vividas?
Sairíamos, ao fim de cada reencarnação, mais
fortalecidos moralmente, e até intelectualmente, se tudo
nos fosse dado à medida do nosso pedir? Facilmente
depreendemos que não.
Cada reencarnação obedece a uma planificação, em que
colaboramos e aceitamos, aquando da preparação da nossa
vinda a cada existência terrena, contendo
acontecimentos, situações e vicissitudes a que não
podemos ou não devemos fugir, sob pena de inutilizarmos
todo esforço empreendido em nosso favor pelas Entidades
Espirituais que nos ajudaram nessa planificação, e não
sairmos vitoriosos sobre nós mesmos e sobre as nossas
imperfeições. Cabe-nos a nós utilizarmos o tempo que nos
é dado com discernimento, resignação, coragem, esforço,
se queremos dar passos visíveis na senda do progresso
espiritual, moral e intelectual. Deus, como bom Pai,
Sábio e Perfeito, ama-nos e respeita a nossa vontade e
livre-arbítrio.
Qual então o papel da Prece, em função das nossas
necessidades espirituais? Na
empresa que cada reencarnação representa no todo da
caminhada rumo à perfeição, não estamos sozinhos. Deus,
direta ou indiretamente, através dos Espíritos que
trabalham na sua seara, atua incessantemente sobre nós,
inspirando-nos, fortalecendo-nos, amparando-nos em
quedas maiores, ajudando-nos a levantar e seguir em
frente quando erramos, vigiando para que tenhamos todas
as condições para o sucesso (entendamos por sucesso a
evolução espiritual). Quando oramos, estamos a atrair
até nós essas Entidades benfazejas, entramos em sintonia
com as forças do bem; por outro lado, afastamos de nós
outras entidades menos sintonizadas com o bem e que
poderiam resultar, com a sua presença, em entraves
maiores e inspirações à desistência moral, à revolta, ao
desânimo, que nos afastariam dos propósitos da luta.
Podemos dizer que, com a Prece, vamos construindo uma
muralha de segurança em nosso redor, onde só penetra
quem vem por bem.
Para melhor compreender o verdadeiro poder da Prece é
necessário percebermos o que acontece quando oramos e o
modo como atua. Comecemos por lembrar que todos os
Seres, encarnados e desencarnados, estão mergulhados num
mesmo Fluido Universal, que se estende pelo Espaço. As
vibrações do Fluido Universal, estendem-se pelo
Infinito, do mesmo modo que as vibrações sonoras se
transmitem pelo ar do nosso planeta. Em consequência
disso, cada pensamento nosso, mal é expedido, entra
nessa corrente fluídica e, podemos até dizer, deixa de
ser exclusivamente nosso, porque passa a ter a
possibilidade de ser captado por quem esteja a vibrar em
sintonia. E o que é a Prece senão correntes de
pensamento que dirigimos a Deus ou a entidades a
quem podemos recorrer como intermediárias (sempre na
convicção de que são apenas intermediários e nada se faz
sem que Deus aprove)? Quando dirigimos o nosso
pensamento ao alto, em busca de socorro, alívio,
inspiração, força, essa corrente vai em direção aos
Espíritos Superiores que, de acordo com a vontade de
Deus que tudo prevê e a tudo provê, e de acordo com o
nosso mérito e as nossas necessidades, nunca deixam de
vir em nosso auxílio. O que acontece, quantas e quantas
vezes, é que o que pedimos não é aquilo de que
verdadeiramente precisamos, numa visão espiritual. Mas,
quantas e quantas vezes também, a ajuda vem mas de uma
forma que nós não captamos de imediato: sob a forma de
inspiração de soluções para os problemas, sob a forma de
um amigo que Deus traz até nós para nos amparar, ou de
mil e uma maneiras que a Providência Divina tem de
chegar até nós. De uma coisa podemos e devemos estar
certos: Deus espera por nós e nunca deixa de ouvir e
atender às Preces que lhe dirigimos com Fé. Foi a
promessa de Jesus. Quanto a isso, lembremo-nos: Quanto
maior for a força e convicção do nosso pensamento (é aí
que entra a Fé), maior a força com que esse pensamento
entra na imensa corrente fluídica que vai percorrer o
Espaço Infinito em direção ao Alto.
