Enquadrando o espertinho
A academia onde malho fica no segundo andar de um centro
comercial onde há um supermercado. As janelas dão para o
estacionamento interno. Estava eu iniciando minhas
atividades, pedalando numa bicicleta que fica encostada
na janela. O mercado devia estar cheio, já que o entra e
sai de veículos era grande.
Subitamente, vejo algo que prendeu minha atenção. UM BMW
preto parou, foi até uma vaga destinada a idosos,
retirou o cone e estacionou na maior desfaçatez. Achei
um acinte. Como estava à janela, fiquei observando.
O motorista, um homem de seus 40 anos, tão logo desceu
do carro, encontrou um conhecido e começaram a papear.
Enquanto conversavam, o folgado motorista coçou as
partes íntimas reiteradas vezes. Lembrei, então, da
jornalista Martha Medeiros, que, em artigo intitulado
“Ricos e Pobres”, fala, entre outros grupos, do
rico-pobre, que é a pessoa que atira lixo pela janela do
carrão SUV; no restaurante, pede o vinho mais caro e
destrata o garçom, entre outras barbaridades. Em suma, o
poder aquisitivo é apenas uma capa que ela veste para
encobrir a própria miséria moral. Estava eu observando
um rico-pobre em ação. Embora guiasse um BMW, estacionou
em vaga de idoso e coçava os países baixos em público.
Nesse ínterim, três vagas bem à frente foram
desocupadas. Pensei: – Ele vai ter a hombridade de tirar
o BMW da vaga de idosos, pôr o cone no lugar e
estacionar em uma das vagas. Ledo engano. Ele ficou
exatamente onde estava.
Resolvi ligar para o 190 (Polícia Militar). O atendente
informou que esse tipo de caso era com a Guarda
Municipal ou com a empresa de trânsito local e deu o
número de ambas. Como estava malhando, suado e
impaciente, gravei somente o número da Guarda Municipal.
Liguei. Ninguém atendeu. Voltei ao 190 para pegar o
número do órgão responsável pelo trânsito. Desta vez,
ninguém atendeu.
Desci ao mercado para falar com a gerência. Ao passar
perto das vagas destinadas a idosos, notei que o sujeito
ainda papeava por lá, desta vez com outras pessoas. Ele
deveria estar esperando alguém. Relatei o caso a um dos
gerentes, que me disse o seguinte: – Ih, todo dia isso
acontece! É um problema. E eles ainda nos xingam quando
pedimos para que desocupem as vagas destinadas a idosos
e deficientes. Mas pode deixar, tomaremos as
providências! Ato contínuo, chamou um funcionário e
pediu que ele mandasse o indivíduo desocupar a vaga.
Voltei para a malhação. Cinco minutos depois, olhei pela
janela. O carro não estava mais lá. Fiquei tão
satisfeito comigo que malhei até com mais disposição!
A questão de “O Livro dos Espíritos” de que mais gosto é
a 932. Nela, Allan Kardec pergunta ao plano espiritual
por que o mal ainda predomina na sociedade. Resposta:
por omissão dos bons. Os maus são audaciosos e
intrigantes. Os bons são tímidos. Quando estes quiserem,
preponderarão.
Abusos cotidianos costumam me indignar. Sempre que
posso, faço valer a questão 932. Na manhã deste domingo,
no estacionamento do supermercado, o mal, na forma de um
folgado sem educação, não teve vez.
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