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por Ricardo Baesso de Oliveira

 

Simone Weil e o Espiritismo


Simone Weil, filha de judeus não praticantes - seu pai era médico - nasceu em Paris e viveu sua rica existência no período que compreende as duas grandes guerras (morreu com 34 anos em 24 de agosto de 1943).

A solidariedade e a compaixão com os sofredores do seu tempo marcaram a curta vida dessa filósofa francesa, aluna da Sorbonne, que, com o início da segunda guerra mundial, passou a dormir no chão, em solidariedade aos soldados franceses que no front não tinham uma cama para se deitar. Horrorizava-se que a pusessem em situação de privilégio, e fugia espantada de toda solicitude que pudesse colocá-la acima do nível comum.

Deixou uma brilhante carreira acadêmica, para dedicar-se ao ensino de filosofia para alunos do ensino médio, tendo trabalhado, durante um ano, como operária em uma fábrica da Renault, para sentir na própria pele a dor e o sofrimento dos oprimidos de sua geração.

Judia apenas de nascimento, se converteu ao cristianismo após uma experiência mística, em uma aldeia portuguesa de pescadores, mas não assumiu a fé católica, recusando-se ao batismo em solidariedade com aqueles que, na história, foram condenados pela intolerância católica.

É de impressionar a grandeza e profundidade de sua obra - publicada em 16 volumes pela Editora Gallimar - escrita durante os poucos e difíceis anos da guerra. Tão notável quanto sua obra literária é o seu exemplo de vida, seu desprendimento aos bens e prazeres terrenos e sua luta contra a desigualdade e injustiça humanas.

 Não sabemos se teve contato com obras espíritas, mas podemos identificar em seus textos elementos contidos no modo espírita de pensar. Apresentamos, a seguir, alguns pensamentos de Simone, relacionando-os com temas que nos são caros.

Deus

O problema de Deus é um problema cujos dados estão faltando aqui embaixo e que o único método eficiente para evitar resolvê-lo de maneira errada é não perguntando. Estando neste mundo, cabe a nós adotar a melhor atitude possível para com os problemas dele, e essa atitude não depende da solução do problema de Deus.

                           

Jesus

Se o Evangelho omitisse toda e qualquer menção à ressurreição de Cristo, a fé me seria mais fácil. A cruz, apenas, me basta. Para mim, a prova, a coisa verdadeiramente milagrosa, é a beleza perfeita das narrativas da Paixão, juntamente com algumas palavras fulgurantes de Isaías: “Injuriado, maltratado, ele não abria a boca”; e de São Paulo: “Possuindo a natureza divina, renunciou a ela, esvaziou-se e aceitou a cruz”.

Deturpações do Cristianismo

A Igreja trouxe muitos frutos ruins para que não tenha havido um erro já de início. A Europa foi espiritualmente desenraizada, amputada daquela antiguidade em que têm origem todos os elementos de nossa civilização; e ela foi desenraizar os outros continentes a partir do século XVI. Seria curioso que a palavra de Cristo tivesse produzido esses efeitos se tivesse sido bem entendida. Cristo disse: “Ensinai as nações e batizai os que creem”, ou seja, os que creem nele. Ele nunca disse: “Obrigai-os a renegar tudo o que seus pais consideraram sagrado e a adotar como livro sagrado a história de um pequeno povo que não conhecem”.

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Israel e Roma deixaram sua marca no cristianismo. Israel fazendo incluir nele o Antigo Testamento como texto sagrado, Roma tornando o cristianismo a religião oficial do Império, que era algo como isso com que Hitler sonha. Essa dupla mácula quase original explica todas as máculas que tornam a história da Igreja tão atroz no decorrer dos séculos.

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Tudo indica que a Igreja não cumpriu perfeitamente sua missão de conservadora da doutrina. Nem de longe. Não só porque ela acrescentou minúcias, restrições e interdições talvez abusivas, mas também porque, quase certamente, perdeu tesouros. Mas há uma quase certeza. É a de que quiseram nos esconder alguma coisa; e conseguiram. Não é por acaso que há tantos textos destruídos, tantas trevas a respeito de uma parte tão essencial da história. Provavelmente houve uma destruição sistemática de documentos.

Religião

Unicamente as associações de ideias adequadas, profundamente gravadas na nossa mente graças a intensas emoções, permitem ao pensamento meditar Deus, inclusive sem palavras interiores, através dos atos do trabalho. A tarefa da Igreja seria a de suscitar tais emoções e criar essas associações.

Experiências espirituais

No que vemos como milagres, os hindus veem efeitos naturais de poderes naturais que se encontram em poucas pessoas e, mais frequentemente, nos santos. Quanto à autenticidade histórica dos fatos que denominamos milagres, não há motivos suficientes para afirmá-la nem para negá-la categoricamente. Os fatos considerados miraculosos são compatíveis com a concepção científica do mundo, uma vez que se admite como postulado que uma ciência suficientemente avançada poderia explicá-los. Esse postulado não suprime a ligação desses fatos com o sobrenatural. Somos por demais ignorantes para poder afirmar ou negar a respeito dessa questão.

