Algumas reflexões sobre a
visão de uma frequentadora de casa espírita
Aceitando o gentil convite à reflexão formulado pelo
confrade Orson
Peter Carrara, reportar-me-ei, no presente texto, ao seu
interessante artigo: “Parâmetros
de advertência” (edição nº 650 de 22 de
dezembro de 2019 de O Consolador). O irmão de fé
trouxe a lume a percepção de uma frequentadora sobre
vários aspectos da doutrina Espírita. Portanto, analiso
particularmente a visão por ela externada, bem como aos
que pensam de forma semelhante.
Primeiramente, é inegável que o movimento Espírita está
longe da perfeição. Infelizmente, muitos apegam-se às
Casas Espíritas como se fossem expressão da mais
absoluta pureza na face da Terra. Entretanto, como somos
imperfeitos, nelas também encontramos – é preciso
reconhecer - manifestações de incoerência, dissensões e
falsidades, como em qualquer outro agrupamento humano.
Seguem daí as justas decepções de muitos frequentadores,
que esperam encontrar ambientes, digamos, libertos de
toxicidades emocionais. Nesse sentido, a minha
recomendação é sempre na seguinte direção: esqueça o
movimento e se concentre na literatura e nos seus ricos
ensinamentos, aplicando-os em seu dia a dia. Ninguém
precisa estar necessariamente vinculado a um centro para
ser um autêntico cristão espírita. Na verdade, o mais
importante é ser, como recomendou Kardec, um ser humano
de bem.
A frequentadora afirmou categoricamente preferir – até
por questões de conveniência – “as palestras
disponíveis no YouTube”. A manifesta preferência por se
informar basicamente pelas redes sociais, aliás, é
típica das gerações mais jovens. São nessas fontes – sem
querer entrar no mérito da qualidade e valor - onde
fundamentalmente “bebem” o seu saber. Segundo a
entrevistada, “As atividades das casas espíritas,
todavia, não me atraem muito, pelo fato de faltar uma
linguagem mais simples e mais despojada”.
Com efeito, é muito relativa essa afirmação, já que não
é possível saber o nível de conhecimento da língua
pátria da frequentadora. A propósito, falar bem o idioma
português, empregar devidamente as concordâncias verbais
e ter algum repertório linguístico são contribuições
adicionais oferecidas pelo Espiritismo, desde que se
tenha “olhos de ver e ouvidos de ouvir”. O caso em
questão faz-me recordar certos confrades que
assumidamente não leem as mensagens de Emmanuel ou
Joanna de Ângelis, por exemplo, por não entenderem as
expressões, conforme alguns me revelaram.
Parece-me ser a situação acima descrita. Se assim for,
tenho a dizer que não podemos esperar tudo mastigado em
nenhum setor da vida. Esforço pessoal no processo de
aprendizado é vital em todas as áreas do saber humano.
Se houver, de fato, disposição em se buscar entender a
doutrina Espírita, no mínimo duas grandes conquistas
poderão ser obtidas: aumento do vocabulário (que ajuda
até no campo profissional, haja vista o altíssimo grau
de analfabetismo funcional que grassa na nação) e
assimilação dos seus postulados. Ademais, subir “a
barra” dos conhecimentos é apanágio das almas que buscam
evoluir e crescer em todas as direções.
A entrevistada também se queixa da “falta
de palavras simples e de amor”. Como ponderei acima,
talvez esteja faltando à frequentadora mais empenho para
alcançar a sintonia adequada com o conteúdo espírita.
Por favor, não quero, em assim cogitar, desmerecer sua
capacidade cognitiva. Mas é preciso reconhecer que Allan
Kardec foi um intelectual respeitadíssimo em seu tempo.
Como não poderia deixar de ser, suas obras são um primor
de sabedoria e revelação, apresentam uma linguagem rica
e cativante, e os raciocínios e argumentação são
profundamente envolventes. Portanto, é de se esperar que
as pessoas pouco afeitas ao mundo das letras e ideias
encontrem, sim, alguma dificuldade para compreendê-las.
Desse modo, persiste o desafio individual de abraçar o
seu conhecimento tal qual o aluno que ingressa em uma
nova disciplina.
A entrevistada surpreendentemente observa: “Tenho
receio de chegar ao centro hoje porque se tornou algo
que temos por obrigação baixar a cabeça e escutar.
Acredito que o conteúdo espírita abre um leque gigante
de perguntas e seria muito interessante poder participar
mais, ter oportunidade de perguntar, debater mais,
participar”. Posto isto, seria muito interessante que
ela participasse de algum curso ou grupo de estudos.
Provavelmente muitas das suas dúvidas seriam sanadas.
Todavia, persistirá sempre a necessidade da
autoinstrução, conforme recomendou o Codificador. Por
mais que tenhamos orientadores abnegados ao nosso lado,
o imperativo da meditação e do estudo são obrigações
individuais. Estudar, pensar e aplicar-se é dever de
cada um de nós. Não nos iludamos quanto a isso.
