A pleno amor após a morte
Fui às lágrimas este final de semana. Mais precisamente
porque vi uma cena que me tocou profundamente. Não foi
uma cena real, mas da ficção que tão bem aborda nossas
realidades.
A cena que me comoveu faz parte do último episódio da
bem-sucedida e premiada série norte-americana “A Sete
Palmos” (“Six Feet Under”), que a HBO produziu e exibiu
de 2001 a 2005. À época, eu não fui um telespectador
assíduo. Como eu custei a ter TV por assinatura,
assistia à série pelo SBT, que andou exibindo algumas
temporadas nas noites de sexta-feira. Atualmente, tenho
assistido aos episódios pela internet e cada vez fico
mais fã da série, que é uma aula de como elaborar um
roteiro para a TV. Afinal, escrever – ficção, inclusive
– é o meu ofício.
“A Sete Palmos” conta a história da família Fischer.
Eles são agentes funerários. Nos Estados Unidos e em
vários países, o funeral só acontece cerca de uma semana
após a morte da pessoa. Nesse ínterim, os agentes
funerários preparam o corpo e também o velório, sempre
acompanhados de perto pela família de quem morreu.
Os episódios sempre começam com uma morte, seja por
acidente ou causas naturais. É essa morte e a
consequente preparação do cadáver para as exéquias que
dão o tom dos conflitos vividos pelos Fischer, uma
família como outra qualquer, às voltas com questões
filosóficas, religiosas, sexuais e, é claro, familiares.
A série chama atenção justamente por tocar no assunto
morte de modo central e sob o ponto de vista de quem
lida com ela todos os dias. Há momentos de drama, humor
negro, sensualidade. E também, cadáveres com entranhas
expostas, feridas abertas e afins. Um show de
caracterização e maquiagem, enfim.
David Fischer, o filho do meio e principal herdeiro do
negócio do pai (que morre no primeiro episódio) é gay e
namora um policial chamado Keith, com quem se casa no
final da série, após muitas idas e vindas. Além de David
e do pai, Nathaniel, compõem o clã Fischer Ruth (a mãe),
Nate (o primogênito) e Claire (a caçula). Há também
outros personagens, como Frederico, funcionário da
funerária, e Brenda, namorada de Nate.
Depois de cinco anos de sucesso no ar, os produtores
resolveram pôr um ponto final em “A Sete Palmos” por
acharem que já haviam dado o recado. E o fizeram de
forma magistral!
Em uma sequência estilo “road movie”, Claire, a caçula,
vai embora de Los Angeles, onde se passa a história, ao
mesmo tempo em que vão sendo mostradas as mortes, ao
longo deste século, dos personagens da série. O tema
central é a morte, e todos nós iremos morrer, inclusive
os agentes funerários, coveiros e administradores de
cemitério.
A morte de Keith, companheiro de David, acontece em
2031. Ele leva dois tiros num assalto. Quinze anos
depois, David, sozinho e idoso, está num asilo e
observa, num campo ao lado, alguns jovens jogando rugby.
Subitamente, a bola para na mão de Keith, que sorri para
o amado. David, ante o susto de ver o Espírito do
companheiro morto há mais de 10 anos, tomba a cabeça e
morre! Pelo visto eu também tomei um baque, tanto que
caí em prantos ante a tela do computador.
Tenho de admitir que foi um dos momentos mais bonitos
que a teledramaturgia me proporcionou, só comparável a
outro que também me fez chorar e embargar por dias
seguidos. Falo agora da cena da morte de Nena,
personagem da atriz Vera Fischer na primeira fase da
novela “O Rei do Gado”, que a Globo exibiu em 1995 e
1996. Década de 1950; Nena havia perdido o marido,
interpretado por Antônio Fagundes, há muitos anos. Já
idosa, ela está sentada no quintal da casa, creio que
recostada em uma árvore. Subitamente, um carro aparece.
É o marido, que veio buscá-la, chama por ela
alegremente, reiteradas vezes, ela sorri e vai embora
com ele, a bordo do velho carro, deixando para trás o
corpo já cansado. Chorei à beça.
Esse amor arrebatado após a morte deve ser um dos
sentimentos mais intensos e impactantes de se sentir.
Imaginemos nós, que fomos amados e vimos o ser amado
partir antes de nós, termos a felicidade de vê-lo diante
de nós, sorriso nos lábios e braços abertos, pronto para
nos receber e nos envolver novamente com aquele amor que
só conhece quem o sentiu.
Mas como ficaria a situação da pessoa que não foi amada,
só encontrou o tédio e a decepção nos relacionamentos ou
viveu a vida inteira sozinha, sem alguém que lhe fosse
porto seguro, cúmplice e amante? Como espírita, sei que
todos temos grandes amores do lado de lá. Presentemente,
devido ao nosso patamar evolutivo, convivemos, muitas
das vezes, com pessoas a quem precisamos aprender a
amar. Portanto, mesmo que não tenhamos tido um grande
amor nesta vida, decerto teremos a mesma calorosa e
intensa recepção dos nossos grandes amores que, nesta
presente encarnação, não vieram ao planeta, mas decerto
nos esperam para sentirmos novamente a felicidade de um
amor que nos arrebate o espírito. Um amor que nos
conduzirá de volta à verdadeira morada, que é a do lado
de lá.
Que todos tenhamos, na hora do desenlace, a mesma sorte
que tiveram David e Nena, na ficção! E que choremos de
felicidade!
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