Amanhã anda à rodaaa…
Há dias de sorte.
Estava sentado na esplanada, a ler a última edição do Jornal
de Espiritismo (da ADEP), que acabaria por ficar
“esquecido” na mesa, com o afã de divulgar o Espiritismo
e também para o caso de ser útil a alguém. Um cauteleiro
passou ao lado, cantando a sorte grande: “amanhã anda
à rodaaaa…”, tentando vender as últimas cautelas da
loteria nacional.
“Quanto custa?”,
perguntei, a que se seguiu, no meio da esperança de
vender, a resposta pronta: “10 €, mas pode ganhar
muitos milhões…”.
Comprei uma fração e não liguei mais ao assunto,
continuando a ler o jornal.
O sorteio era nessa 2ª feira à noite e, antes de me
deitar, consultei na Internet, o resultado do mesmo:
quase morria de susto, os números eram muito parecidos.
Consultando melhor, tinha o 1º prêmio… não queria
acreditar… voltei a ver, dígito a dígito… não havia como
enganar: tinha ganho o 1º prêmio… yesss… quanta alegria
naquele momento.
Com a mão trêmula, e ainda sem acreditar, a cautela
premiada caiu-me da mão. Era a excitação do inusitado da
situação. Estiquei o braço para apanhar a cautela e
senti forte dor no cotovelo: tinha batido com o braço na
mesinha de cabeceira!!!
Ora bolas, tinha sido um sonho, caramba, parecia tão
real…
Não pude deixar de sorrir, antes de mergulhar, de novo,
no vale dos lençóis, em busca de uma noite sossegada.
Ao acordar relembrei o sonho e, não sei por que,
lembrei-me de muita gente que está à espera que lhe saia
a loteria espiritual: a taluda da “transição
planetária”.
Uns dizem que já andou à roda, outros dizem que vai
andar à roda em 2020, outros em 2057, outros noutras
datas. Coitado de quem comprou a cautela, em busca de um
futuro melhor, sem esforço. Não é justo, nem sabem o dia
em que vai andar à roda o tão desejado prêmio!
Os espíritas (e não só) por vezes veem as coisas de um
ponto de vista místico, nada condizente com o que Allan
Kardec deixou à Humanidade: uma fé raciocinada, que
enfrente a razão face a face, em todas as épocas da
Humanidade.
As leis de Deus (leis da Natureza) são intocáveis e
independentes do acreditarmos nisto ou naquilo, do
agirmos ou não em conformidade, das opiniões pessoais.
Sendo Espíritos imortais no concerto da Vida, sabemos
que a evolução do Espírito é um imperativo, mas também
sabemos que esse desiderato é mais ou menos rápido, de
acordo com o livre-arbítrio de cada um. Nesse sentido,
se o futuro a curto, médio e longo prazo depende das
opções futuras do Homem, se esse Homem tem o
livre-arbítrio de agir bem, agir mal, não agir, ninguém
pode referir uma data para a transformação da Humanidade
que os bons Espíritos preconizaram a Allan Kardec, para
o 3º milênio. Curiosamente, os mesmos Espíritos ensinam
em “O Livro dos Médiuns” que qualquer Espírito
que afirme que tal situação vai acontecer na data X ou
Y, esse Espírito não merece credibilidade, devido às
condicionantes acima referidas.
A loteria da
“transição planetária” faz com que muitos de nós “andem
na Lua”, em vez de estarem na “Terra"
Olhando para a história da Humanidade vemos que a sua
evolução é muito lenta, do ponto de vista ético-moral.
Em 2.000 anos não conseguimos aprender o básico, que o
grande psicoterapeuta da Humanidade, Jesus de Nazaré,
ensinou: “não fazer ao próximo o que não desejamos
para nós”. Se em 2 mil anos não conseguimos esse
desiderato, como conseguir que o Espiritismo (que
apareceu em 1857) brote de dentro de nós, se nem sequer
o conseguimos entender na sua profundidade, tentando,
pelo recuo evolutivo, transformá-lo em mais uma
religião, ao arrepio do que Kardec deixou à Humanidade?
Uma leitura atenta à “Revista Espírita” de Allan
Kardec, ano 9, nº 10, Outubro de 1866, faz-nos ver que
aquilo a que misticamente chamamos “transição
planetária” não é bem assim como pensamos e queremos:
uma “cautela de loteria” que vai sair a uns felizardos.
Se é certo que pela reencarnação novos Espíritos virão
ajudar a Terra na sua evolução, se é certo que a
evolução é um imperativo do Espírito, se é certo que
Deus tem mecanismos que nem cogitamos, para auxiliar a
Humanidade, manda o bom senso que olhemos à nossa volta:
temos um condomínio de luxo na Terra (o Ocidente
“civilizado”) e temos milhões de irmãos nossos em
estados de profunda miséria, pelo globo todo, que estão
na Terra com o mesmo propósito (evoluir intelectual e
moralmente) que nós, bem como que perante Deus não há
seres privilegiados.
J. Gomes (escritor, jornalista) fez pedagógica palestra,
“A evolução mede-se em… milhões de anos”, no
aniversário do Centro de Cultura Espírita, nas Caldas da
Rainha, Portugal, em 17 de Janeiro de 2020, onde podemos
encontrar uma visão lúcida e invulgar acerca do assunto.
José Raul Teixeira (doutor em Física, espírita, médium),
numa das suas muitas palestras, referia com sensatez que
o 3º milênio tem 1.000 anos e que, em mil anos, podemos
reencarnar várias vezes na Terra.
Talvez fosse bom pensarmos um pouco na história inicial
deste texto, não vá um dia… acordarmos e vermos que,
afinal, tudo aquilo em que acreditávamos ser possível, “evolução
sem esforço”, não passou de um sonho…
O melhor é mesmo cada um melhorar-se por dentro, passo a
passo, dia a dia, seguir adiante, exemplificar
fraternidade, amizade, tolerância, fazendo ao próximo o
que gostaríamos que nos fizesse, deixando o resto nas
mãos de Deus!
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