Criança
no Além
A desencarnação na infância coloca-nos diante da
seguinte questão: o que se passa com o Espírito que, tão
precocemente, deixa os fluidos terrenos?
De acordo com Allan Kardec, o Espírito de uma criança
morta em tenra idade só recobrará a lucidez primitiva
quando desaparecer toda a ligação entre o espírito e o
corpo. [i]
A ligação a que se refere Kardec é de natureza mental.
Durante o período de ligação ao corpo, verificado no
processo gestacional e, nos anos vividos, depois do
nascimento, o Espírito desvinculou-se parcial e
temporariamente da realidade espiritual, adaptando-se
psiquicamente à corporeidade. A libertação desses
condicionamentos mentais não se verificará de forma
imediata, excetuando situações especiais relacionadas a
entidades nobres e muito lúcidas.
Segundo a literatura espírita, três situações podem se
identificar com o Espírito que vem a desencarnar no
período de infância.
Primeira possibilidade: o Espírito retoma de imediato a
sua personalidade de adulto, geralmente a da última
encarnação. André Luiz comenta que quando o Espírito já
alcançou elevada classe evolutiva, assumindo o comando
mental de si mesmo, adquire o poder de facilmente
desprender-se das imposições da forma, superando as
dificuldades da desencarnação prematura. Isso pode
dar-se com grandes almas que renasceram na Terra por
brevíssimo prazo, simplesmente com o objetivo de acordar
corações queridos para a aquisição de valores morais,
recobrando, logo após o serviço levado a efeito, a
respectiva apresentação que lhes era costumeira.[ii]
Segunda possibilidade: retornar brevemente à Terra para
uma nova experiência corpórea. Não parece ser tão raro
que Espíritos mortos em tenra idade tenham um curto
período de erraticidade (meses ou poucos anos), com
regresso ao planeta, muitas vezes reencarnando na mesma
família.
Hernani Guimarães Andrade estudou oito casos de
indivíduos que se lembraram de fatos de encarnações
prévias e, após minuciosa pesquisa, acreditou ter dados
suficientes para autenticar os fenômenos. Desses oito
casos, quatro se relacionavam a Espíritos que haviam
desencarnado na infância e regressaram, após breve
intervalo de tempo, na mesma família, sendo que três
voltaram ao convívio dos mesmos pais, ou seja, eram
irmãos deles próprios. [iii]
Terceira possibilidade: manter, por um espaço relativo
de tempo, a forma infantil, submetendo-se a um processo
natural de desenvolvimento “físico” e mental, à
semelhança do que se verifica na dimensão física. A
criança cresce em estatura e desenvolvimento cognitivo,
aprende a ler e escrever, se escolariza, e adquire
habilidades que vão capacitá-la a avançar em sua senda
evolutiva. A literatura mediúnica se reporta a colônias
espirituais especializadas nesse labor.
Ernesto Bozzano se reporta à mensagem mediúnica de uma
senhora que teve a infelicidade de perder dois filhos
ainda muito pequenos. Anos mais tarde, ela, por sua vez,
retorna à dimensão espiritual. Durante o desligamento
perispiritual, ela identifica dois belos mancebos que
vêm recebê-la. Algo de familiar no semblante deles, mas
não se recorda de havê-los conhecido na Terra. Mas
quando eles se aproximam mais, ela, então, os reconhece:
seus filhos amados que haviam se tornado homens feitos.[iv]
Lembra André Luiz que almas ainda encarceradas no
automatismo inconsciente acham-se relativamente longe do
autogoverno. Jazem conduzidas pela Natureza, à maneira
das criancinhas no colo maternal. Não sabem desatar os
laços que as aprisionam aos rígidos princípios que
orientam o mundo das formas e, por isso, exigem tempo
para se renovarem no justo desenvolvimento. Comenta
ainda que é por esse motivo que, muitas vezes, não se
pode prescindir dos períodos de recuperação para quem se
afasta do veículo físico, na fase infantil, de vez que,
depois do conflito biológico da reencarnação ou da
desencarnação, para quantos se acham nos primeiros
degraus da conquista de poder mental, o tempo deve
funcionar como elemento indispensável de restauração. E
a variação desse tempo dependerá da aplicação pessoal do
aprendiz à aquisição de luz interior, através do próprio
aperfeiçoamento moral.[v]
No entanto, o mais importante é que, independente da
opção em que o Espírito esteja inserido, ele se
encontrará sob a amorosa supervisão de almas queridas
que velarão por ele, encaminhando-o da melhor maneira
possível. Kardec lembra que a alma encontra no mundo dos
Espíritos os parentes que ali a precederam, pois eles
vêm recebê-la e ajudam-na em sua readaptação à nova
experiência de vida.[vi]
[i] O
Livro dos Espíritos, item 381
[ii] Entre
a Terra e o Céu, cap. X
[iii] Reencarnação
no Brasil
[iv] A
crise da morte, Bozzano
[v] Entre
a Terra e o Céu, cap. X
[vi] O
que é o Espiritismo, cap. 2, item 153