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Os que acreditam que o sobrenatural age de uma forma arbitrária e que foge a todo estudo, bem que o desconhecem assim como os que negam a sua realidade. Os místicos autênticos, como São João da Cruz, descreveram a operação da graça na alma com uma precisão de químico ou geólogo. A influência do sobrenatural sobre a sociedade humana pode ser também estudada.

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Os erros de nossa época provêm de um cristianismo sem o sobrenatural.

Lei Natural (Causa e efeito)

Se olharmos de perto, com um olhar realmente atento, as almas e as sociedades humanas, veremos que por todo lado onde a virtude da luz sobrenatural está ausente, tudo obedece a leis mecânicas tão cegas e tão precisas quanto as leis da queda dos corpos. O homem jamais pode sair da obediência a Deus, uma criatura não pode deixar de obedecer. A única escolha deixada ao ser humano como criatura inteligente e livre é desejar a obediência ou não a desejar. Se ele não a desejar, ele a obedecerá de qualquer maneira, perpetuamente, enquanto coisa submissa à necessidade mecânica.

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Em sendo cego, o destino estabelece uma espécie de justiça, também cega, que pune os homens armados com a Pena de Talião; a Ilíada a formulou muito antes do Evangelho, e quase nos mesmos termos: Ares é equitativo, mata os que matam. Este castigo de um rigor geométrico, que pune automaticamente ao abuso da força, foi o objeto primeiro da meditação entre os gregos. Foi talvez, essa noção grega, que subsistiu, sob o nome de Kharma, em países do Oriente impregnados de budismo; mas o Ocidente a perdeu e nem tem mais, em nenhuma de suas línguas, uma palavra para significá-la; as ideias de limite, de medida, de equilíbrio, que deveriam determinar a conduta da vida, só têm um emprego servil na técnica. Só diante da matéria somos geômetras; os gregos foram primeiramente geômetras no aprendizado da virtude.

Desapego

É melhor não comandar em todos os lugares em que temos poder. Esse pensamento, caso ele ocupe toda a alma e governe a imaginação, que é a fonte das ações, constitui a verdadeira fé.

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A frase de pascal “Tu não me procurarias se já não me houvesses encontrado” não é verdadeira expressão das relações entre o homem e Deus. Platão é muito mais profundo quando diz: É preciso afastar-se com toda a força daquilo que é transitório. O homem não tem que buscar nem sequer acreditar em Deus. Só deve negar seu amor a tudo que é distinto de Deus. A única opção que o homem tem é a de dedicar ou não seu amor às coisas terrenas. É preciso que ele se negue a dar seu amor às coisas terrenas e permaneça imóvel, sem buscar nem se agitar, em atitude de espera sem tratar sequer de saber o que ele espera; é absolutamente certo que Deus percorrerá todo o caminho até ele.

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Todos nós sofremos uma certa deformação decorrente de nossa vida na atmosfera da sociedade burguesa, e até nossas aspirações em prol de uma sociedade melhor trazem a sua marca. A sociedade burguesa está atacada de uma mania única: a monomania da contabilidade. Para ela nada tem valor se não pode ser registrado em francos e centavos.

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A virtude sobrenatural da justiça consiste, se formos o superior na relação desigual de forças, em nos conduzir exatamente como se houvesse igualdade. A pessoa que trata como iguais aqueles a quem a proporção de forças colocou muito abaixo dele, realmente lhes dá o dom da qualidade de seres humanos, que o destino os privou. Tanto quanto for possível a uma criatura, ela reproduz a generosidade original do Criador.

Justiça

Se se sabe onde está o desequilíbrio da sociedade, é necessário fazer tudo que se possa para agregar peso ao prato mais leve. Ainda que esse peso seja um mal, manejando-o com essa intenção pode ser que não manche. Mas é necessário haver concebido o equilíbrio e estar sempre disposto a trocar de lado como a justiça, essa fugitiva do campo dos vencedores.

Compaixão

Há somente uma ocasião na qual realmente não tenho mais certeza de nada. É no contato com o infortúnio de outra pessoa [...] Esse contato me faz um mal tão atroz, me despedaça tanto a alma de um lado a outro, que o amor de Deus se torna quase impossível durante algum tempo. Falta muito pouco para que eu diga impossível. A tal ponto isso me inquieta e atormenta. Fico um pouco mais tranquila quando lembro que o Cristo chorou ao prever os horrores do saque de Jerusalém. Espero que Ele perdoe à compaixão.

