Vigiar e orar
Dentre os ensinamentos que Jesus nos deixou quando de
sua passagem pela Terra está a singela recomendação de
vigiar e orar. Essa recomendação é mais útil e oportuna
do que pensam os que a têm como mero convite à oração
noturna ou dominical. Vigiar significa estar atento,
cuidar do que acontece à volta, preparar-se para agir.
Orar é conectar-se com Deus, agir segundo Suas leis,
semear no mundo a fraternidade e o amor que nos foi
ensinado por Jesus.
Nas pregações de Jesus o maior mandamento é o do amor:
“Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos
façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os
Profetas” (Mt, 6:12). Somos todos irmãos. Todo Espírito
foi criado simples e ignorante (“O Livro dos Espíritos”,
questão 115) com o intuito de se aperfeiçoar para chegar
ao convívio do pleno amor de Deus. Os que marcham na
dianteira devem socorrer os retardatários. Assim nos
esclarecem os Espíritos que auxiliaram Allan Kardec na
codificação da Doutrina Espírita, como São Vicente de
Paulo, registrado nos comentários à questão 888 de O
Livro dos Espíritos: “... Não olvideis jamais que o
Espírito, qualquer que seja seu grau de adiantamento,
sua situação como reencarnação ou erraticidade, está
sempre colocado entre um superior que o guia e o
aperfeiçoa, e um inferior diante do qual tem os mesmos
deveres a cumprir...”.
Nosso crescimento é eminentemente relacional, o que quer
dizer que somente avançamos na medida em que nosso
comportamento e nossa vivência levem em conta o outro, o
outro próximo e o outro distante, aqueles que se
encontram acima e os que estão abaixo, os que nos são
caros e os desafetos. Esse é o sentido do amar ao
próximo como a si mesmo que encontramos em Mt, 22:37-39:
“... Ele respondeu: amarás ao Senhor teu Deus de todo o
teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu
espírito. Esse é o maior e primeiro mandamento. O
segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a
ti mesmo”.
Bastante conhecido no Brasil, o médico Dr. Dráuzio
Varella há mais de 20 anos dedica-se ao atendimento da
população carcerária do Estado de São Paulo, além de
levar informação sobre cuidados com a saúde para a
população em geral. Segundo o Dr. Varela, em vinte anos
o número de pessoas internas em cárcere no Estado saltou
de cerca de 90 mil para 800 mil. Organizações criminosas
como PCC, Comando Vermelho, Família do Norte e outras
proliferam no ambiente prisional, ditando regras e se
tornando um poder paralelo muitas vezes mais forte do
que o Estado de direito.
Se a taxa de desemprego na sociedade em geral está
medida em 12%, dentre a população jovem e pobre, com
pouca escolaridade, esse percentual sobe para 25%. Desse
extrato social sai a maior parte da população prisional.
As mulheres oferecem quadro de sofrimento ainda maior.
Sem perspectivas de estudo ou trabalho, com valores
morais relaxados como reflexo da sociedade atual,
tornam-se mães no início da adolescência, são presas
fáceis para o tráfico de drogas e, não raro,
encontram-se nos presídios avós de menos de 30 anos e
bisavós mal entradas nos 40 anos de idade.
A negligência da sociedade permitiu chegar-se a um
patamar preocupante de desigualdade de oportunidades
sociais. De acordo com a avaliação do Dr. Varela, ou nos
adiantamos e nos despertamos para criar soluções de
promoção de cidadania e rede de proteção aos menos
favorecidos, ou seremos duramente despertados.
A Doutrina Espírita nos ensina que estamos em um Mundo
de Provas e Expiações e que cada um tem seu fardo a
carregar em cada existência. Mas também nos exorta a ser
caridosos e procurar ajudar os irmãos em prova, de modo
que suas cargas possam ser aliviadas. Medidas muitas
vezes singelas podem criar um ambiente de incremento de
oportunidades, apoio, confiança e de inclusão, mesmo dos
que tenham pouco a oferecer a esse mundo tecnológico de
evolução estonteante. É importante que cada um possa ter
seus meios de sobrevivência conquistados com o labor de
que são capazes.
Façamos da criação de oportunidades aos mais
necessitados a nossa ação. Não esperemos somente as
iniciativas governamentais, muitas vezes acanhadas e
tardias. Alicerçados no trabalho voluntário poderemos
somar forças a parcerias e buscar oferecer apoio às
mulheres-mães que buscam trabalho; aos jovens pobres que
não têm como desenvolver aptidões esportivas, artísticas
ou profissionalizantes; às crianças que não conseguem
acompanhar o ensino formal.
Somente trazendo os retardatários da sociedade para o
convívio social sadio poderemos almejar uma sociedade
mais equilibrada, justa, onde as transgressões não sejam
necessariamente punidas com a segregação e o
encarceramento, mas que outras formas de reparação e
modificação de condutas possam ser implantadas. Nossa
sociedade merece melhor aplicação dos recursos gerados
pelo trabalho de todos do que a utilização dessa riqueza
para construção de novos presídios.
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