Ademais, e respondendo a sua clara necessidade de
interação social indelevelmente manifestada em várias
partes da sua entrevista, a solidão é vital para a
reflexão, estudo e conclusão sobre certos temas
abordados pelo Espiritismo. Numa palestra de 15/30
minutos não é possível esclarecer todas as dúvidas e
questões. Além disso, se as Casas Espíritas abrissem
espaço à discussão, o tema central da palestra e
propósito do trabalho acabariam ficando de lado, como
constatei, aliás, em alguns lugares. Por outro lado, é
forçoso lembrar que não conheço pastores ou padres que
permitam tal intercâmbio de ideais em suas prédicas.
A sensação de “doutrina triste” voltada apenas à morte,
sofrimento e aflições – vislumbrada pela frequentadora –
não corresponde à verdade dos fatos. O Espiritismo é uma
doutrina consoladora prometida por Jesus. Ela veio no
tempo certo alertar os humanos sobre a continuidade da
vida, assim como sobre o nosso dever de arregimentar os
tesouros imperecíveis do Espírito, entre outras coisas.
Posto isto, o Espiritismo é realista, esclarecedor e
preciso. A verdade é que a maioria das pessoas se sente
incomodada pelos temas acima salientados. Todavia, faz
parte da nossa trajetória entendê-los e assimilá-los –
gostemos ou não.
Desse modo, o Espiritismo não é “a doutrina da morte” ou
do “consolo após a morte”. É mais correto afirmar que se
trata de uma doutrina que nos esclarece sobre as
possibilidades existenciais (caminhos) após a morte do
corpo. Ou seja, o que existe do lado de lá, e como o
indivíduo deve se portar para evitar dor e sofrimento
desnecessários. Dito de outra maneira, o que a criatura
humana deve fazer para alcançar a felicidade plena.
Para a frequentadora falta uma integração da alma
imortal com “a vida que continua”. Nada mais equivocado!
Mais estudo sanaria completamente tal percepção. Segundo
a sua visão, “Infelizmente a mensagem de alegria e
esperança, desde os dias presentes – onde nos debatemos
com tantos desafios – não está sendo passada”. É verdade
que estamos passando momentos individuais e coletivos
difíceis. O Espiritismo, nesse sentido, nos fornece
instrumentos preciosos para enfrentarmos o presente
áspero e construirmos um futuro risonho através do
cultivo da fé, esperança, resiliência, valores
superiores e, acima de tudo, virtudes.
A nossa irmã desabafa em dado momento, “Não consigo
sentir. O movimento espírita é de difícil acesso. [...].
Gostaria que se mostrasse mais em ações e iniciativas
que o tornassem mais acessível ao grande público. Para
que o conheçam e o busquem, não para saberem apenas da
morte e seus desdobramentos, mas especialmente por
amarem a própria vida”. Se há algo que o Espiritismo faz
é exatamente valorizar a vida. Campanhas contra o
suicídio são permanentes na doutrina, de tal forma que
essa declaração é absolutamente imprecisa. Ademais, a
doutrina Espírita ensina que a vida na Terra é uma
escola abençoada.
Ela também critica o “afastamento” das lideranças
espíritas do público e elege o comportamento dos líderes
evangélicos como o ideal. Se tal ocorre em alguns
lugares, não se pode, todavia, generalizar. Há pessoas
que são realmente mais próximas, gostam de abraçar, de
sorrir abertamente, e outras não. A frequentadora
considera que as palestras poderiam ser mais simples e
com menos “termos técnicos”, o que denota
desconhecimento sobre o que o Espiritismo é. Por fim,
para ela “as palestras onde existem músicas e algo como
teatro e bate-papo são as que mais lotam, por serem de
fácil entendimento e sentimento”. Nem todas as Casas
Espíritas dispõem de tais recursos. Além disso, é
preciso ter em mente que, diferentemente de outras
doutrinas religiosas, o Espiritismo foca no conteúdo.
Atividades lúdicas e shows de música Gospel não são
objetos da doutrina Espírita. Os assuntos tratados no
seio do Espiritismo são da mais alta relevância para a
humanidade e focados com seriedade. Em síntese, é uma
doutrina realista.
Desse modo, opta essencialmente em esclarecer; entreter
não é a sua prioridade. Como analisou o Espírito
Emmanuel, na obra Vinha de Luz (psicografia de
Francisco Cândido Xavier), “Todas as sentenças
evangélicas permanecem assinaladas de beleza e sabedoria
ocultas. Indispensável meditar, estabelecer comparações
no silêncio e examinar experiências diárias para
descobri-las”.
Por fim, a entrevistada manifesta sentimentos
contraditórios em certos pontos: “Quando fui à primeira
vez me senti alegre de uma maneira inexplicável... Fui
recebida com sorrisos... um amor gigante. Ali me sentia
preenchida e com isso enchia meu coração de alegria...
As atividades eram cheias... Mas faltou complemento,
tipo calor humano, algo que me deixasse mais perto do
Espiritismo... A meu ver parece que o Espiritismo é
apenas para os escolhidos...”
O Espiritismo não é, de fato, uma doutrina fácil porque
vai ao cerne das deficiências humanas. Não tergiversa em
hipótese alguma. E a realidade mostra que poucos estão
dispostos a encará-las de frente. Aliás, a baixa
preferência religiosa no país pela doutrina apenas
confirma isso. No geral, creio que mais leitura e
dedicação podem alargar a compreensão sobre o que é
Espiritismo.
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