Orar por que e por quem? De
acordo com os ensinamentos dos Espíritos, temos três
fortes razões para orar: Louvar, Agradecer e Pedir.
Costumaremos lembrar-nos destes três tipos de Preces?
Comumente, dirigimo-nos a Deus quando estamos aflitos e
as preces cumprem quase o exclusivo objetivo de pedir
ajuda. O que é mais grave é que vemos Deus como um
mercador de milagres (ainda não nos livramos totalmente
da ideia de Deus criado à semelhança do Homem). Entramos
em negociações do gênero “se me concederes determinada
graça, faço isto e aquilo”. Esquecemo-nos de que Deus
não necessita de nada e a única coisa que quer de nós é
o esforço por superarmos as imperfeições que ainda nos
desenfeitam a alma. O Louvar e o Agradecer, por vezes,
ficam para segundo plano. Há, acima de tudo, que nos
reeducarmos no que concerne à atitude que temos perante
a Prece. Orar bem, não orar muito (não é a mesma coisa).
Sendo a oração uma corrente de pensamento, não necessita
de palavras, ou pelo menos, não necessita de muitas
palavras, nem de frases feitas, ou de momentos ou
lugares apropriados, a não ser o recôndito do nosso
coração, a intimidade da nossa alma, a sinceridade de
propósitos acompanhada pelas ações. Pensamento sem ação
é pouco. Pedir sem pouco fazer vai contra o conselho de
Jesus quando disse: “Ajuda-te e o Céu te ajudará”. (O
Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo XXVII, item
7.)
“A forma não é nada, o pensamento é tudo. Faça cada qual
a sua prece de acordo com as suas convicções e da
maneira que mais lhe agrade, pois um bom pensamento vale
mais do que numerosas palavras que não tocam o coração”, diz-nos
Kardec. (O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap.
XXVIII.)
A Prece cumpre ainda outra função: a da Caridade.
Caridade para com quem queremos ajudar, encarnado ou
desencarnado) e podemos fazê-lo dirigindo o nosso
pensamento até eles e atraindo as Forças do Bem que
atuarão de acordo com as necessidades de cada um. Daí o
imenso poder da oração pelos desencarnados, por aqueles
a quem amamos, pelos amigos, pelos inimigos e pelos que
não têm ninguém que ore por eles. A todos podemos
beneficiar com essa força magnética poderosa que é o
pensamento dirigido ao Alto com Amor e Fé. Imaginemos a
alegria com que é recebido qualquer bom sentimento,
naqueles que já partiram e necessitam de força e coragem
para superar as situações difíceis em que porventura
possam estar, como resultado das suas más ações
terrenas, o alívio que uma prece sentida poderá
proporcionar a essas almas carentes de coragem. E mesmo
naqueles que se encontram em situações felizes, a
alegria de serem recordados com Amor, como alívio para a
saudade daqueles de nós que por cá deixaram.
Concluindo: A Prece é uma força poderosa, se saída do
coração e da boa vontade de quem a usa, se acompanhada
do esforço próprio. Não peçamos milagres ou benefícios
materiais. Do Alto, esperemos e peçamos força, coragem,
fé, discernimento, resignação.
Nas horas de maior aflição, digamos como Jesus no
Calvário: “Pai, se quiseres, afasta de mim este
cálice, mas acima de tudo, faça-se a Tua vontade e não a
minha” (Mateus, Capítulo 26: Versículo 39).
Bibliografia:
Alan Kardec, O Evangelho segundo o
Espiritismo;
Portal do Espírito: https://espirito.org.br.
Maria de
Lurdes Duarte, natural de Portugal, integra o quadro de
articulistas de nossa revista