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Eu jamais consigo ler a história da figueira estéril sem estremecer. Acredito que ela seja o meu retrato. A natureza nela também era impotente e, no entanto, ela não foi desculpada. Cristo a amaldiçoou; [...] o sentimento de ser uma figueira estéril para Cristo despedaça o meu coração.

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Os infelizes não precisam de outra coisa neste mundo do que de seres humanos capazes de prestar atenção neles. A capacidade de prestar atenção a um infeliz é algo raro, muito difícil; é quase um milagre; é um milagre. Quase todos os que acreditam ter esta capacidade não a possuem. O calor, o impulso do coração e a piedade não bastam. Este olhar é, antes de tudo, um olhar atento, no qual a alma se esvazia de todo conteúdo próprio para receber em si o ser que ela observa tal ele é, em toda sua verdade.

Resignação

Se cairmos perseverando no amor até o ponto onde a alma não pode segurar o grito “Meu Deus, por que me abandonastes”, se permanecermos nesse ponto sem deixar de amar, acabamos por tocar algo que não é mais o infortúnio, que não é a alegria, que é a essência central, essencial, pura, não sensível, comum à alegria e ao sofrimento, e que é o próprio amor de Deus.

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Quando um aprendiz se fere ou se queixa de cansaço, os operários, os camponeses têm estas belas palavras: “É o trabalho que está entrando no corpo”. Cada vez que suportamos uma dor podemos dizer de maneira fidedigna que o universo, a ordem do mundo, a beleza do mundo e a obediência da criação a Deus entram em nosso corpo.

Ciência

Vivemos em uma época em que a maioria das pessoas sente, confusa, porém intensamente, que aquilo que se chamava as luzes no século XVIII, constitui – incluindo a ciência – um alimento espiritual insuficiente.

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Quando a inteligência, depois de fazer silêncio, para deixar o amor invadir toda a alma, volta a se exercer, ela sente que contém mais luz do que antes, mais aptidão para compreender os objetos, as verdades que lhe são próprias. Mais ainda, creio que esses silêncios constituem para ela uma educação que não pode ter nenhum outro equivalente e lhe permitem compreender verdades que, de outro modo, lhe permaneceriam sempre ocultas. Há verdades que estão a seu alcance, compreensível para ela, mas que só pode compreender depois de terem passado em silêncio através do inteligível.

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Uma ciência que não nos aproxima de Deus não vale nada. Porém, se nos aproxima mal, ou seja, de um Deus imaginário, ainda é pior.

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Penso que a vida intelectual, longe de dar direito a privilégios, é, em si mesma, um privilégio quase terrível que exige, em contrapartida, responsabilidades terríveis.

Um sistema social está profundamente doente quando um camponês trabalha a terra pensando que, se ele é camponês, é porque não era inteligente o bastante para tornar-se professor.

Desenvolvimento espiritual

Deus recompensa a alma que pensa nele com atenção e amor, e Ele a recompensa exercendo sobre ela uma coação rigorosamente, matematicamente proporcional a esta atenção e este amor. É preciso abandonar-se a este impulso, correr até o ponto preciso onde Ele o conduzir, [...] ser objeto de uma sujeição que se apodera de uma parte da alma que cresce perpetuamente. Quando a sujeição se apodera de toda a alma, chegamos a um estado de perfeição.

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Preste muita atenção, pois se você passar ao largo de uma grande coisa por culpa sua, isso seria uma pena.

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Diz-se muitas vezes que a força não pode domar o pensamento; mas para que isto seja verdade, é preciso que haja pensamento. Onde as opiniões irracionais tomam o lugar de ideias, a força pode tudo.

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Só orientando meu pensamento para alguma coisa melhor do que eu, é que esse algo me puxará para o alto.

Tolerância

Se eu não amar as pessoas como elas são, então não são elas que eu amo.

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O pecado é uma má orientação do olhar.

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O caráter legal de um castigo não tem significado verdadeiro se não lhe for conferido um aspecto religioso, se ele não tiver algo análogo a um sacramento; e, consequentemente, todas as funções penais, desde o juiz, até o carrasco e o guarda da prisão, deveriam participar de alguma maneira desse sacerdócio.

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Uma sessão em um tribunal deveria começar e acabar com uma oração em comum dos magistrados, da polícia, do acusado, do público. Cristo não deveria estar ausente dos lugares onde trabalhamos, dos lugares onde estudamos.

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É preciso que as diferenças não diminuam a amizade e que a amizade não diminua as diferenças.

Observação: os textos de Simone foram extraídos dos livros Espera de Deus, Pensamentos desordenados acerca do amor a Deus A gravidade e a graça, de Simone Weil, e também das obras Simone Weil – A força e a fraqueza do amor de Maria Clara Bingemer e Simone Weil – A condição operária e outros estudos sobre a opressão de Ecléa Bosi.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita